AmelieAlguns dias se passaram e me acostumei com a tranquilidade e o silêncio. Nós limpamos dois dos cômodos que era possível recuperar e ajeitamos as portas, nas janelas apenas pregamos algumas madeiras.Arthur e Willian se mostraram habilidosos, eles tinham bom raciocínio. Arthur conseguiu bastante coisa, inclusive ferramentas. Mesmo com o peso na consciência, não reclamei em momento algum.A convivência era boa, Arthur era o mais falante, diria atrevido, eles não seguiam tantas regras, suas educações eram limitadas, eram dois homens que seguiam instintos, mas acreditava que quando passassem a conviver em sociedade aprenderiam rapidamente.Passei o retalho de pano no rosto e enxuguei o suor. A lenha estava queimando dentro do forno formando a brasa para assar o pão. Sovei a massa uma última vez e moldei as bolas, não cresceria pois faltava a fermentação, mas ficaria bom. A mesa de madeira estava enfarinhada assim como minhas roupas, essa farinha era a última quantidade que tínhamo
AmelieAntes que o pão terminasse de assar, Willian chegou trazendo algumas maçãs. Suas bochechas e nariz estavam corados devido ao sol. Ele sorriu daquele jeito doce e tirou as maçãs de dentro da camisa e dos bolsos.— Tem uma macieira aqui perto e olha. — Tirou também do fundo do bolso da calça pequenas frutas vermelhas. — Essas frutinhas são bem docinhas, acho que são amoras, mas infelizmente, não tinha muito.— Não conseguiu pegar nenhum animal? — Arthur entrou na cozinha carregando mais alguns feixes de lenha.— Não. — Willian trocou olhares com o irmão por um momento.— Vamos caçar a noite? É noite de lua cheia, estará claro.Willian concordou com seu irmão sem fazer mais comentários. Apesar dos meus receios em ficar sozinha, confiava que eles não iriam para muito longe.— Experimente. — Willian chegou mais perto com uma amora na mão. Minha tentativa de pegá-la foi em vão, pois ele desviou e, por fim, precisei abrir a boca para receber a fruta, entretanto, senti-me envergonhada
Amelie— Parem! — consegui dizer finalmente em meio àquela euforia desconcertante, mas ao mesmo tempo, maravilhosa. Na tentativa de escapar, tropecei e apenas senti os braços agarrando-me e caímos emaranhados no chão. Olhei para o céu azul e minha risada foi diminuindo gradativamente. Eles estavam caídos ao meu lado e riam igualmente.Quando o silêncio prevaleceu, respirei profundamente ainda imersa naquela sensação aprazível. Até onde me lembrava, nunca aconteceu um momento assim. Eu fui privada até dessas brincadeiras bobas e infantis.Ainda buscando uma respiração regular, fechei os olhos. Coloquei as mãos na barriga que estava mais magra devido a escassez e alisei brevemente o tecido do vestido. Minhas carnes estavam doloridas e com um leve formigamento.— Eu não sabia que conseguia rir desse jeito, Amelie — Albert murmurou ao meu lado. — Foi inapropriado e confesso que me diverti. Mas não façam novamente.— Apenas nós vimos, então não se preocupe com isso. — Willian disse depoi
Inglaterra, século XIXAmelie— Hmm… Que barulho irritante…Forcei-me a abrir os olhos. Que barulho insistente é esse essa hora da noite? Será algum vizinho? — O que… Arthur? Willian? — Chamei, eu estava sozinha na cama.Estava frio, o braseiro perto não estava sendo suficiente. Arrastei-me para a beirada da cama, o quarto estava escuro, a vela já tinha acabado.— Willian? Arthur? — Chamei mais uma vez e apenas escutei novamente aquele barulho que parecia vir da cozinha.Descalça, apenas coloquei o robe grosso por cima da camisola, a madeira deixava o chão menos frio nessa época de inverno. A casa feita de tijolos não tinha revestimento, então, era um pouco mais úmido, mas já havia um tempo que não desfrutava de conforto. Era o preço a se pagar pelo meu pecado. O pecado era tentador e, às vezes, não se conseguia mais sair dele, eu já não pensava tanto a respeito.O barulho insistente vinha da cozinha, a porta dos fundos estava aberta, o vento a levava e trazia com força. Um pouco
