Kelly
— O que você quer de mim, professor Adrien? — Tento não ser ríspida com ele. Ele dá de ombros.
— Um pedido de desculpas. Nós começamos esse relacionamento errado. — Hein?!
— Relacionamento, que relacionamento? — O corto outra vez. Ele cora literalmente e balbucia qualquer coisa sem fazer som. Parece nervoso.
— Es... esse — gagueja apontando dele para mim. Eu me encosto na cadeira e cruzo os meus braços, ainda perdida na palavra "relacionamento". — Professor/ aluna. — explica e só então ele consegue respirar. — Sem falar que é muita falta de educação sua, senhorita Ferraço! — Continua me encarando com repreensão e mais firme dessa vez. — Nós franceses gostamos de agradar as pessoas, somos pessoas adoráveis e você, deveria saber disso. — Arqueio as sobrancelhas. — Além do mais, como havia dito antes, gostaria me desculpar pelo acidente que causei em seus cadernos, não custa nada aceitar o meu pedido de desculpas! — bufo de modo audível.
— Se eu aceitar o seu pedido de desculpas, o senhor vai embora? — Agora ele arqueia as sobrancelhas loiras e em resposta, puxa uma cadeira para se sentar, sem nenhum convite, ficando de frente para mim.
— Mon Dieu, senhor é um termo muito velho, e eu nem sou tão velho assim. Quantos anos você tem? — Me ajeito na cadeira e me inclino um pouco, me aproximando da mesa e o encaro irritada.
— Não te interessa! E quer saber? Fica com essa mesa, com a torta, as batatas, não me importa! — Fico de pé imediatamente e começo a recolher as minhas coisas, saindo da lanchonete sem me preocupar com a sua reação, ou ouvir as suas idiotices. Mas que merda! Será que ele não vê que não quero saber de nada? Não quero a sua companhia, não quero conversar com ele e tão pouco um amigo. Eu preciso ficar sozinha com o meu passado, com o meu fracasso e com as minhas dores. Vou direto para o campus, para a próxima aula, que agradeço a Deus não ser desse professor pegajoso.
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A sala de aula está praticamente vazia, pois, ainda temos mais vinte minutos até a próxima aula. Aproveito para abrir a primeira página do meu caderno e encontro nela a foto do Lipe, a única que sobrou, pois, os meus pais confiscaram todas na tentativa de amenizar o meu sofrimento. O que eles não sabem é que a minha dor não estava naquelas imagens e sim, dentro de mim. Perdida em lembranças, deslizo o meu indicador no seu sorriso lindo e as suas palavras doces imediatamente ecoaram dentro de mim.
— Achei isso aqui — Ele ergueu um colar de pérolas e me sorriu. — Posso pôr em você, senhorita? — Meu sorriso se alargou.
— Sim, por favor! — falei, afastando os meus cabelos para o lado e ele pôs o colar no meu pescoço. Lipe me olhou deslumbrado por um tempo.
— Ficou lindo em você! — sussurrou e já não estava brincando como antes. Nossos olhos se encontraram e se fixaram um no outro. Meu sorriso aos poucos foi se apagando e o dele também. Lipe segurou os meus ombros e me virou de frente pra ele. — Não me leve a mal, Kelly — sussurrou, erguendo sua mão e com ela acariciou o meu rosto. — Não estou querendo me aproveitar desse momento que estamos sozinhos aqui, mas...
— O quê? — perguntei com um som baixo demais. Ele deu mais um passo em minha direção e agora estávamos tão próximos um do outro.
— Eu quero... quer dizer, eu posso... te beijar?
(...)
