Kelly
Na manhã seguinte eu estava quebrada. Elevei os braços e estiquei a coluna, sentindo os meus ossos estralar no mesmo instante. Entrei no banheiro e tomei um banho demorado para despertar e quando saí do banho, pus uma roupa confortável, pois ainda era cedo para ir à faculdade. Na cozinha, preparei uma porção de waffes, com uma fina camada de geleia de cereja e um bom café. Me sentei à mesa e encarei o meu prato, montado com muito esmero por mim, mas havia perdido a fome. Decidi que só o café me bastava e olhei pela janela, admirando a mais bela escultura que só a grande Paris podia me oferecer, a Torre Eiffel. Tomei um delicioso gole do café e só parei quando escutei os sons das vozes animadas no corredor do prédio. Pensei em bisbilhotá-los, ver a cara do jovem casal que se mudou para o apartamento em frente ao meu a poucos dias, mas desisti. Não é da minha conta. Me levantei da cadeira e peguei a refeição recém feita e ainda quentinha e pus em um recipiente de isopor, o envolvendo com uma camada de plástico filme, depois o coloquei dentro da minha bolsa. Voltei para o meu quarto me sentindo desanimada. A Maah tinha razão, eu preciso sair um pouco ou eu vou enlouquecer aqui sozinha. Escolhi uma saia xadrez, com cintura alta, com tons de vermelho e preto e de pregas largas, que vão até a altura dos joelhos, vesti uma blusa de bouclê rosado, sem mangas e por cima dela, pus um casaco de lã bege e para finalizar, escolhi uma bota de cano curto preta. Optei por deixar meus cabelos soltos hoje e fiz uma maquiagem que deixou o meu rosto o mais natural possível. A ideia era cobrir as malditas olheiras. Puxei a respiração e apreciei a imagem da linda e sofisticada garota no reflexo do espelho. Não vi nada ali, além de uma falsa aparência e me perguntei, a quem eu queria enganar?
Saí de casa perto das sete da manhã, pronta para mais um dia de sobrevivência. As oito em ponto, começaram as aulas e foi aí que eu me senti mais leve e de longe me parecia com a antiga Kelly. Aquela que tinha um objetivo, um sonho e que não via a hora de essas aulas chegarem na parte que eu mais amava. A teoria é boa, mas a prática é ainda melhor! No laboratório, me apaixonei em poder conhecer os alimentos de uma forma nunca vista por mim antes. Suas células, suas fibras, suas cores, e foi aí que fez sentido as misturas dos sabores. Sorri ao ver como uma batata sem graça, se tornou divertida através de um simples microscópio. Respirei fundo e comecei a fazer algumas anotações e quando o final do primeiro período acabou, decidi não ir para lanchonete hoje. Então me acomodei em um dos bancos de concreto, pintado de branco, bem debaixo de um sombreiro e comi os waffes frios e murchos que trouxe na mochila. Procurei manter a minha mente vazia e automaticamente me senti culpada. Não posso simplesmente ignorá-lo ou esquecê-lo. Olhei o campus ao meu redor e pensei que o Lipe amaria esse lugar. É simplesmente lindo! O imenso gramado verdejante, os arbustos podados com formatos arredondados, as árvores de troncos largos e de folhas avermelhadas ou rosadas. Os bancos pintados de branco, dão um contraste harmonioso no meio de toda essa beleza natural. O lugar apesar de ter alguns estudantes conversando e rindo, ou até mesmo brincando com algum tipo de disco, tem o seu silêncio aconchegante. Olhei o relógio e descobri que divaguei demais e que preciso voltar às aulas. Guardei o que sobrou do meu lanche dentro da bolsa e logo ajeitei a mesma em meu ombro, indo às pressas para a sala, e assim que cheguei, ocupei o meu lugar, esperando o início da próxima aula. O falatório dos alunos e um rádio tocando alguma música que eu não conhecia me distraiu um pouco, e quando escutei os sons das risadas escandalosas e altas dos alunos, parei para olhar para a porta e ver o que está acontecendo. Para minha surpresa, o professor de gastronomia adentrou a sala usando apenas uma típica saia havaiana, com tirinhas de palhas e nos peitos malhados e com poucos pelos, havia… duas quengas de coco? Meu Deus, é impossível não rir! O cara está estupidamente ridículo.
— Bom dia alunos! Estou vendo que gostaram do meu look de hoje. Mas saibam que essa roupa tem uma finalidade específica. — Ele falou, fazendo graça e por um instante os seus olhos vieram para mim e ele abriu um sorriso satisfeito. — Ora, ora, valeu muito a pena pagar esse mico, ganhei um belo sorriso! — cantarolou e por algum motivo senti raiva dele. O que ele quer, chamar a atenção dos outros para mim? — Ah, não faz isso, ele é tão lindo! — Professor Adrien sibilou decepcionado. “Ai que vontade de mandar esse idiota se ferrar!” Mas ao invés disso eu voltei a me sentar em minha cadeira e ignorei os seus comentários.
