Amelie
— Ótimo, agora vamos jantar.
Olga se aproximou e tirou a tampa do pote de louça refinada, o cheiro de sopa se espalhou, estava agradável, ao menos minha fome não tinha diminuido com esse início de conversa.
Ela serviu uma concha cheia em meu prato e achei pouco, mas não questionei. Eu devia ter comido os biscoitos que Ana levou junto ao chá depois do meu banho. A sopa de legumes estava saborosa, era uma refeição apropriada para aquele horário.
Por um tempo, apenas se ouviu o leve roçar dos talheres nos pratos fundos. Eu comi devagar, não esquecendo dos bons modos que aprendi e isso pareceu agradar meu marido, pois notei seu olhar. De certa forma, isso me deixava satisfeita.
Depois disso, ele guiou-me até a sala, mas não se sentou tão próximo. Albert acendeu um cachimbo e sentou em uma poltrona confortável próximo a lareira acesa.
— Amelie, é importante que saiba que nesta casa há algumas regras importantes a serem seguidas e, de forma alguma você deve desobedecer ou não hesitarei em puni-la.
Punida? Ele irá me bater? Eu sabia que alguns maridos eram assim, mas não gostaria de passar por isso.
— A regra principal é que não deve sair do seu quarto depois do horário de se recolher, mesmo que escute algum barulho.
— Barulho? — o interrompi impulsivamente, mas me encolhi em seguida devido ao seu olhar levemente cerrado. — Desculpe, continue, marido.
— A regra se aplica a qualquer barulho. Não saia do seu quarto à noite, Amelie. — Ele tragou mais uma vez e se acomodou melhor na poltrona robusta. — Os serviçais saem ao pôr do sol, Olga é a única que fica. Também há algumas partes da casa que não deve entrar, Olga lhe mostrará depois.
Concordei mesmo achando estranho. Por que eu não poderia andar livremente? Eu não sou a nova senhora desta casa?
Observei com atenção sua expressão iluminada pelo fogo, ele estava bastante sério, os olhos castanhos escuros estavam sombrios e isso me causou medo. Mas seu suspiro depois de soprar a fumaça espessa mostrou cansaço.
— Eu me casei de novo para ter um herdeiro, estou ficando velho e minha única filha já se casou, filhas mulheres não herdam o nome do pai e sim do marido, eu preciso de um filho homem, Amelie. — O fogo se agitou devido a um leve vento que entrou pela janela e isso se refletiu em sua pele clara. — Espero que tenha boa saúde para cumprir seu papel como esposa.
Balancei a cabeça concordando com suas palavras, era um fato, eu não deveria ter ambições maiores que isso, porém, eu me senti triste, vazia. Infelizmente, era um sentimento que já tinha como hábito.
— Você gostaria de fazer alguma pergunta?
Albert tragou novamente e ponderei a respeito dos meus questionamentos. Rapidamente, conclui que não deveria questionar suas regras, era para o meu bem. Para o bem desse casamento.
— Não. O senhor foi claro o suficiente.
— Então, de fato fiz uma boa escolha. Não se preocupe com nada, se seguir as regras tudo ficará bem entre nós. Eu não sou um marido ruim, Amelie, você terá tudo o que uma dama necessita, seja vestimentas ou adornos caros, eu também preparei algumas coisas sob a instrução do seu pai, poderá se dedicar às artes como gosta, eu não me oponho. Desde que cumpra suas obrigações, não a incomodarei.
— Eu agradeço sua preocupação com meu bem estar, marido.
— Muito bem. — Ele lambeu os lábios antes de retornar o cachimbo à boca. — Eu visitarei seu quarto logo mais para consumar nosso casamento. Pode se retirar agora.
— Com sua licença, marido. — Levantei-me com suavidade, mesmo me sentindo pesada.
Segui para as escadas um pouco nervosa. Quando cheguei no andar de cima, encarei aquele corredor um pouco escuro com ansiedade, o chão de madeira agora rangia alto respondendo aos meus passos.
Apressei-me e entrei no meu quarto, ao fechar a porta, apenas escorei-me na madeira escura. A janela estava fechada, mas não fui eu quem a fechei, havia uma grade por fora, eu não a tinha visto antes.
Bem, não importava, agora eu precisava me preparar para meu marido. Desencostei da porta e busquei minha camisola qua já tinha deixado esticada sobre a cama. Eu bordei os detalhes junto com minha mãe, durante esse processo, ela me passou alguns dos seus ensinamentos sobre a primeira noite de uma mulher.
