Pesadas botas negras tocaram a neve branca que se acumulava naquele ambiente aberto, quase inóspito, uma chuva fina caia esfriando ainda mais o ar quase rarefeito enquanto os olhos treinados de John observavam com dificuldade a vastidão banca e nevada ao redor, que quase o impossibilitavam de discernir os desníveis da região.
Sua respiração quente causando vapor ao entrar em contato com o ar frio, o clima do Himalaia ainda afetava um pouco sua adaptação e o que mais queria naquele momento era algo para aquecer a garganta, nem que fosse uma dose de vodca pura. Seus orbes azuis voltaram-se a porta de metal a sua frente, era camuflada e coberta do gelo, camuflando-se sob aquela brancura.
Por fora, parecia apenas um banker pequeno e subterrâneo, semelhante aos armazéns utilizados por construtores para proteger-se de ataques em tempos de guerra, porém, assim que a porta foi empurrada e o homem irrompeu por esta, teve ampla noção do que realmente havia ali dentro.
Caminhou pelo longo corredor que se abria a sua frente, observando pelo canto do olho os vários soldados que entravam e saiam por portas metálicas, ou ficavam parados apenas cuidando da segurança. Um deles, de olhos acinzentados e frios, focaram-se desconfiados no soldado recém-chegado, encararam-se por alguns segundos sem quebrar o contato visual ou piscar, e nada foi dito.
Então, depois de algum tempo mantendo-se fixo, reconhecendo a posição em que se encontrava, John acenou com a cabeça em sinal de respeito e após receber o cumprimento de volta, continuou seu caminhou, parando apenas quando encontrou-se diante das portas brancas do laboratório.
Sendo um soldado, havia presenciado uma grande variedade de situações que a maioria das pessoas civis jamais sequer pensaria, e por mais que a maioria dos militares afirmassem que era possível conviver com “os ossos do oficio”, John julgava que a única razão para não ter surtado ainda era porque “fugia” das partes mais cruéis, tentando manter-se limpo de cometer tais atrocidades.
Devido a essa distância, era a primeira vez que entrava na ala de pesquisas genéticas, mesmo trabalhando naquela base militar há meses, a verdade era que sempre evitara os estudos desenvolvidos naquele laboratório, sabia da existência deles, e dizia a si mesmo que ao menos se não participasse, não estaria sendo conivente.
Ainda assim, estava ali, prestes a conhecer os espécimes recém criados que tanto havia se esforçado para ficar longe, ciente de que a segurança da pesquisadora dentro daquele cômodo estaria integralmente sob seus cuidados e dizia a si mesmo que deveria pensar somente nisso.
“– Humanos indestrutíveis...” – Refletiu consigo mesmo, passando os dedos pelos fios loiros e prendeu a respiração em antecipação ao que veria. Fora instruído minuciosamente sobre o que veria ali dentro, conhecia o projeto tão bem quanto os próprios cientistas que modificavam embriões geneticamente para que recebessem células animais melhorada, mantendo apenas algumas características como a lealdade e inteligência predadora.
“– Mas, como todo projeto, este possui muitas falhas...” Completou seu raciocínio, lembrando-se dos arquivos referente a espécimes com grande dificuldade em se desenvolver socialmente, causado por terem sido criados desde o nascimento em laboratórios, mas sabia que este não era o único motivo afinal, era quase impossível controlar um ser humano em condições normais logo, controlar completamente um hibrido parecia utópico.
Seus pensamentos acabaram sendo atrapalhados quando seu olhar recaiu sobre a doutora Lyns Sakurai – a médica responsável pelos híbridos em desenvolvimento atualmente – a qual estava distraída na leitura de alguns documentos enquanto bebia uma grande xicara de chá, seus cabelos longos e negros estavam presos em um coque no alto da cabeça e seus traços eram asiáticos. Pouco a conhecia, mas tinha ciência do quanto era reconhecida e respeitada até mesmo pelos soldados.
– Você deve ser John Thatcher! Ela comentou desviando os olhos dos documentos, e o cumprimentou com um sorriso de canto enquanto parecia tentar ler seus pensamentos. – Temos muito trabalho a fazer... achei que fosse indiano?