— Bom dia! — Uma senhora entra na sala, me despertando de mais um sonho acordado e eu fecho o caderno, escondendo a imagem do amor da minha vida, sentindo o meu peito amargurado e cheio de saudades. Deus, se eu pudesse voltar no tempo. Se eu não tivesse saído da sua festa naquela noite. Se... são tantos sis, tantos arrependimentos. — Eu sou a professora Lettiê François e na aula de hoje vamos aprender sobre segurança no trabalho. Alguém aqui tem ideia de quantos acidentes podem acontecer em uma cozinha por causa de uma breve distração? — A aula não era atrativa, e confesso que algumas vezes me distrai com momentos que não conseguia apagar da minha mente. Essas lembranças é o que me mantém viva e ativa, e ao mesmo tempo elas me machucam também. No final da tarde, estou de volta ao apartamento e confesso que estou emocionalmente e fisicamente cansada, louca por uma ducha quente e uma cama macia.
***
Quando termino o meu jantar, me esforço para limpar os pratos e deixar a cozinha arrumada. Meu pai sempre me ensinou que um bom chef sempre mantém tudo em seus devidos lugares e eu sei que aprendi com o melhor. Sigo para o meu quarto praticamente me arrastando e quando finalmente chego a cama, ainda encontro forças para estudar e recapitular as aulas de hoje. Já é quase meia-noite quando apago a luz do abajur e ponho a minha máscara, para enfim ter mais uma noite de sonhos. Me viro para o lado e ajeito o lençol, cobrindo o meu corpo e finalmente posso relaxar, e foi aí que tudo aconteceu.
“Mas que porra é essa?”
Indago internamente enquanto retiro a máscara e encaro a escuridão do meu quarto, me sentando em seguida por causa do maldito som alto ecoando uma música francesa, praticamente dentro do meu quarto. Quem é o louco, ou a louca que está ouvindo música a uma hora dessas? Pulo para fora da cama e saio do meu quarto a passos largos, quase que atropelando os móveis a minha frente. Visto um casaco de tecido fino sobre o meu pijama de ceda, amarro pela cintura e vou até a porta. No entanto, quando chego a estender uma mão na maçaneta, a música simplesmente para e uma sequência de risadas femininas ecoa alto no apartamento em frente ao meu. Respiro fundo, muito fundo.
— Ah, j’adore cette chanson! Laisse la musique jouer. — A voz feminina diz manhosa, quase em uma súplica e depois volta a rir.
— Non chérie, il est tard. — Uma voz grossa e masculina responde com um tom doce e carinhoso.
— Je t'aime! — Ela sussurra.
— Je t'aime aussi! — Porra! Me afasto lentamente da porta, me sentindo arrasada e seguro as lágrimas. Volto para o meu quarto e me jogo na cama. A música volta a tocar, mas dessa vez com um tom mais baixo e suave, e é possível escutar os cochichos e as risadinhas dos dois através da parede. Sorri por dentro. Sei bem o que é estar apaixonada e eu jamais estragaria isso entre eles. O barulho do casal dura pouco tempo e a música foi desligada já na metade, mas o sono não veio mais. O cansaço e a fadiga não me abandonaram e mesmo assim, eu vi mais um dia amanhecer na grande Paris.
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Vocabulário;
Mon Dieu – Meu Deus
j’adore cette chanson! Laisse la musique jouer – Eu adoro essa música! Deixa tocar.
Non chérie, il est tard – Não, querida. Já está tarde.
Je t'aime! _ Eu te amo!
Je t'aime aussi! _ Eu te amo mais!
