Amelie
— O senhor Albert estará de volta em breve, por agora, a senhora deve desfazer suas bagagens e descansar. — Ela apontou para as escadas antes de caminhar até elas, resignada, a acompanhei. — A refeição é servida às dezessete horas pontualmente, o senhor Albert detesta atrasos, então, por favor, esteja atenta a isso.
— Estarei, obrigada por informar.
— Uma criada virá para ajudá-la a se lavar e a ficar apresentável para logo mais. Peço que permaneça no seu quarto por enquanto e só saia na hora que for chamada.
Olga abriu uma das portas escuras do corredor. O quarto espaçoso tinha o necessário para atender uma dama. Uma cama ao centro com dosseis claros, uma penteadeira em madeira escura com alguns detalhes entalhados, principalmente em volta do espelho redondo. Havia um tapete bem bordado que ocupava quase todo o lugar, em um canto, uma cômoda grande e bem polida, no outro, uma divisória parcialmente dobrada separava o quarto de uma banheira.
A janela alta deixava bastante luz entrar e apesar de parecer solitário, era confortável e melhor do que esperei.
A porta foi fechada e permaneci por um longo momento no centro daquele cômodo. Minhas bagagens foram deixadas em frente ao recamier nos pés da cama, não eram muitas, agora era a obrigação de meu marido prover-me do que fosse necessário, além disso, era necessário renovar muitos dos meus vestidos até então de mulher solteira.
Puxei as luvas claras finalmente e movimentei-me pelo quarto. O papel de parede em tons rosas parecia novo, um quarto feminino, sem dúvidas, entretanto, faltava alguns detalhes na decoração, talvez algumas almofadas bordadas, porta-retratos ou alguma obra de arte.
Uma batida suave na porta atraiu minha atenção e logo uma mulher aparentando ser bastante jovem entrou.
— Com licença, senhora. — Ela evitou me olhar e se curvou brevemente. — Meu nome é Ana, serei sua criada pessoal.
— Muito prazer, Ana, me chame apenas de Amelie, por favor.
— Perdão, senhora, mas creio que não seja possível.
— Tudo bem, o importante é que fique à vontade.
Ana acenou e sorri para ela, mesmo que seu olhar sobre mim tenha sido breve. Notei um leve rubor em suas bochechas. Acredito que com o tempo ficaremos mais íntimas, eu tenho bastante paciência para cultivar uma boa convivência.
— Eu vim ajudá-la com o que precisar, pode me pedir qualquer coisa que farei.
— Obrigada, Ana. Por agora gostaria de me refrescar com um banho e depois desfazer a bagagem.
— Oh, sim. Eu já deixei a banheira cheia, vou buscar água quente.
— Não será necessário, os dias de primavera são quentes e foi bastante abafado estar naquela carruagem por muito tempo.
Na verdade, não estava quente, mas eu não costumava tomar banho quente fora da estação de outono e inverno, fazia parte da minha penitência, um castigo para esse corpo, foi o que aprendi com o padre em suas sessões de purificação. Acredito que faça sentido, afinal.
— Se é assim, vou despejar uma essência. Há algo que prefira? Temos várias.
— Uma suave, por favor.
Ela deu um passo para trás antes de se virar e seguir para a banheira.
Ana parecia bastante tímida, talvez fosse seu primeiro emprego, ela nem aparentava ter alcançado a maioridade, mas guardaria minha curiosidade para outra ocasião.
Sentei em frente a penteadeira e tirei o colar delicado, eu não usava tantas joias, esse hábito ficava para damas casadas ou de mais idade, talvez meu marido me presenteasse com algumas mais extravagantes, aceitarei de bom grado.
Sendo franca, não era tão apreciadora de objetos, prefiria gestos, mas os homens dificilmente eram atenciosos a esse ponto. Meu pai era uma exceção já que gostava de presentear minha mãe, claro, eu não conhecia tantos homens, mas sempre estava atenta às conversas de minha mãe com suas amigas, de fato, elas tinham queixas da falta de romantismo de seus maridos.
Eu não conheço nada a respeito do meu marido, foi graças a insistência de minha mãe que soube que ele tinha mais de quarenta anos, mas que rogava de boa saúde, além do seu nome: Albert Wright. Isso era o suficiente.
E, devido à oportunidade inesperada, meu pai não observou grandes detalhes, inclusive, quando minha mãe perguntou sobre a situação da minha marca, ele apenas justificou dizendo que não era necessário apontar esse detalhe.
Então, fui aconselhada a ocultar esse detalhe e, por mais que devesse minha honestidade ao meu marido, guardaria esse único segredo.