– Serei responsável pela sua segurança! O soldado respondeu sério, e logo seus olhos estavam correndo pelo laboratório novamente, constatando que havia adentrado no processo já em andamento e completou: – Mestiço...
– Muito interessante a divisão genética, características caucasianas e pele morena... – A doutora sorriu deixando-se levar pelo habito cientifico enquanto fitava-o com interesse genuíno, levou a mão ao queixo e o encarou com seus olhos puxados.
Os primeiros experimentos começavam a se desenvolver nos tubos de ensaio, seus corpos pequenos possuíam marcas de agulhas mostrando as avaliações físicas de seus genes feitas pelos cientistas. Um contêiner em especial lhe chamou a atenção, dentro dele havia um espécime que possuía pouco mais de quatro meses de “gestação artificial”, seus olhos continuavam fechados, mas seus batimentos cardíacos estavam acelerados como se estivesse prestes a acordar a qualquer momento.
– Este é o espécime EH002! Lyns comentou indo em sua direção, as mãos nos bolsos do jaleco branco e uma expressão séria, parecia tentar ser o mais imparcial possível em relação aos experimentos. – Possui o desenvolvimento mais avançado...
– Incrível! John comentou surpreso, esquecendo-se por um momento de sua neutralidade, se perguntava como ele podia estar com aquela forte atividade sendo tão jovem. – Parece perfeito, mesmo sendo tão franzino...
– EH002 é o meu predileto a evolução... – Ela explicou sorrindo orgulhosa de sua criação, ainda observando as atividades do pequeno híbrido que, aos poucos, acalmava-se, fez anotações em sua prancheta e em seguida, ergueu seus olhos ao soldado novamente. – Recebeu genes melhorados de lobos cinzentos.
John a encarou com uma sobrancelha erguida por alguns segundos, perguntava-se como era possível cientistas continuares utilizando a mesma metodologia mesmo após dezenas de fracassos, mas refreou-se antes de questionar sobre o monte de questões que passava por sua mente enquanto fitava aquele ser que lhe causava uma estranha inquietação. Queria perguntar-lhe sobre a porcentagem humana daqueles espécimes, mas algo em seu âmago o impelia a se calar, como se inconscientemente não quisesse ter aquela resposta.
Então a atenção dos dois voltou-se para o outro contêiner onde um espécime menor repousava, seu corpo apesar de ter apenas alguns meses de vida, possuía o tamanho de um menino de seis anos, vê-lo ainda tão frágil lhe faz querer protege-lo. Obviamente, o fato de estar se apegando a eles o preocupava, poderia ser afastado do projeto ou até mesmo do exército. Ao assinar o extenso contrato de sigilo, estava bem explícito que não poderiam ter nenhuma outra relação com os “materiais” de trabalho, e pertencentes ao governo, se é que seres humanos podem ser chamados assim.
Fitou a doutora de soslaio e notou a forma como encarava o segundo espécime com certa displicência, como se não lhe agradasse tanto quanto o outro. Aproximou-se um pouco do contêiner de vidro e observou com mais cuidado o pequeno hibrido, seus cabelos eram loiros e tinha a pele tão clara quanto a do “irmão”, mas diferente dele, seus olhos permaneciam serenos como se estivesse em um sono profundo.
– Foi proposital que tivessem esse tamanho? John questionou reparando que os dois espécimes, apesar de possuírem poucos meses de vida, eram bem desenvolvidos fisicamente. – Eles parecem crianças de cinco anos...
– Ora, não seria muito útil trocar fraldas... – Lyns murmurou com displicência enrugando levemente o nariz, colocou a prancheta sob o braço e riu baixo balançando a cabeça negativamente enquanto continuava suas explicações. – Sem contar que esperar o crescimento deles também seria problemático...
– Compreendo... – O soldado murmurou mais para si do que para a doutora ao seu lado. Avaliou os sinais vitais do jovem espécime novamente e deslizou seus dedos pelo contêiner de vidro, se perguntando quantos outros espécimes como ele haviam sido eliminados por não serem perfeitos.