— Professor, você está simplesmente comestível essa manhã. — Uma aluna disse de uma forma impulsiva, quase se jogando em cima do homem. Oferecida! Rosnei mentalmente e sem entender o porquê de estar enfurecida com a garota. Vi o professor ficar vermelho na mesma hora e praticamente se engasgar com as palavras não ditas. O que ele queria? Está praticamente nu, mostrando as coxas ligeiramente malhadas e peludas, além do que, a saia não esconde os poucos pelos galegos que se enramam do peito até o V, que praticamente parece nos cóses de palha. As tiras da saia mostram a cueca branca que está usando, praticamente desenhando o bumbum e não deixando muito para a imaginação. Não com riqueza de detalhes, mas ela está lá. E para piorar, ele deixou as madechas loiras amarradas em um rabo de cavalo, mostrando cada detalhe do rosto quadrado, envolvido por uma barba rala e loira. “Um tesão!” Merda, tesão não! Um… ah, não importa, é obsceno e pronto!
— Então professor, qual é a finalidade dessa fantasia? — Um aluno perguntou e a garota se inclinou sobre a sua cadeira, empinando a bunda, praticamente comendo o professor com os olhos.
Kelly— Alguém aqui já esteve no Hawaii e viram aquelas belas havaianas lindas, dançando e fazendo aqueles movimentos graciosos, enquanto bebia uma água de coco gelada? — perguntou, disfarçando o seu incômodo com o oferecimento da aluna. Alguns alunos fizeram um não com a cabeça. Eu revirei os olhos. — Você, Ferraço? — Ele apontou para mim, me fazendo ajeitar o meu corpo na cadeira e engolir em seco. — Já comeu uma bela salada havaiana, servida dentro de um abacaxi, ou em uma enorme palha de palmeiras? — Olhei para os alunos, que aguardam a minha resposta e respirei fundo.— Não, eu… nunca estive no Hawaii — respondi com a voz falha. Adrien parecia satisfeito com a minha resposta. Ele sorriu e logo se pôs a interagir com os outros alunos. Minutos depois a sala de aula virou uma zona; uma vitrola antiga começou a tocar um tipo de hula e o professor pediu que os alunos dançassem a música. A pergunta é, o que toda essa merda tem a ver com a gastronomia?— Entrem no clima havaiano crianç
Adrien Estou ficando sem estratégias. Há algo na minha pêche que me faz sentir a necessidade de cuidar dela. Algo que a faz deixar bem claro de que não precisa de mim, mas no fundo eu sei que ela precisa. Há algo nela que me faz ser diferente e por incrível que pareça, eu me sinto mais desafiador perto dela, o que não é o meu normal. A parte ruim é que eu não consigo me aproximar da mulher sem fazer algum tipo de sujeira, sem irritá-la e isso me irrita também, porque eu quero uma aproximação com essa garota.— Quê, que isso? — Anne perguntou quando entrou em meu quarto e encarou as vestimentas nada singelas em meu corpo. Anne Lambertini é a minha irmã caçula, ela tem quase dezenove anos e assim como eu, fugiu um pouco do sistema da família Lamartine. Nossa família não é muito de aceitar certas decisões que sejam contrárias aos seus ideais. Pelo menos não da parte das mulheres e a Anne paga um preço muito alto por isso. Ela está passando alguns dias aqui em minha casa, por causa da ú
Adrien— Professor, você está simplesmente comestível essa manhã. — Melanie comentou de uma forma irreverente e maliciosa e me lançou um sorriso cheio de insinuações. Perdi toda a minha pose na mesma hora e senti o meu rosto queimar.— Que tal… focarmos… em nossa aula? — gaguejei e meio sem graça, puxei a respiração para tentar me recompor. Não culpo a minha aluna, se alguém da direção da faculdade me pagasse vestido assim, seria capaz de ser suspenso.Ah, l'amour! L'amour! L'amour!— Então professor, qual é a finalidade da fantasia? — Herbert perguntou e eu despertei dos meus devaneios. Tenho feito muito isso desde que ela surgiu na minha frente. Então algo me chamou a atenção. Eu inclinei a cabeça levemente para um lado e depois para o outro, olhando a Melanie praticamente debruçada em sua cadeira e uma bunda bem redonda, vestida em um jeans apertado, empinado de uma forma oferecida demais para o meu gosto. Ela não vê que isso é ridículo demais até mesmo para ela? Balancei a cabeça,