Agora eu apenas deveria pensar no futuro. Eu só lamentava por não ter tido uma cerimônia abençoada pelo padre, ao que parecia, meu marido não era tão religioso e não tinha tempo para essas formalidades, mas eu sentia que essa união não iria prosperar sem isso.
Tinha medo dos meus próprios pensamentos, mas esperava estar errada.
Felizmente, ele doou uma quantidade generosa a nossa paróquia, foi como uma compensação por tal pecado. Um matrimônio deve ser abençoado por Deus.
Amelie— Senhora? — Ah, sim, Ana. — Assustei-me com seu chamado, estava distraída o suficiente para perder a noção de tempo.— Está pronto.— Certo. Me ajude com as vestes, sim?— Com sua licença. — Ana se aproximou e desfez o laço do cordão que prendia o espartilho. Apesar de acostumada com seu ajuste, me causava alívio quando o retirava. Levantei-me para ajudá-la e peça por peça foi retirada até restar a camisola que usava por baixo. Meus cabelos foram soltos e revelaram os cachos grandes.— Se me permite, senhora, és tão bela quanto um anjo.— Obrigada, Ana. Minha mãe que foi agraciada por tal beleza, eu apenas herdei alguns dos seus traços. — Olhei-me no espelho da penteadeira. De fato, eu herdei os cabelos dourados cheios de cachos, os olhos azuis e lábios naturalmente pintados em um rosa mais acentuado. Mas essa beleza sempre foi condenada em todas as vezes que o padre me mandava esconder meu olhar sedutor devido a minha maldição. Assim eu fazia, ajoelhava e rezava até que m
Amelie— Ótimo, agora vamos jantar.Olga se aproximou e tirou a tampa do pote de louça refinada, o cheiro de sopa se espalhou, estava agradável, ao menos minha fome não tinha diminuido com esse início de conversa.Ela serviu uma concha cheia em meu prato e achei pouco, mas não questionei. Eu devia ter comido os biscoitos que Ana levou junto ao chá depois do meu banho. A sopa de legumes estava saborosa, era uma refeição apropriada para aquele horário.Por um tempo, apenas se ouviu o leve roçar dos talheres nos pratos fundos. Eu comi devagar, não esquecendo dos bons modos que aprendi e isso pareceu agradar meu marido, pois notei seu olhar. De certa forma, isso me deixava satisfeita.Depois disso, ele guiou-me até a sala, mas não se sentou tão próximo. Albert acendeu um cachimbo e sentou em uma poltrona confortável próximo a lareira acesa.— Amelie, é importante que saiba que nesta casa há algumas regras importantes a serem seguidas e, de forma alguma você deve desobedecer ou não hesitar
AmelieMe apressei e vesti a camisola longa, ela cobria desde meu pescoço até meus pés, porém, os botões na frente em forma de pérolas podiam ser abertos se assim meu marido desejasse. Havia outras camisolas mais abertas, porém, essa em especial, mostravam minha pureza e pudor, era o que eu deveria mostrar ao meu marido na primeira noite. Acendi as velas que tinham se apagado no candelabro, depois peguei o rosário e me ajoelhei aos pés da cama. Eu deveria rezar até que meu marido chegasse.Não muito tempo depois, Albert entrou no quarto. Levantei devagar e aguardei. Ele tirou o colete e abriu alguns botões da camisa. pude ver os pelos fartos de seu peito, mas desviei a atenção daquele lugar momentaneamente. Meu peito subia e descia mais intensamente e apertei o rosário em minha mão. Ele observou meu gesto e continuou se despindo. Quando ficou com sua roupa de baixo, virei o rosto. Eu nunca vi um homem nu e logo ele estaria, mesmo sendo meu marido, parecia errado que eu olhasse. —
Amelie— O senhor Albert saiu antes do sol nascer e retornará antes do jantar.— Tão cedo… — murmurei, mas fui ouvida.— Como pôde perceber, essa casa é distante. Há vilarejos nas proximidades, mas o senhor Albert mantém um escritório em uma cidade grande, isso requer algum tempo de viagem por dia, às vezes ele nem retorna para casa.— Certo, obrigada por esclarecer, eu ainda não sei muito a respeito do meu marido. — Minha justificativa foi acompanhada de constrangimento.— Pergunte-me o que desejar saber, é a minha obrigação como governanta desta casa esclarecer suas dúvidas, claro, dentro do que me está autorizado.— Tudo bem, obrigada pela dedicação, senhora Olga.Ana retornou ao quarto carregando um balde com dificuldades, ela estava um pouco vermelha pelo esforço, mas quando olhou para Olga, ela se encolheu e seguiu para a banheira no canto.— Agora levante-se, levarei os lençois para serem lavados.— Ah, sim, desculpe a demora. — Levantei-me um pouco afobada e ajeitei a camisola