Na verdade, não havia muito o que ser dito, o marido saberia o que fazer, a esposa deveria apenas esperar que acabasse e jamais se comportar de maneira libertina. Apesar dessa conversa constrangedora, ela explicou o necessário.
Puxei a corda do espartilho menos justo e aos poucos me despi. Olhei para meu corpo pelo reflexo do espelho e alisei a marca em minha coxa, para mim, não passava de um borrão um pouco maior que uma cereja, eu não entendia porque a julgavam como algo ruim. Soltei meus cabelos dos grampos e os deixei cair sobre as costas, eles iam até minha cintura, mas em breve seria apropriado que eu cortasse um pouco mais, bem, se assim meu marido concordasse.
Uma brisa fria passou e me causou um arrepio, olhei para a janela, estava fechada, contudo, o vento foi forte o bastante para apagar algumas velas.
Que estranho.
AmelieMe apressei e vesti a camisola longa, ela cobria desde meu pescoço até meus pés, porém, os botões na frente em forma de pérolas podiam ser abertos se assim meu marido desejasse. Havia outras camisolas mais abertas, porém, essa em especial, mostravam minha pureza e pudor, era o que eu deveria mostrar ao meu marido na primeira noite. Acendi as velas que tinham se apagado no candelabro, depois peguei o rosário e me ajoelhei aos pés da cama. Eu deveria rezar até que meu marido chegasse.Não muito tempo depois, Albert entrou no quarto. Levantei devagar e aguardei. Ele tirou o colete e abriu alguns botões da camisa. pude ver os pelos fartos de seu peito, mas desviei a atenção daquele lugar momentaneamente. Meu peito subia e descia mais intensamente e apertei o rosário em minha mão. Ele observou meu gesto e continuou se despindo. Quando ficou com sua roupa de baixo, virei o rosto. Eu nunca vi um homem nu e logo ele estaria, mesmo sendo meu marido, parecia errado que eu olhasse. —
Amelie— O senhor Albert saiu antes do sol nascer e retornará antes do jantar.— Tão cedo… — murmurei, mas fui ouvida.— Como pôde perceber, essa casa é distante. Há vilarejos nas proximidades, mas o senhor Albert mantém um escritório em uma cidade grande, isso requer algum tempo de viagem por dia, às vezes ele nem retorna para casa.— Certo, obrigada por esclarecer, eu ainda não sei muito a respeito do meu marido. — Minha justificativa foi acompanhada de constrangimento.— Pergunte-me o que desejar saber, é a minha obrigação como governanta desta casa esclarecer suas dúvidas, claro, dentro do que me está autorizado.— Tudo bem, obrigada pela dedicação, senhora Olga.Ana retornou ao quarto carregando um balde com dificuldades, ela estava um pouco vermelha pelo esforço, mas quando olhou para Olga, ela se encolheu e seguiu para a banheira no canto.— Agora levante-se, levarei os lençois para serem lavados.— Ah, sim, desculpe a demora. — Levantei-me um pouco afobada e ajeitei a camisola
Dias depois…AmelieO cavalete apoiava a tela na minha frente, a imagem que apareceu para mim com frequência estava desenhada com riqueza de detalhes. Mais uma vez, retratei aquela mulher que aparecia morta em meus sonhos. Eram os mesmos olhos vidrados, fixos em mim, mesmo em desenho, estavam olhando-me. Olhos castanhos escuros, assim como os cabelos.Meus dedos estavam sujos com o pó do lápis escuro que já tinha apontado tantas vezes, agora restava apenas um pequeno pedaço. Esse bonito dom de fazer desenhos, agora só retratava minha obsessão e loucura devido a intermináveis noites em claro depois de ver aquela mulher morta sobre minha cama.A ausência de cores também não mudava o vermelho vivo daquele sangue que estava bem nítido em minha mente, eu quase podia sentir o odor ferroso e único.Os dias se tornaram sombrios, barulhentos. O som daquelas correntes sendo arrastadas se repetiam nos meus ouvidos como uma canção.Sentia que estava enlouquecendo, nem mesmo as rezas constantes