Voltou sua atenção para o outro lado da sala, onde estava o primeiro contêiner e observou Lyns aproximar-se com a caderneta em mãos novamente, seus olhos escuros observavam com seriedade as pálpebras do pequeno espécime EH002 se movendo levemente, o primeiro espécime a conseguir manter sua consciência com tão pouco tempo de vida. Era fácil entender o porquê de ser o predileto daquela cientista tão exigente.
– Parece que todo esse tempo, estive sendo observada por minha criação que pelo visto, é bem mais inteligente do que o previsto... – Ela comentou com John, o fazendo sorrir discretamente, inclinou a cabeça para o lado, fazendo mais anotações, retirou um recipiente contendo sangue e o balançou, fitando-o com atenção. – Ainda há informações que estou descobrindo sobre eles.
O som de alguns tubos de ensaio caindo acabou por chamar sua atenção, e os poucos segundos que a doutora manteve seus olhos focados naquele canto da sala foram suficientes para que ao retornar sua atenção para o contêiner, tivesse um dos maiores sustos de sua vida. Deparara-se com suas pequenas mãos espaçadas no vidro e os olhos fixos em si, o pequeno hibrido parecia um predador e possivelmente, já sabia todos os pontos fracos no corpo dos dois, suas pupilas estavam pequenas e possuíam formato semelhante às de um lobo cinzento.
– Que susto! Murmurou após um grito ecoar pelo laboratório, e enquanto ainda se acalmava notou que John apontava um revólver para o contêiner com uma expressão séria e logo precisou intervir ates que ele atirasse contra o contêiner, causando uma tragédia. – Não o machuque! Melhor nos afastarmos.
Ignorando os pedidos de Lyns, o soldado aproximou-se ainda empunhando o revólver, seus orbes azuis fixos no corpo do espécime que apesar de franzino, possuía uma força extraordinária, seus cabelos prateados escorriam ao longo de seu corpo chegando quase na altura de sua cintura e contrastando com a pele extremamente branca. Olhar para seus olhos era como encarar uma noite de tempestade, causando arrepios na coluna do soldado.
O soldado soltou a respiração, que nem percebera estar prendendo, e engasgou com o nó que se formava em sua garganta ao ter consciência do que realmente aquilo representava. O vidro havia trincado ao mínimo toque do jovem espécime, um aviso do quanto aquele ser era poderoso, fazendo o homem questionar-se novamente se era realmente possível controlar um ser como aquele.
– John, afaste-se! Sua presença está causando um conflito por território... Não queremos um laboratório destruído! Lyns exclamou com a voz alta e firme, parecendo estar evitando gritos, a sensação era de que qualquer quebra no equilíbrio poderia causar uma tragedia em meio a aquela tensão. As mãos enluvadas e frias da doutora fecharam-se no braço direito do soldado, tentando fazê-lo baixar o revólver, mas ambos tremiam levemente. – Ela voltará a dormir...
– Você realmente acha que essa coisa pode ser controlada? John continuou em descrença, seus pelos da nuca ainda se arrepiavam por estar na presença de um possível predador que claramente não estava gostando da sua presença. – Ela? Você teve a coragem de criar uma fêmea?
– Não são coisas... – Foi a única coisa que John ouviu antes de Lyns lhe dar as costas e retornar a suas atividades como se nada tivesse acontecido, mas antes fez qu estão de completar. – E ela se chama Raniya.
