O nascimento de Joan

            Os poucos raios de sol começavam a clarear as terras frias do Himalaia quando John chegou à base militar, sentia-se exausto por não conseguir descansar pois, passara a noite em claro, a ansiedade lhe tomara ao ponto de não conseguir parar de pensar no projeto já em andamento e quando deu por si, o dia já amanhecia. Entrou no laboratório, encontrando as luzes acesas e deparou-se com a doutora Sakurai parada em frente a um dos contêineres, fitando-o seriamente.

– Você não dorme? O soldado questionou em um resmungo caminhando em sua direção, colocou-se ao seu lado e a olhou nos olhos. conseguindo sua atenção.

Os olhos dela possuíam grandes e profundas olheiras que denunciavam uma noite insone, suas mãos apertavam os documentos com força e parecia perdida em pensamentos. A preocupação lhe consumia, e realmente havia passado a noite acordada pensando no que poderia fazer para salvar a segunda pequena hibrida, esta que em momento algum, conseguia alcançar os mesmos resultados da outra, tornando-se um problema para o laboratório. HE001 não era sua predileta, mas apegara-se a ela ao passo que o tempo passava, ao ponto de não conceber a ideia de exclui-la do projeto. Após ver os últimos resultados, e assinar seus laudos, sentia como se estivesse assinando sua sentença de morte, sua eutanásia.

– São duas fêmeas, e não fui eu quem as criou... – A cientista decidiu falar, tentando se distrair de suas frustrações conversando com alguém, sorriu de canto e virou-se para o soldado que a observava com uma sobrancelha erguida. Planejo

chama-la de Joan por causa dos cabelos loiros como os seus!

– Já estamos nesse nível de intimidade?  John resmungou novamente, cruzando os braços e se perguntando o que ela estava planejando com aquela aproximação, mas optou por não se ater a essas interrogações naquele momento e aproximou-se do contêiner para vê-la mais de perto.

Joan repousava sobre a água cristalina, seus olhos fechados em uma expressão de serenidade como no dia anterior, totalmente alheia aos horrores que lhe aguardavam e ao desespero da doutora em vê-la reagir. Sendo a mais velha dos espécimes, era esperado que já estivesse consciente e possuísse desenvolvimento mais avançado, contudo, parecia ser necessário um milagre para salvá-la. Joan possuía o desenvolvimento comum de uma criança humana, tendo o agravamento de alguns danos genéticos que não pareciam passiveis de “consertar”.

Lyns a observou em uma mistura de angustia e expectativa, esperando que abrisse seus olhos assim como Raniya havia feito no dia anterior, ou ao menos reagisse a aproximação de um homem desconhecido, acelerando seus batimentos cardíacos, mas nada aconteceu fazendo a doutora soltar um suspiro consternado.

“– O que há de errado em você?” Se questionou deslisando a mão pelo rosto cansado, voltando os olhos para os laudos em seguida e afastando-se como se ficar próximo a pequena loira lhe causasse ainda mais inquietação.

John ouvira comentários sobre a preocupação da doutora com relação a situação do primeiro espécime, e temia que Joseph, o comandante da equipe, a sacrificasse por não corresponder ao que era pedido. Sentiu a bile subir por sua garganta, sabia o quanto aquilo era desumano ainda mais se tratando de crianças, conhecera o general responsável por verificar os resultados dessa pesquisa e sabia da fama que adquirira de desumano após coordenar a destruição de outros onze espécimes do primeiro estágio, alegando serem defeituosos.  

Contudo, seus devaneios foram interrompidos por um barulho vindo do contêiner de Raniya que chamou sua atenção novamente, fazendo-o virar-se a tempo de vê-la mexendo as pernas no que chamava de “líquido amniótico” pois, possuía todos os nutrientes que precisam para seu desenvolvimento. Mas não teve tempo de achar fofo pois, logo suas mãos pequenas começaram a bater com força contra o vidro tentando quebrá-lo sem sucesso uma vez que, havia sido reforçado desde o primeiro golpe no dia anterior, restando a ela apenas golpear o vidro e olhar na direção de Joan, tentando avisa-los sobre algo.

O soldado observava toda aquela agitação sem entender nada, perdido em meio a tensão, ela estava tentando lhe mostrar algo e não conseguia descobrir o que era. Seus olhos vasculharam ao redor da sala e então, notou que os sinais vitais de Joan estavam baixando a um estado crítico. Antes que pudesse se mover, viu a doutora Sakurai correr até o contêiner e o abrir, tirando o pequeno espécime do liquido, e imediatamente seus olhos azuis se abriram arregalados e a boca buscou ar em desespero. Ele havia acordado e estava sufocando no “líquido amniótico”.

