Amelie— O senhor Albert saiu antes do sol nascer e retornará antes do jantar.— Tão cedo… — murmurei, mas fui ouvida.— Como pôde perceber, essa casa é distante. Há vilarejos nas proximidades, mas o senhor Albert mantém um escritório em uma cidade grande, isso requer algum tempo de viagem por dia, às vezes ele nem retorna para casa.— Certo, obrigada por esclarecer, eu ainda não sei muito a respeito do meu marido. — Minha justificativa foi acompanhada de constrangimento.— Pergunte-me o que desejar saber, é a minha obrigação como governanta desta casa esclarecer suas dúvidas, claro, dentro do que me está autorizado.— Tudo bem, obrigada pela dedicação, senhora Olga.Ana retornou ao quarto carregando um balde com dificuldades, ela estava um pouco vermelha pelo esforço, mas quando olhou para Olga, ela se encolheu e seguiu para a banheira no canto.— Agora levante-se, levarei os lençois para serem lavados.— Ah, sim, desculpe a demora. — Levantei-me um pouco afobada e ajeitei a camisola
Dias depois…AmelieO cavalete apoiava a tela na minha frente, a imagem que apareceu para mim com frequência estava desenhada com riqueza de detalhes. Mais uma vez, retratei aquela mulher que aparecia morta em meus sonhos. Eram os mesmos olhos vidrados, fixos em mim, mesmo em desenho, estavam olhando-me. Olhos castanhos escuros, assim como os cabelos.Meus dedos estavam sujos com o pó do lápis escuro que já tinha apontado tantas vezes, agora restava apenas um pequeno pedaço. Esse bonito dom de fazer desenhos, agora só retratava minha obsessão e loucura devido a intermináveis noites em claro depois de ver aquela mulher morta sobre minha cama.A ausência de cores também não mudava o vermelho vivo daquele sangue que estava bem nítido em minha mente, eu quase podia sentir o odor ferroso e único.Os dias se tornaram sombrios, barulhentos. O som daquelas correntes sendo arrastadas se repetiam nos meus ouvidos como uma canção.Sentia que estava enlouquecendo, nem mesmo as rezas constantes
AmelieO sabor suave da batata refogada na manteiga aromatizada arrancou-me um leve suspiro, decerto a cozinheira tinha mãos habilidosas, um talento que seria melhor aproveitado em grandes banquetes.No entanto, o silêncio mórbido tirava-me todo o prazer ao degustar o jantar. As velas abundantes no centro da mesa e em alguns pontos do cômodo faziam-me enxergar até os mínimos detalhes da refeição, inclusive, a expressão mais fechada de Albert, e eu sabia bem o motivo.— Avise-me quando os dias de suas regras terminarem — disse ele em tom seco. — Certo. — Parei o garfo no meio do caminho e o retornei para o prato. — Eu gostaria de lhe fazer um pedido, Albert.— Faça.— Bem… — Hesitei por um momento, tinha medo da sua recusa. — Eu gostaria de ir à missa ou apenas visitar a igreja em um dia possível.— Não é suficiente fazer suas orações em casa?— Não, sinto-me em falta com Deus por não ir em sua casa.Albert limpou os lábios com o guardanapo e o colocou ao lado do prato. Ele fitou-me l
Aviso: Capítulo sensível. Por favor leia com discernimentoAmelieCaminhei até a porta e encostei-me na madeira, mas em seguida, dei um pulo para trás devido ao som feral. Esse som era familiar, desde que cheguei nesta casa eu escutava, no entanto, hoje estava diferente, como se estivesse em sofrimento.E, às vezes, parecia mais de um. Eu também sentia como se me chamasse, hoje em especial. Contudo, devia ser apenas um delírio, assim como os pesadelos. Como eu posso saber se nesse momento sinto-me tão sem direção e distante de Deus?Eu não queria mais pensar nisso, muito menos ouvir.Busquei o candelabro de uma única vela e abri a porta. O corredor estava escuro e frio. Ainda descalça, caminhei devagar seguindo os sons que continuavam, porém, às vezes pareciam apenas lamentos.A madeira do chão fazia barulhos mais altos do que eu gostaria, mesmo com meu esforço para andar com leveza. Meu coração batia forte pelo medo do que poderia encontrar, mas também pelo medo de ser pega descump