Um ano antes…AmelieA carruagem parou e apertei a saia do vestido com as mãos enluvadas. Estava cansada, foi uma viagem longa.Olhei para a senhora na minha frente que ainda me encarava com rigor. O rosto enrugado contribuía para uma expressão mais severa, mas ela não parecia ser uma mulher feliz. Dizem que mulheres solteiras ficam amargas com o passar do tempo.Senhora Olga era a governanta da casa do meu marido, eu nunca o vi pessoalmente, porém, ele teve o cuidado de mandar sua serviçal mais fiel para me acompanhar. Bem, a julgar pela maneira que tudo aconteceu, achei o gesto atencioso. A porta foi aberta e o cocheiro estendeu a mão, sem dizer uma palavra, Olga se levantou para sair sob o auxílio do homem. Respirei fundo sentindo a atmosfera suavizar depois de sua saída, ela me julgava com um olhar impiedoso, como se eu não fosse suficiente para ser sua nova senhora.Levantei finalmente no pequeno espaço e aceitei a mão do homem de meia idade para descer o degrau da carruagem. O
Amelie— O senhor Albert estará de volta em breve, por agora, a senhora deve desfazer suas bagagens e descansar. — Ela apontou para as escadas antes de caminhar até elas, resignada, a acompanhei. — A refeição é servida às dezessete horas pontualmente, o senhor Albert detesta atrasos, então, por favor, esteja atenta a isso.— Estarei, obrigada por informar.— Uma criada virá para ajudá-la a se lavar e a ficar apresentável para logo mais. Peço que permaneça no seu quarto por enquanto e só saia na hora que for chamada.Olga abriu uma das portas escuras do corredor. O quarto espaçoso tinha o necessário para atender uma dama. Uma cama ao centro com dosseis claros, uma penteadeira em madeira escura com alguns detalhes entalhados, principalmente em volta do espelho redondo. Havia um tapete bem bordado que ocupava quase todo o lugar, em um canto, uma cômoda grande e bem polida, no outro, uma divisória parcialmente dobrada separava o quarto de uma banheira.A janela alta deixava bastante luz e
Amelie— Senhora? — Ah, sim, Ana. — Assustei-me com seu chamado, estava distraída o suficiente para perder a noção de tempo.— Está pronto.— Certo. Me ajude com as vestes, sim?— Com sua licença. — Ana se aproximou e desfez o laço do cordão que prendia o espartilho. Apesar de acostumada com seu ajuste, me causava alívio quando o retirava. Levantei-me para ajudá-la e peça por peça foi retirada até restar a camisola que usava por baixo. Meus cabelos foram soltos e revelaram os cachos grandes.— Se me permite, senhora, és tão bela quanto um anjo.— Obrigada, Ana. Minha mãe que foi agraciada por tal beleza, eu apenas herdei alguns dos seus traços. — Olhei-me no espelho da penteadeira. De fato, eu herdei os cabelos dourados cheios de cachos, os olhos azuis e lábios naturalmente pintados em um rosa mais acentuado. Mas essa beleza sempre foi condenada em todas as vezes que o padre me mandava esconder meu olhar sedutor devido a minha maldição. Assim eu fazia, ajoelhava e rezava até que m
Amelie— Ótimo, agora vamos jantar.Olga se aproximou e tirou a tampa do pote de louça refinada, o cheiro de sopa se espalhou, estava agradável, ao menos minha fome não tinha diminuido com esse início de conversa.Ela serviu uma concha cheia em meu prato e achei pouco, mas não questionei. Eu devia ter comido os biscoitos que Ana levou junto ao chá depois do meu banho. A sopa de legumes estava saborosa, era uma refeição apropriada para aquele horário.Por um tempo, apenas se ouviu o leve roçar dos talheres nos pratos fundos. Eu comi devagar, não esquecendo dos bons modos que aprendi e isso pareceu agradar meu marido, pois notei seu olhar. De certa forma, isso me deixava satisfeita.Depois disso, ele guiou-me até a sala, mas não se sentou tão próximo. Albert acendeu um cachimbo e sentou em uma poltrona confortável próximo a lareira acesa.— Amelie, é importante que saiba que nesta casa há algumas regras importantes a serem seguidas e, de forma alguma você deve desobedecer ou não hesitar