– Rápido, me ajude a fazer uma massagem cardiorrespiratória! A doutora gritou tirando o soldado de seu estado de transe e alguns minutos depois, o pequeno espécime já estava respirando com mais calma.  

Depois disso, John voltou-se para Raniya que os observava com atenção, claramente preocupada com a saúde da irmã e com grande surpresa, percebeu que as brânquias usadas para respirar dentro do “líquido amniótico” estavam desaparecendo. Ela havia evoluído rapidamente para sair do contêiner e ajudar Joan caso fosse necessário.

Um turbilhão de pensamentos deixou sua mente caótica, seria realmente possível que aqueles seres híbridos possuíam sentimentos uns pelos outros?

Joan arfou buscando um pouco mais de ar, mas parecia estar tendo dificuldade em fazer isso, o que acabava produzindo um estranho som de sufocamento. Lyns lhe sorriu, afastando os fios loiros de seus olhos que fitavam ao redor com curiosidade, permitindo que a pequena hibrida reconhecesse o ambiente em que se encontrava. Depois de alguns minutos em silencio, a doutora levantou-se devagar levando a menina consigo e fez a primeira tentativa de colocá-la de pé, tendo o cuidado de antes esperar que suas pernas pararem de tremer, enquanto as pequenas mãos agarravam-se ao seu jaleco branco enquanto tentava firmar os pés no chão frio.

As pernas da pequena loira não conseguiram sustentar seu peso por muito tempo, e os joelhos dobraram-se, fazendo-a optar por sentar-se em umas das cadeiras giratórias com a ajuda da doutora Sakurai que, rapidamente, afastou-se para procurar por algo que pudesse cobrir sua nudez.

Assim que se viu sozinho com as duas pequenas hibridas, John aproximou-se a observando em silencio, sua mente ainda estava um caos, mas ver o pequeno espécime loirinha tentando movimentar a cadeira desajeitadamente acabou por amolecer seu coração, fazendo-o fixar os olhos nela. E, ignorando suas próprias preocupações, permitiu-se sorrir com aqueles gestos tão angelicais, reconhecendo que estava diante de uma criança descobrindo o mundo.

Seu emocional endurecido pelo árduo treinamento acabou sendo totalmente destruído quando se sentiu responsável por aquele pequeno ser e decidiu que não permitiria seu uso como uma arma em conflitos armados que não lhe pertenciam.

– O que está tentando fazer? Questionou, e os olhos azuis confusos dela ergueram-se para o soldado, olhando-o em confusão, sua boca abriu-se algumas vezes, como se quisesse responder, mas nenhuma palavra saiu.

John levou as mãos a cadeira, a girou levemente duas vezes e teve o prazer de vê-lo se segurar em suas roupas temendo cair, visivelmente zonza, mas sorrindo. Quando seus olhos se encontraram, pode notar que ali havia apenas bondade, sua irmã de cabelos acinzentados poderia até ser um predador perigoso, mas Joan era apenas uma menininha indefesa.

Ao retornar à sala, Lyns observou a cena com perplexidade e então sorriu, não errara em seu julgamento a respeito de John, ele realmente poderia a ajudar. Aproximou-se dos dois cobriu o pequeno corpo da menina dentro de um jaleco qualquer que encontrara e nesse processo percebeu que apesar de franzina, ela possuía uma formação óssea perfeita.

 O olhar fixo de Joan no outro contêiner, chamou a atenção de John que acabou por voltar sua atenção para Raniya que mantinha as mãos espaçadas no vidro transparente, ainda estava preocupado com a irmã e pronta para protege-la. Nesse momento, lembrou-se do que Lyns dissera no dia anterior, ela era extremamente inteligente e não confiava neles, sem contar que possivelmente entendia seu idioma.

Alguns minutos se passaram e os sinais vitais da irmã predadora acalmaram-se, levando-a a um sono profundo. Apesar de já possuir consciência, ainda estava em formação e precisava dormir para harmonizar o caos que a injeção repentina de adrenalina causara em sua corrente sanguínea.