AmelieO sol nasceu e apenas acompanhei a claridade invadir o quarto. Já não estava mais chorando, porém, há pouco que tinha parado. Os barulhos das correntes continuaram até quase o amanhecer e agora não pareciam aterrorizante, apenas cruel. Albert era um homem cruel, eu estava casada com um monstro.Quem eram aqueles dois homens? Seriam desafetos? Criminosos?Ainda assim, nada justificava, eu não conseguia suportar tal feito. Não era possível seguir normalmente sabendo que eles estavam lá embaixo daquela maneira.Como eu poderia criar nossos filhos sabendo que o sofrimento deles estaria sob meus pés?O barulho do trinco da porta se movendo me alertou e senti medo. A porta foi aberta devagar e quem entrou foi Ana. Respirei aliviada.— Bom dia, senhora.— Ana… — Ela entrou acompanhada de outras duas serviçais, cada uma trazendo alguma coisa. A bandeja com o desjejum foi deixada sob o estofado do móvel aos pés da cama por Ana e as outras deixaram os baldes cheios de água ao lado da
AmelieAlbert entrou no quarto ao cair da noite, eu já tinha jantado, agora apenas lia um livro sentada em uma poltrona confortável que Ana teve a gentileza de arrastar até aqui junto com uma mesinha redonda de apoio onde coloquei um castiçal com três velas.Coloquei o livro sobre o colo, Albert me encarou longamente e se sentou na cama, na minha frente. Ainda sentia medo, depois de saber de sua outra face não voltaria a olhá-lo da mesma maneira.— Aqueles que você viu são meus filhos. Filhos gêmeos, compartilharam o mesmo ventre — Albert disse quebrando aquele silêncio e arregalei os olhos, não só devido ao espanto, mas de horror. — Mas eles só me trouxeram sofrimentos e perdas, são amaldiçoados e foram os responsáveis pela morte da própria mãe.Meu coração batia tão forte que era difícil manter-me quieta, porém, certamente, meus sentimentos estavam estampados em meu rosto.— Minha primeira esposa teve duas gestações, a primeira foi uma menina, mas a segunda… — Albert puxou a gravata
Aviso: Capítulo sensível.AmelieA vela estava em seu fim e uma forte chuva caía lá fora. O relógio marcava mais de meia noite e recusava-me a fechar os olhos. Estava exausta. O barulho das correntes estavam mais violentos, alguma coisa estava acontecendo lá, talvez Albert estivesse os chicoteando, sentia-me cada vez mais cúmplice disso.Mais uma vez, um raio clareou o céu, a luz azulada entrou no quarto através da janela, ao mesmo tempo, a porta foi destrancada e aberta.Albert entrou no quarto um pouco cambaleante, a porta foi escancarada e depois fechada bruscamente. Murmurando, ele se aproximou da cama, senti o odor do álcool quando ele chegou perto. Arrastei-me para a cabeceira.— Deite-se, não me obrigue a usar a força, Amelie.— Você está bêbado, eu não quero assim — respondi, receosa.— Obedeça seu marido!Albert puxou a camisa de dentro das calças e a tirou, ele iria me forçar de um jeito ou de outro. Mais um clarão tomou conta do céu sendo seguido pelo estrondo ensurdecedor
Amelie— Seus malditos!! — Albert mexeu na espingarda, ele estava recarregando. A faca ainda estava cravada em suas costas.Fui puxada com mais força, nós corremos e quando chegamos na porta dos fundos, fui jogada para o outro homem que me segurou pela cintura. Ouvimos os passos de Albert e antes da porta ser finalmente destrancada, Albert atirou de novo, dessa vez atingiu a parede. A chuva forte caiu sobre mim e corri sobre a lama, estava escuro, porém, quando o céu clareou mais uma vez, vi as suas costas. Um deles estava bem na frente. Eu não conseguia correr tão rápido, estava praticamente sendo arrastada, mas ele não me soltou em nenhum momento.Quando o céu clareou de novo, estava diante do pequeno abrigo dos cavalos. Eram apenas dois que guiavam a carruagem. Escureceu novamente e fui levada para dentro.— Fique aqui. — Ele me ergueu e fui colocada em cima dos fenos. — Não. — Segurei em seu braço antes que me soltasse.— Não vou deixá-la para trás. Confie em mim.— Willian, o q