Adrien Lamartine
Ser um nerd tem o seu lado bom. Você termina os estudos mais cedo do que se possa imaginar, a ciência e o conhecimento estão sempre em suas mãos e as pessoas te veem com uma idealização de um bom negócio. Eu cresci no meio de uma família onde todos os seus integrantes se tornaram empresários da contabilidade ou administradores de um bom negócio. Confesso que estava indo pelo mesmo caminho, até completar os meus dezoito anos. Eu era o orgulho do meu avô paterno e do meu pai também, claro. A coisa desandou quando conheci a Margaritta, uma espanhola porreta, que me mostrou que a degustação dos alimentos pode ser uma arte. Eu agora tinha dois motivos para sair daquele caminho sério demais e que me trancaria em uma sala cheia de papéis e sem graça pelo resto da minha vida. A Margaritta era uma delas e a outra? Eu sou um cara desajeitado demais. Sério, sou atrapalhado, tropeço em tudo e por mais que eu acredite que estou seguro, acabo por derrubar tudo a minha volta. Acredite, não é de propósito. Vamos ao lado ruim de ser um nerd. Você fica muito tempo com a cara enfiada nos livros, então, enquanto o meu irmão mais velho estava debaixo da saia de alguma garota, eu estudava pra caralho. Com dezoito anos eu sequer havia beijado uma garota ainda e sair com os amigos, só se fosse para estudar para alguma prova ou jogar pôquer. Porra, eu sou muito bom nesse jogo! O fato é que aos vinte e três anos segurei o meu primeiro diploma em minhas mãos e depois desse, conquistei mais dois e no meio deles, veio a especialização em gastronomia. Aquele mundo dos perfumes e das cores dos alimentos me fascinava e desde então, assumi que não seria mais um empresário da família Lamartine, eu seria um mega chef e passaria os meus conhecimentos para as pessoas apaixonadas por esse universo.
Estacionei meu carro no enorme pátio da universidade, encarei o prédio imponente a minha frente e abri um sorriso largo e satisfeito, observando ao longe os alunos se espalhando pelo enorme gramado. E saber que cada cabecinha daquela expressa um mundo diferente. Tá! É o meu primeiro dia aqui e eu realmente preciso impressionar, a final, eu sou o professor, certo? O mestre dos conhecimentos. Com uma respiração profunda e satisfeito, abro a porta traseira do meu carro e pego a minha pasta preta de couro, alguns livros e alguns papéis. Ajeito tudo com muito cuidado em meus braços e travo o carro em seguida, e começo a caminhar com passos firmes e confiantes. É exatamente assim que quero impor a minha presença neste lugar. Dentro do prédio, sou absorvido pelo enorme e largo corredor cheio de estudantes e alguns deles aparentemente tem quase a minha idade. É incrível como me olham como se eu fosse um aluno novato. É, eu sei exatamente como se olha para um aluno novato. “E que se foda, eu sou o professor de vocês!”
— Oh, você chegou! — Uma senhora de aparentemente trinta anos diz, abrindo um sorriso para mim. _ Eu sou a Mirela, aceita um cafezinho, professor?
— Ah, claro, Mirela, eu aceito! Eu sou o…
— Venha, é por aqui. — Ela pede, sem esperar que eu terminasse a minha devida apresentação. Pensei que os franceses fossem pessoas mais calmas. Sigo Mirela pelo corredor me sentindo sobrecarregado com os meus materiais. Ela entra em uma porta larga e lá dentro tem outras pessoas conversando animadas, provavelmente os outros professores.
— Essa é a cafeteira, ela produz o seu café do seu jeito, é só apertar o botão, assim... — Estreitei os olhos. É impressão minha, ou ela está me ensinando a fazer o meu próprio café? Dou de ombros e sem soltar o meu material, dou um jeito de pôr o copo na base da cafeteira e aperto o botão do expresso. Enquanto a cafeteria faz o seu trabalho, observo os funcionários espalhados pela sala, que eu acho que seria a copa, mas eu não tenho tanta certeza assim. O café fica pronto e antes mesmo que eu consiga dá um gole nele, Mirela b**e palmas chamando a atenção de todos para si.
— Queridos, hora de ir para a sala de aula e por favor, não se esqueçam que teremos uma reunião de apresentação no auditório com os alunos e todo o corpo docente. Uma maneira de nos conhecermos melhor. — A mulher abre um sorriso agradável e nos mostra a porta de saída. Ok, eu já trabalhei em uma outras faculdades antes e não sei se é impressão minha, mas essa aqui tem um time peculiar, se é que vocês me entendem.