Kelly Na manhã seguinte eu estava quebrada. Elevei os braços e estiquei a coluna, sentindo os meus ossos estralar no mesmo instante. Entrei no banheiro e tomei um banho demorado para despertar e quando saí do banho, pus uma roupa confortável, pois ainda era cedo para ir à faculdade. Na cozinha, preparei uma porção de waffes, com uma fina camada de geleia de cereja e um bom café. Me sentei à mesa e encarei o meu prato, montado com muito esmero por mim, mas havia perdido a fome. Decidi que só o café me bastava e olhei pela janela, admirando a mais bela escultura que só a grande Paris podia me oferecer, a Torre Eiffel. Tomei um delicioso gole do café e só parei quando escutei os sons das vozes animadas no corredor do prédio. Pensei em bisbilhotá-los, ver a cara do jovem casal que se mudou para o apartamento em frente ao meu a poucos dias, mas desisti. Não é da minha conta. Me levantei da cadeira e peguei a refeição recém feita e ainda quentinha e pus em um recipiente de isopor, o envo
Kelly— Alguém aqui já esteve no Hawaii e viram aquelas belas havaianas lindas, dançando e fazendo aqueles movimentos graciosos, enquanto bebia uma água de coco gelada? — perguntou, disfarçando o seu incômodo com o oferecimento da aluna. Alguns alunos fizeram um não com a cabeça. Eu revirei os olhos. — Você, Ferraço? — Ele apontou para mim, me fazendo ajeitar o meu corpo na cadeira e engolir em seco. — Já comeu uma bela salada havaiana, servida dentro de um abacaxi, ou em uma enorme palha de palmeiras? — Olhei para os alunos, que aguardam a minha resposta e respirei fundo.— Não, eu… nunca estive no Hawaii — respondi com a voz falha. Adrien parecia satisfeito com a minha resposta. Ele sorriu e logo se pôs a interagir com os outros alunos. Minutos depois a sala de aula virou uma zona; uma vitrola antiga começou a tocar um tipo de hula e o professor pediu que os alunos dançassem a música. A pergunta é, o que toda essa merda tem a ver com a gastronomia?— Entrem no clima havaiano crianç
Adrien Estou ficando sem estratégias. Há algo na minha pêche que me faz sentir a necessidade de cuidar dela. Algo que a faz deixar bem claro de que não precisa de mim, mas no fundo eu sei que ela precisa. Há algo nela que me faz ser diferente e por incrível que pareça, eu me sinto mais desafiador perto dela, o que não é o meu normal. A parte ruim é que eu não consigo me aproximar da mulher sem fazer algum tipo de sujeira, sem irritá-la e isso me irrita também, porque eu quero uma aproximação com essa garota.— Quê, que isso? — Anne perguntou quando entrou em meu quarto e encarou as vestimentas nada singelas em meu corpo. Anne Lambertini é a minha irmã caçula, ela tem quase dezenove anos e assim como eu, fugiu um pouco do sistema da família Lamartine. Nossa família não é muito de aceitar certas decisões que sejam contrárias aos seus ideais. Pelo menos não da parte das mulheres e a Anne paga um preço muito alto por isso. Ela está passando alguns dias aqui em minha casa, por causa da ú
Adrien— Professor, você está simplesmente comestível essa manhã. — Melanie comentou de uma forma irreverente e maliciosa e me lançou um sorriso cheio de insinuações. Perdi toda a minha pose na mesma hora e senti o meu rosto queimar.— Que tal… focarmos… em nossa aula? — gaguejei e meio sem graça, puxei a respiração para tentar me recompor. Não culpo a minha aluna, se alguém da direção da faculdade me pagasse vestido assim, seria capaz de ser suspenso.Ah, l'amour! L'amour! L'amour!— Então professor, qual é a finalidade da fantasia? — Herbert perguntou e eu despertei dos meus devaneios. Tenho feito muito isso desde que ela surgiu na minha frente. Então algo me chamou a atenção. Eu inclinei a cabeça levemente para um lado e depois para o outro, olhando a Melanie praticamente debruçada em sua cadeira e uma bunda bem redonda, vestida em um jeans apertado, empinado de uma forma oferecida demais para o meu gosto. Ela não vê que isso é ridículo demais até mesmo para ela? Balancei a cabeça,