Os poucos raios de sol começavam a clarear as terras frias do Himalaia quando John chegou à base militar, sentia-se exausto por não conseguir descansar pois, passara a noite em claro, a ansiedade lhe tomara ao ponto de não conseguir parar de pensar no projeto já em andamento e quando deu por si, o dia já amanhecia. Entrou no laboratório, encontrando as luzes acesas e deparou-se com a doutora Sakurai parada em frente a um dos contêineres, fitando-o seriamente.– Você n&a
Pelo canto do olho, John observava a doutora Sakurai fazer algumas anotações, seus olhos negros fitavam a pequena hibrida com seriedade, as sobrancelhas franzidas e uma expressão preocupação. Apenas dois dias se passaram e ela parecia cada vez mais sobrecarregada, a sensação de nunca conseguir ler seus pensamentos ainda o incomodava, mas aos poucos, começava a ler suas emoções. Gostaria de poder a ajudar, sabia o motivo de sua preocupação: Joan não era perfeita. A probabilidade de receber uma ordem de execução parecia cada vez mais real, e mesmo tendo sido instru&i
Quando a manhã finalmente chegou, um longo bocejo escapou pelos lábios de Lyns enquanto erguia-se ainda sonolenta, moveu a cabeça lentamente notando que dormira sobre sua mesa de trabalho e coçou os olhos tentando se situar, mas a dor latejante em sua têmpora a impossibilitava de fazer essa simples ação. Virou-se para John e sorriu resmungando algo sobre seus cabelos bagunçados.Os dois haviam passado a noite inteira no laboratório analisando as informações que já tinham dos espécimes anteriores, xingando o general – recentemente apelidado de “dono da porr* toda” &ndas
O dia seguinte amanheceu com uma pequena nevasca, a longa planície esbranquiçada despontava ao horizonte e a tensão dentro da base militar chegava a ser palpável. Depois do que aconteceu naquele laboratório, nenhum dos dois conseguia mais confiar em ninguém naquele lugar além deles mesmos. E, tentando não se prender nesse assunto, a cientista decidiu começar o dia fazendo uma bateria de exames nas duas jovens hibridas.Lyns estava tensa, apertava com preocupação as luvas cirúrgicas que retirara minutos antes enquanto fitava Joan diretamente. Aos poucos, a consciência do que ocorre
Aquele não era um bom momento, devido a situação envolvendo Raniya, mas depois de muito refletir e não chegar a um consenso sobre o que fariam com ela, decidiram por ignorar momentaneamente sua periculosidade e assim, a ideia de observá-las em sociedade veio à mente da doutora. Os espécimes se desenvolviam rápido, ao ponto de no decorrer de poucas horas distraídos, poderiam ter perdido algo grandioso. Então, precisavam fazer os testes o mais rápido possível antes que a sociabilidade se tornasse um problema.Poderiam sair um pouco das instalações, colocar as meninas em contato co
Enquanto caminhavam pelo parque, pelo canto do olho, podia ver os olhos azuis da “irmã” a fitando magoados, era obvio que ela queria se aproximar mais daquelas meninas, mas não poderia permitir tal coisa, seria muito arriscado. Era instintivamente protetora e mesmo que tivesse o sofrimento de vê-la chorar, preferia isto ao ter a possibilidade colocar sua segurança em perigoQuando reencontrou com os “pais”, seus orbes acinzentados fixaram-se imediatamente na menina de longos fios encaracolados que conversava com um homem mais velho, sua visão estreitou-se e apertou a mão da “irmã” com força, pressentindo que algo não estava como deveria ser.
Um novo dia amanhecia, os poucos raios solares tentando aquecer o ambiente, soldados com seus fardamentos verde chumbo, andavam de um lado para o outro, retirando suprimentos de dentro dos jipes de trabalho, pouco conversavam entre si e mantinham o ritmo constante, concentrados em suas próprias funções. Dentro do laboratório principal, duas pequenas espécimes dormiam em suas camas improvisadas, uma delas, de semblante mais sério, parecia estar tendo sonhos agitados e remexia-se lentamente, mas aos poucos, acalmava-se ao sentir as pequenas mãos da outra enroscando-se em seu corpo, era fofinha e carinhosa, desarmando a irmã irritadiça. Tal cena podia ser vista somente por duas pessoas no mundo, seus responsáveis, que se derretiam ao vê-las daquela forma, esquecendo-se completame
Depois daquela conversa, o clima entre o casal tornou-se taciturno e rapidamente, começava a afetar o trabalho de ambos, vez ou outra trocavam olhares significativos, mas não conseguiam transformar seus pensamentos conturbados em palavras. A tensão era palpável e tendo seus sentidos ampliados, as duas pequenas hibridas logo perceberam que algo estranho estava acontecendo. Último capítulo