Merda, agora estou ainda mais sobrecarregado, pois, além de estar segurando a maleta de couro em uma mão e de os papéis estarem apoiados no outro braço, na mesma mão em que estou segurando os meus livros, agora também tem uma xícara de café e, eu realmente preciso ver o meu itinerário e o mapa da faculdade para saber para onde devo ir. Olho para um lado e depois para o outro a procura de alguém que possa me ajudar, porém, todos estão andando apressados feito um bando de malucos a procura da sala de aula. Eu consigo, com um jeitinho eu sei que consi… ah, consegui, viu? Não foi tão difícil assim tirar o itinerário do meu bolso traseiro. Enquanto ando apressado pelo imenso corredor, porque o sinal já havia tocado tem uns cinco minutos, olhei atento para o mapa que me levaria a minha sala. Essa é a vantagem de trabalhar para essa faculdade; eu tenho uma sala só minha e são os alunos que vem à mim e não eu a eles. Mas essa porra toda parece um labirinto e quanto mais eu olho para o maldito mapa, mais perdido eu me sinto.
— Merda! — Uma voz feminina me faz tirar os olhos do papel e eu fui imediatamente agraciado pela mais bela visão. É impossível não olhá-la com admiração. Sua pele de pêssego, seus lábios rosados e carnudos, e imagino que sejam suculentos também, como a polpa de um delicioso pêssego. E seus cabelos sedosos e brilhantes, que dá vontade de tocá-los? Ela deixou seus cadernos caírem e está atenta aos materiais no chão. Uhlala! Como pode ser tão linda assim? No segundo seguinte, eu perco totalmente a noção dos materiais que segurava em minhas mãos e me agacho para tentar ajudá-la. — Mais que merda você fez?! — Ela praticamente berra irritada, quando o meu café se derrama inteiro em seus cadernos. Um par de olhos cor de mel me encaram furiosos e isso por incrível que pareça, não me deixa acuado. Ela é linda até mesmo com raiva! Mon Dieu, je suis ravi, estou apaixonado! Eu não devia, mas estou. — Idiota! — Desperto quando escuto os seus resmungos. Ela se levanta segurando os cadernos molhados nas mãos e sai me dando as costas. E eu fico aqui parado feito um bobo, apenas olhando a menina se distanciar de mim.
— Professor, por que ainda não iniciou as suas aulas?! — A voz alta de Mirela me faz dá um salto desesperado, e eu caio sentado no chão, em uma chuva de papéis que caí sobre minha cabeça. Alguns alunos a nossa volta começam a rir da cena e eu bufo desanimado. “Não foi assim que imaginei o meu primeiro dia de trabalho!”
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— Bom dia, alunos! Eu me chamo Adrien Lamartine e sou o professor de gastronomia de vocês. — Começo a falar assim que entro na sala de aula. Claro, que entrei um pouco desajeitado. Os papéis que antes estavam bem arrumados, agora estavam uma bagunça total e no meu tumulto, mal pude olhar para os meus alunos, mas uma engraçadinha me chamou a atenção.
— Uau, professor gatinho! — A garota praticamente cantou a exclamação. Confesso que me senti constrangido, a final, não sei se perceberam, mas eu também sou tímido e lidar com as mulheres não é a coisa mais fácil do mundo. Não para mim. Porém não demostrei o meu constrangimento para a aluna audaciosa, eu encarei a menina — que se diga de passagem deve ter seus vinte anos — com um olhar rígido, no entanto, ela sorriu, mordendo o lábio inferior. Com um suspiro, fui até o quadro e comecei a escrever.
— A partir de hoje vocês vão respirar as regras dos alimentos. Se não tem uma harmonia, não tem um prato perfeito, portanto, não haverá uma arte gastronômica.
— Com licença! — Uma voz feminina sibila atrás de mim, bem na entrada da sala. O olhar irritado da pesseguinho, agora parecia meio sem jeito. — Será que eu posso? — indaga, apontando para o interior da sala de aula. Eu a olho sem dizer nada e o meu lado interno parecia me dá uma boa bofetada na minha cara. “Fala alguma coisa, Adrien!” Ele ordenou, mas eu estava suando feito um porco defumado e não consegui dizer nada. “Que merda de professor você vai ser se estancar na frente da sua aluna?”
Porra, ela é minha aluna! “Fica longe dela Lamartine!”
— Pode — Finalmente falei, com um tom firme que eu nem eu mesmo reconheci. — Da próxima vez tente chegar no horário. — Caralho, o que foi isso seu estupido?
— Eu teria, se um destrambelhado não tivesse derramado café nos meus cadernos! — rebateu no mesmo tom que acabei de usar, e eu senti que virei um completo tomate vermelho. Puxo mais uma respiração e vou até a minha mesa, ignorando o seu comentário sarcástico.