Kelly Alguns dias...— Olha vocês, estão tão lindos! — disse emocionada quando vi o casal de gêmeos do tio Petrus e da tia Simone na chama de vídeo. Todos estavam reunidos na sala dos meus pais, para fazer essa chamada. A Carolina com o seu namorado e a Naty com o dela. E pensar que papai e tio Oliver quase enfartaram quando as meninas apresentaram os meninos em um churrasco em família. E não pensem que foi tão fácil quanto foi comigo e o Felipe. Yan e Noah sabem o preço que pagaram com esses dois. Mas agora está tudo bem e o namoro deles já tem quase seis meses. Quantos aos gêmeos, isso sim, foi uma grande surpresa para todos, inclusive para os pais que estavam começando a organizar as suas vidas. Dimitri e Ives vieram de uma forma inesperada e prematura e se tornaram o xodó de todos na família. Cinco anos depois, tio Petrus e tia Simone conseguiram se firmar com a agência de segurança que tanto queriam e depois de tudo o que aconteceu, estou feliz que finalmente eles conseguiram ve
Kelly— Café au lait, s’il vous plaît! — pedi assim que me aproximei do balcão. Uma moça, usando um tipo de uniforme marrom escuro, com a logo da loja me sorriu.— Vous voulez un autre chose? — Ela perguntou me fazendo olhar com gana para o balcão de prateleiras de vidro, que exibia lindas tortas, alguns croissants de vários sabores e rosquinhas que chegavam a dá água na boca. Acima do balcão havia alguns cestos de pães, de vários formatos e tamanhos, além de uma enorme e redonda bomboniere, exibindo alguns macarrones coloridos. O cheiro era convidativo e atraente. Puxei a respiração sem saber ao certo o que pedir.— Deux beignets, s'il vous plait! — Conclui o meu pedido.— Oui. — Eu assenti e escolhi uma mesa perto de uma das janelas, e enquanto aguardava o meu pedido, peguei o meu celular e enviei uma mensagem para Marina. Acordada? Fiquei olhando para a tela, aguardando que ela visualizasse e dissesse algo, mas ela não fez. Estou me sentindo especialmente só essa manhã e preciso
Adrien Noite mal dormida é uma merda mesmo! Ter que esperar a Anne chegar de um encontro entre amigos e saber que ela chegou bem e que não causou nenhum acidente por aí, me tirou o sono. A danada sequer voltou para casa e nem se deu ao trabalho de dar um telefonema. Tive que passar o sábado procurando a garota em hospitais, delegacias e nada. Até me lembrar do tal taxista e encontrá-la ainda dormindo em sua cama. É claro que eu perdi a paciência e disse poucas e boas para os dois, além de acertar a cara do infeliz e como recordação de um sábado desastroso, passei o final do sábado com o punho inchado e com uma bela compressa de gelo. A danada preferiu ficar e cuidar do namorado. Mas nem tudo estava perdido. A noite sem sono me fez pensar em algo que eu nunca ousei fazer na minha vida profissional e eu realmente espero que seja mais uma tática e que dessa vez dê certo, porque a última foi um fracasso total. E é exatamente por isso estou em plena segunda feira, com a minha sala de vi
AdrienAs horas seguintes se passaram na maior cozinha para chefs da faculdade, equipada com toda sorte de eletrodomésticos possíveis, fornos e fogões de alta qualidade, além de enormes balcões de aço e utensílios de vários tamanhos e funções. Os alunos participantes foram separados por bancadas e todos tinham liberdade de pegar os ingredientes que quisessem. O tempo todo eu estava apreensivo, olhando disfarçadamente para uma Kelly empenhada em fazer a sua parte. Confesso que a minha preocupação não era que ela chegasse ao tal buffet e sim a minha ilha particular. Egoísmo da minha parte? É, eu sei que sim, mas não consigo evitar. O sinal tocou, avisando que o tempo dos alunos havia acabado e todos se afastam das suas bancadas como foram orientados. E agora eles são chamados um a um para apresentar os seus deliciosos projetos, enquanto os jurados e inclusive eu, anotamos em algumas fichas a pontuação de cada um deles. Meu peito inflou ao saber que a minha aluna alvo passou com mérito e
KellConfesso que estou pensando muito no conselho da minha amiga e que passei algum tempo observando alguns homens nas ruas de Paris e até mesmo na faculdade. Eu simplesmente não tive coragem de fazer uma abordagem ou de puxar um assunto ou uma conversa agradável, nada desse tipo. E agradeci aos céus a providência do professor Adrien em abrir o tal concurso. Isso tirou um pouco o meu foco em relação ao assunto "deixa rolar". A primeira fase do jogo eu tirei de letra. Aprendi com o melhor a degustar os alimentos desde cedo, a sentir e diferenciar os seus sabores e apreciar os seus aromas. Portanto, antes de sentir aquela massa adocicada e macia em minha língua, eu senti o seu aroma e já de início pude sentir o cheiro delicado da baunilha, junto ao cacau e em seguida a refrescância da hortelã, o leve amargor do açúcar mascavo e por fim o delicioso creme de avelã. Sorri satisfeita ao ver o meu nome no quadro de avisos no dia seguinte.A segunda fase não foi a mais fácil, mas também não