– É assustador, não! A voz de Lyns ecoou por suas costas, a fitou ali de pé com os braços cruzados e suspirou cansado. Ela estava certa, ainda sentia seus músculos tremendo levemente pela adrenalina que aos poucos perdia o efeito, havia sido uma situação completamente fora do habitual.

– Elas são irmãs? O soldado questionou, mudando de assunto. Seus olhos ainda fixos na menininha loira que, vez ou outra, olhava-os tentando entender o que se passava, mas ainda mantinha o silencio, fazendo-o questionar-se se ela os entendia.

– Tecnicamente não, mas receberam a mesma amostra de genética. – A doutora respondeu começando a examinar a loirinha que olhava todos os equipamentos médicos com curiosidade.

John a fitou por alguns instantes incomodado com sua resposta, perguntando-se os motivos da doutora para falar tão superficialmente a respeito dos detalhes do projeto, aos quais não teve acesso e que continuavam deixando-o insatisfeito. Mas não pode reclamar da situação pois, a doutora fez questão de o ocupar com outras questões.

– Pode pegar aquelas caixas por favor? Ela pediu apontando algumas caixas lacradas dentro de um armário que estava com as portas entreabertas.

– Então, quem as criou? John questionou retornando ao assunto enquanto fazia o que lhe foi pedido, pegando as duas caixas que pelo peso, imaginou possuir roupas e mantimentos para a pequena hibrida. – E porque não está mais trabalhando nesse projeto?

            Lyns o fitou por alguns instantes antes de suspirar colocando as mãos nos bolsos do jaleco, seus olhos negros fixaram-se nas portas metálicas certificando-se de que estavam fechadas e que outros soldados não poderiam ouvi-los, então virou-se para John e após certificar-se que Joan dormia, abriu uma porta metálica que ficava nos fundos da sala mostrando uma pequena área para fumantes onde não havia câmeras de segurança, sentou-se num pequeno banco de gesso e pediu que o soldado fizesse o mesmo.

– Foi afastado por causa dos gastos excessivos. Dos quarenta híbridos criados por ele, Joan e Raniya são as únicas restantes, mas apenas uma delas é perfeita. – Sua voz soava fria e parecia escolher cada palavras que usava. – Há muitas insinuações de coisas que ele fez sem o consentimento do governo.

– E você não confia neles... – John sussurrou, os olhos fixos nos dela e insinuou que sabia de suas intenções.

– Ora John, sejamos francos! Seria muita inocência achar que não destruirão minha carreira ou me matarão caso eu cometa algum erro. – A cientista resmungou cruzando as pernas e procurou algo nos bolsos.

– Diante disto... – Apontou o laboratório referindo-se a dezena de contêineres com corpos de espécimes mantidos em formol que ficavam na sala adjunta. – Que tipo de atrocidades ele fez?

– Há indícios de que tenha por exemplo, abusado dos espécimes... e mais, os primeiros eram machos, porque ele criaria fêmeas senão para reprodução? A doutora questionou enfim, encontrando o que procurava nos bolsos do jaleco, um maço de cigarros e um isqueiro prateado.

– E essas informações são confidencias. – John sussurrou aproximando mais o rosto, quase roçando os lábios nos dela. – Porque está me contando tudo isso?

– Sendo honesta, quero sua ajuda! Lyns explicou inclinando-se, mas sem quebrar o contato visual. Endireitou a postura e entreabriu os lábios sensualmente, o seduzindo. – Quero tirá-las daqui, esse lugar é um inferno, mas não posso fazer isso sozinha...

– Eu poderia te denunciar... – John insinuou com uma expressão séria, mas arfou ao sentir sua gravata ser puxada. Seus olhos se encontraram novamente e sem conseguir resistir, a beijou. Um beijo voraz, desejoso. Seus dedos emaranharam-se nos fios negos, soltando-os do coque e a puxou para mais perto, tentando fazê-la sentar-se em seu colo.

– Não se iluda, John! Lyns sussurrou, a boca úmida e avermelhada, soprando contra seus lábios quanto o beijo foi quebrado por falta de ar. Depois disso, ergueu-se ajeitando as roupas sociais e o fitou de cima. – Esse lugar é um inferno, e todos aqui tornam-se demônios. Planeje me trair e irei mata-lo certamente.

            A atração entre os dois era clara. John sentia isso em seu corpo, arrepiando seus pelos e entorpecendo-o. Fitou a doutora afastar-se e suspirou percebendo o estado em que ela havia deixado seu corpo, riu baixo e decidiu fazer algo para ocupar seus pensamentos. 

  

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