— Abram os seus livros na página 37. Vamos ver a origem de alguns alimentos. — peço, tirando o lenço de linho branco do bolso do meu casaco e passo rapidamente em minha testa, secando o suor que começa a escorrer pela lateral do meu rosto. Alguns alunos encararam os seus livros e eu aproveito para olhá-la mais uma vez. Ela está concentrada, e uma mecha loira escura escapa do coque frouxo e cai sobre o seu rosto, formando um lindo quadro.
Pesseguinho!
Mas que merda Lamartine!
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Vocabulário;
Mon Dieu, je suis ravi! – Santo Deus, estou encantado!
Kelly Um dia perfeito, sem atrasos, sem correria, sem estresses... A não ser pelo itinerário que está me deixando meio que perdida aqui. Seguindo o mapa da faculdade, que mais parece um labirinto, entro no terceiro corredor movimentado de alunos e agora eu só preciso descobrir qual a sala que devo entrar. Abro o mapa mais uma vez e enquanto ando em linha reta, procuro pela sala azul, no bloco B, e quando ergo a cabeça a encontro bem no meio do corredor. Satisfeita, dou dois passos na direção da sala e tento sem sucesso guardar o mapa no meu bolso traseiro, e para a minha infelicidade, alguns cadernos caem no chão.— Merda! — xingo impaciente e me agacho para arrumá-los junto aos outros materiais. Logo encaro um belo par de sapatos lustrosos parados bem na minha frente. Penso em olhar quem quer que seja, mas antes que eu consiga fazer tal coisa, um líquido escuro e quente molha os meus cadernos, que ainda estão espalhados pelo chão. Meu sangue ferve imediatamente. — Mas, que merda voc
Kelly— O que você quer de mim, professor Adrien? — Tento não ser ríspida com ele. Ele dá de ombros.— Um pedido de desculpas. Nós começamos esse relacionamento errado. — Hein?!— Relacionamento, que relacionamento? — O corto outra vez. Ele cora literalmente e balbucia qualquer coisa sem fazer som. Parece nervoso.— Es... esse — gagueja apontando dele para mim. Eu me encosto na cadeira e cruzo os meus braços, ainda perdida na palavra "relacionamento". — Professor/ aluna. — explica e só então ele consegue respirar. — Sem falar que é muita falta de educação sua, senhorita Ferraço! — Continua me encarando com repreensão e mais firme dessa vez. — Nós franceses gostamos de agradar as pessoas, somos pessoas adoráveis e você, deveria saber disso. — Arqueio as sobrancelhas. — Além do mais, como havia dito antes, gostaria me desculpar pelo acidente que causei em seus cadernos, não custa nada aceitar o meu pedido de desculpas! — bufo de modo audível.— Se eu aceitar o seu pedido de desculpas, o
Kelly Na manhã seguinte eu estava quebrada. Elevei os braços e estiquei a coluna, sentindo os meus ossos estralar no mesmo instante. Entrei no banheiro e tomei um banho demorado para despertar e quando saí do banho, pus uma roupa confortável, pois ainda era cedo para ir à faculdade. Na cozinha, preparei uma porção de waffes, com uma fina camada de geleia de cereja e um bom café. Me sentei à mesa e encarei o meu prato, montado com muito esmero por mim, mas havia perdido a fome. Decidi que só o café me bastava e olhei pela janela, admirando a mais bela escultura que só a grande Paris podia me oferecer, a Torre Eiffel. Tomei um delicioso gole do café e só parei quando escutei os sons das vozes animadas no corredor do prédio. Pensei em bisbilhotá-los, ver a cara do jovem casal que se mudou para o apartamento em frente ao meu a poucos dias, mas desisti. Não é da minha conta. Me levantei da cadeira e peguei a refeição recém feita e ainda quentinha e pus em um recipiente de isopor, o envo
Kelly— Alguém aqui já esteve no Hawaii e viram aquelas belas havaianas lindas, dançando e fazendo aqueles movimentos graciosos, enquanto bebia uma água de coco gelada? — perguntou, disfarçando o seu incômodo com o oferecimento da aluna. Alguns alunos fizeram um não com a cabeça. Eu revirei os olhos. — Você, Ferraço? — Ele apontou para mim, me fazendo ajeitar o meu corpo na cadeira e engolir em seco. — Já comeu uma bela salada havaiana, servida dentro de um abacaxi, ou em uma enorme palha de palmeiras? — Olhei para os alunos, que aguardam a minha resposta e respirei fundo.— Não, eu… nunca estive no Hawaii — respondi com a voz falha. Adrien parecia satisfeito com a minha resposta. Ele sorriu e logo se pôs a interagir com os outros alunos. Minutos depois a sala de aula virou uma zona; uma vitrola antiga começou a tocar um tipo de hula e o professor pediu que os alunos dançassem a música. A pergunta é, o que toda essa merda tem a ver com a gastronomia?— Entrem no clima havaiano crianç