Kelly Alguns dias...— Olha vocês, estão tão lindos! — disse emocionada quando vi o casal de gêmeos do tio Petrus e da tia Simone na chama de vídeo. Todos estavam reunidos na sala dos meus pais, para fazer essa chamada. A Carolina com o seu namorado e a Naty com o dela. E pensar que papai e tio Oliver quase enfartaram quando as meninas apresentaram os meninos em um churrasco em família. E não pensem que foi tão fácil quanto foi comigo e o Felipe. Yan e Noah sabem o preço que pagaram com esses dois. Mas agora está tudo bem e o namoro deles já tem quase seis meses. Quantos aos gêmeos, isso sim, foi uma grande surpresa para todos, inclusive para os pais que estavam começando a organizar as suas vidas. Dimitri e Ives vieram de uma forma inesperada e prematura e se tornaram o xodó de todos na família. Cinco anos depois, tio Petrus e tia Simone conseguiram se firmar com a agência de segurança que tanto queriam e depois de tudo o que aconteceu, estou feliz que finalmente eles conseguiram ve
Kelly— Café au lait, s’il vous plaît! — pedi assim que me aproximei do balcão. Uma moça, usando um tipo de uniforme marrom escuro, com a logo da loja me sorriu.— Vous voulez un autre chose? — Ela perguntou me fazendo olhar com gana para o balcão de prateleiras de vidro, que exibia lindas tortas, alguns croissants de vários sabores e rosquinhas que chegavam a dá água na boca. Acima do balcão havia alguns cestos de pães, de vários formatos e tamanhos, além de uma enorme e redonda bomboniere, exibindo alguns macarrones coloridos. O cheiro era convidativo e atraente. Puxei a respiração sem saber ao certo o que pedir.— Deux beignets, s'il vous plait! — Conclui o meu pedido.— Oui. — Eu assenti e escolhi uma mesa perto de uma das janelas, e enquanto aguardava o meu pedido, peguei o meu celular e enviei uma mensagem para Marina. Acordada? Fiquei olhando para a tela, aguardando que ela visualizasse e dissesse algo, mas ela não fez. Estou me sentindo especialmente só essa manhã e preciso
Adrien Noite mal dormida é uma merda mesmo! Ter que esperar a Anne chegar de um encontro entre amigos e saber que ela chegou bem e que não causou nenhum acidente por aí, me tirou o sono. A danada sequer voltou para casa e nem se deu ao trabalho de dar um telefonema. Tive que passar o sábado procurando a garota em hospitais, delegacias e nada. Até me lembrar do tal taxista e encontrá-la ainda dormindo em sua cama. É claro que eu perdi a paciência e disse poucas e boas para os dois, além de acertar a cara do infeliz e como recordação de um sábado desastroso, passei o final do sábado com o punho inchado e com uma bela compressa de gelo. A danada preferiu ficar e cuidar do namorado. Mas nem tudo estava perdido. A noite sem sono me fez pensar em algo que eu nunca ousei fazer na minha vida profissional e eu realmente espero que seja mais uma tática e que dessa vez dê certo, porque a última foi um fracasso total. E é exatamente por isso estou em plena segunda feira, com a minha sala de vi
AdrienAs horas seguintes se passaram na maior cozinha para chefs da faculdade, equipada com toda sorte de eletrodomésticos possíveis, fornos e fogões de alta qualidade, além de enormes balcões de aço e utensílios de vários tamanhos e funções. Os alunos participantes foram separados por bancadas e todos tinham liberdade de pegar os ingredientes que quisessem. O tempo todo eu estava apreensivo, olhando disfarçadamente para uma Kelly empenhada em fazer a sua parte. Confesso que a minha preocupação não era que ela chegasse ao tal buffet e sim a minha ilha particular. Egoísmo da minha parte? É, eu sei que sim, mas não consigo evitar. O sinal tocou, avisando que o tempo dos alunos havia acabado e todos se afastam das suas bancadas como foram orientados. E agora eles são chamados um a um para apresentar os seus deliciosos projetos, enquanto os jurados e inclusive eu, anotamos em algumas fichas a pontuação de cada um deles. Meu peito inflou ao saber que a minha aluna alvo passou com mérito e