Dias depois…AmelieO cavalete apoiava a tela na minha frente, a imagem que apareceu para mim com frequência estava desenhada com riqueza de detalhes. Mais uma vez, retratei aquela mulher que aparecia morta em meus sonhos. Eram os mesmos olhos vidrados, fixos em mim, mesmo em desenho, estavam olhando-me. Olhos castanhos escuros, assim como os cabelos.Meus dedos estavam sujos com o pó do lápis escuro que já tinha apontado tantas vezes, agora restava apenas um pequeno pedaço. Esse bonito dom de fazer desenhos, agora só retratava minha obsessão e loucura devido a intermináveis noites em claro depois de ver aquela mulher morta sobre minha cama.A ausência de cores também não mudava o vermelho vivo daquele sangue que estava bem nítido em minha mente, eu quase podia sentir o odor ferroso e único.Os dias se tornaram sombrios, barulhentos. O som daquelas correntes sendo arrastadas se repetiam nos meus ouvidos como uma canção.Sentia que estava enlouquecendo, nem mesmo as rezas constantes
AmelieO sabor suave da batata refogada na manteiga aromatizada arrancou-me um leve suspiro, decerto a cozinheira tinha mãos habilidosas, um talento que seria melhor aproveitado em grandes banquetes.No entanto, o silêncio mórbido tirava-me todo o prazer ao degustar o jantar. As velas abundantes no centro da mesa e em alguns pontos do cômodo faziam-me enxergar até os mínimos detalhes da refeição, inclusive, a expressão mais fechada de Albert, e eu sabia bem o motivo.— Avise-me quando os dias de suas regras terminarem — disse ele em tom seco. — Certo. — Parei o garfo no meio do caminho e o retornei para o prato. — Eu gostaria de lhe fazer um pedido, Albert.— Faça.— Bem… — Hesitei por um momento, tinha medo da sua recusa. — Eu gostaria de ir à missa ou apenas visitar a igreja em um dia possível.— Não é suficiente fazer suas orações em casa?— Não, sinto-me em falta com Deus por não ir em sua casa.Albert limpou os lábios com o guardanapo e o colocou ao lado do prato. Ele fitou-me l
Aviso: Capítulo sensível. Por favor leia com discernimentoAmelieCaminhei até a porta e encostei-me na madeira, mas em seguida, dei um pulo para trás devido ao som feral. Esse som era familiar, desde que cheguei nesta casa eu escutava, no entanto, hoje estava diferente, como se estivesse em sofrimento.E, às vezes, parecia mais de um. Eu também sentia como se me chamasse, hoje em especial. Contudo, devia ser apenas um delírio, assim como os pesadelos. Como eu posso saber se nesse momento sinto-me tão sem direção e distante de Deus?Eu não queria mais pensar nisso, muito menos ouvir.Busquei o candelabro de uma única vela e abri a porta. O corredor estava escuro e frio. Ainda descalça, caminhei devagar seguindo os sons que continuavam, porém, às vezes pareciam apenas lamentos.A madeira do chão fazia barulhos mais altos do que eu gostaria, mesmo com meu esforço para andar com leveza. Meu coração batia forte pelo medo do que poderia encontrar, mas também pelo medo de ser pega descump
AmelieO sol nasceu e apenas acompanhei a claridade invadir o quarto. Já não estava mais chorando, porém, há pouco que tinha parado. Os barulhos das correntes continuaram até quase o amanhecer e agora não pareciam aterrorizante, apenas cruel. Albert era um homem cruel, eu estava casada com um monstro.Quem eram aqueles dois homens? Seriam desafetos? Criminosos?Ainda assim, nada justificava, eu não conseguia suportar tal feito. Não era possível seguir normalmente sabendo que eles estavam lá embaixo daquela maneira.Como eu poderia criar nossos filhos sabendo que o sofrimento deles estaria sob meus pés?O barulho do trinco da porta se movendo me alertou e senti medo. A porta foi aberta devagar e quem entrou foi Ana. Respirei aliviada.— Bom dia, senhora.— Ana… — Ela entrou acompanhada de outras duas serviçais, cada uma trazendo alguma coisa. A bandeja com o desjejum foi deixada sob o estofado do móvel aos pés da cama por Ana e as outras deixaram os baldes cheios de água ao lado da