Adrien Estou ficando sem estratégias. Há algo na minha pêche que me faz sentir a necessidade de cuidar dela. Algo que a faz deixar bem claro de que não precisa de mim, mas no fundo eu sei que ela precisa. Há algo nela que me faz ser diferente e por incrível que pareça, eu me sinto mais desafiador perto dela, o que não é o meu normal. A parte ruim é que eu não consigo me aproximar da mulher sem fazer algum tipo de sujeira, sem irritá-la e isso me irrita também, porque eu quero uma aproximação com essa garota.— Quê, que isso? — Anne perguntou quando entrou em meu quarto e encarou as vestimentas nada singelas em meu corpo. Anne Lambertini é a minha irmã caçula, ela tem quase dezenove anos e assim como eu, fugiu um pouco do sistema da família Lamartine. Nossa família não é muito de aceitar certas decisões que sejam contrárias aos seus ideais. Pelo menos não da parte das mulheres e a Anne paga um preço muito alto por isso. Ela está passando alguns dias aqui em minha casa, por causa da ú
Adrien— Professor, você está simplesmente comestível essa manhã. — Melanie comentou de uma forma irreverente e maliciosa e me lançou um sorriso cheio de insinuações. Perdi toda a minha pose na mesma hora e senti o meu rosto queimar.— Que tal… focarmos… em nossa aula? — gaguejei e meio sem graça, puxei a respiração para tentar me recompor. Não culpo a minha aluna, se alguém da direção da faculdade me pagasse vestido assim, seria capaz de ser suspenso.Ah, l'amour! L'amour! L'amour!— Então professor, qual é a finalidade da fantasia? — Herbert perguntou e eu despertei dos meus devaneios. Tenho feito muito isso desde que ela surgiu na minha frente. Então algo me chamou a atenção. Eu inclinei a cabeça levemente para um lado e depois para o outro, olhando a Melanie praticamente debruçada em sua cadeira e uma bunda bem redonda, vestida em um jeans apertado, empinado de uma forma oferecida demais para o meu gosto. Ela não vê que isso é ridículo demais até mesmo para ela? Balancei a cabeça,
Kelly Alguns dias...— Olha vocês, estão tão lindos! — disse emocionada quando vi o casal de gêmeos do tio Petrus e da tia Simone na chama de vídeo. Todos estavam reunidos na sala dos meus pais, para fazer essa chamada. A Carolina com o seu namorado e a Naty com o dela. E pensar que papai e tio Oliver quase enfartaram quando as meninas apresentaram os meninos em um churrasco em família. E não pensem que foi tão fácil quanto foi comigo e o Felipe. Yan e Noah sabem o preço que pagaram com esses dois. Mas agora está tudo bem e o namoro deles já tem quase seis meses. Quantos aos gêmeos, isso sim, foi uma grande surpresa para todos, inclusive para os pais que estavam começando a organizar as suas vidas. Dimitri e Ives vieram de uma forma inesperada e prematura e se tornaram o xodó de todos na família. Cinco anos depois, tio Petrus e tia Simone conseguiram se firmar com a agência de segurança que tanto queriam e depois de tudo o que aconteceu, estou feliz que finalmente eles conseguiram ve
Kelly— Café au lait, s’il vous plaît! — pedi assim que me aproximei do balcão. Uma moça, usando um tipo de uniforme marrom escuro, com a logo da loja me sorriu.— Vous voulez un autre chose? — Ela perguntou me fazendo olhar com gana para o balcão de prateleiras de vidro, que exibia lindas tortas, alguns croissants de vários sabores e rosquinhas que chegavam a dá água na boca. Acima do balcão havia alguns cestos de pães, de vários formatos e tamanhos, além de uma enorme e redonda bomboniere, exibindo alguns macarrones coloridos. O cheiro era convidativo e atraente. Puxei a respiração sem saber ao certo o que pedir.— Deux beignets, s'il vous plait! — Conclui o meu pedido.— Oui. — Eu assenti e escolhi uma mesa perto de uma das janelas, e enquanto aguardava o meu pedido, peguei o meu celular e enviei uma mensagem para Marina. Acordada? Fiquei olhando para a tela, aguardando que ela visualizasse e dissesse algo, mas ela não fez. Estou me sentindo especialmente só essa manhã e preciso