AmelieO sabor suave da batata refogada na manteiga aromatizada arrancou-me um leve suspiro, decerto a cozinheira tinha mãos habilidosas, um talento que seria melhor aproveitado em grandes banquetes.No entanto, o silêncio mórbido tirava-me todo o prazer ao degustar o jantar. As velas abundantes no centro da mesa e em alguns pontos do cômodo faziam-me enxergar até os mínimos detalhes da refeição, inclusive, a expressão mais fechada de Albert, e eu sabia bem o motivo.— Avise-me quando os dias de suas regras terminarem — disse ele em tom seco. — Certo. — Parei o garfo no meio do caminho e o retornei para o prato. — Eu gostaria de lhe fazer um pedido, Albert.— Faça.— Bem… — Hesitei por um momento, tinha medo da sua recusa. — Eu gostaria de ir à missa ou apenas visitar a igreja em um dia possível.— Não é suficiente fazer suas orações em casa?— Não, sinto-me em falta com Deus por não ir em sua casa.Albert limpou os lábios com o guardanapo e o colocou ao lado do prato. Ele fitou-me l
Aviso: Capítulo sensível. Por favor leia com discernimentoAmelieCaminhei até a porta e encostei-me na madeira, mas em seguida, dei um pulo para trás devido ao som feral. Esse som era familiar, desde que cheguei nesta casa eu escutava, no entanto, hoje estava diferente, como se estivesse em sofrimento.E, às vezes, parecia mais de um. Eu também sentia como se me chamasse, hoje em especial. Contudo, devia ser apenas um delírio, assim como os pesadelos. Como eu posso saber se nesse momento sinto-me tão sem direção e distante de Deus?Eu não queria mais pensar nisso, muito menos ouvir.Busquei o candelabro de uma única vela e abri a porta. O corredor estava escuro e frio. Ainda descalça, caminhei devagar seguindo os sons que continuavam, porém, às vezes pareciam apenas lamentos.A madeira do chão fazia barulhos mais altos do que eu gostaria, mesmo com meu esforço para andar com leveza. Meu coração batia forte pelo medo do que poderia encontrar, mas também pelo medo de ser pega descump
AmelieO sol nasceu e apenas acompanhei a claridade invadir o quarto. Já não estava mais chorando, porém, há pouco que tinha parado. Os barulhos das correntes continuaram até quase o amanhecer e agora não pareciam aterrorizante, apenas cruel. Albert era um homem cruel, eu estava casada com um monstro.Quem eram aqueles dois homens? Seriam desafetos? Criminosos?Ainda assim, nada justificava, eu não conseguia suportar tal feito. Não era possível seguir normalmente sabendo que eles estavam lá embaixo daquela maneira.Como eu poderia criar nossos filhos sabendo que o sofrimento deles estaria sob meus pés?O barulho do trinco da porta se movendo me alertou e senti medo. A porta foi aberta devagar e quem entrou foi Ana. Respirei aliviada.— Bom dia, senhora.— Ana… — Ela entrou acompanhada de outras duas serviçais, cada uma trazendo alguma coisa. A bandeja com o desjejum foi deixada sob o estofado do móvel aos pés da cama por Ana e as outras deixaram os baldes cheios de água ao lado da
AmelieAlbert entrou no quarto ao cair da noite, eu já tinha jantado, agora apenas lia um livro sentada em uma poltrona confortável que Ana teve a gentileza de arrastar até aqui junto com uma mesinha redonda de apoio onde coloquei um castiçal com três velas.Coloquei o livro sobre o colo, Albert me encarou longamente e se sentou na cama, na minha frente. Ainda sentia medo, depois de saber de sua outra face não voltaria a olhá-lo da mesma maneira.— Aqueles que você viu são meus filhos. Filhos gêmeos, compartilharam o mesmo ventre — Albert disse quebrando aquele silêncio e arregalei os olhos, não só devido ao espanto, mas de horror. — Mas eles só me trouxeram sofrimentos e perdas, são amaldiçoados e foram os responsáveis pela morte da própria mãe.Meu coração batia tão forte que era difícil manter-me quieta, porém, certamente, meus sentimentos estavam estampados em meu rosto.— Minha primeira esposa teve duas gestações, a primeira foi uma menina, mas a segunda… — Albert puxou a gravata
Aviso: Capítulo sensível.AmelieA vela estava em seu fim e uma forte chuva caía lá fora. O relógio marcava mais de meia noite e recusava-me a fechar os olhos. Estava exausta. O barulho das correntes estavam mais violentos, alguma coisa estava acontecendo lá, talvez Albert estivesse os chicoteando, sentia-me cada vez mais cúmplice disso.Mais uma vez, um raio clareou o céu, a luz azulada entrou no quarto através da janela, ao mesmo tempo, a porta foi destrancada e aberta.Albert entrou no quarto um pouco cambaleante, a porta foi escancarada e depois fechada bruscamente. Murmurando, ele se aproximou da cama, senti o odor do álcool quando ele chegou perto. Arrastei-me para a cabeceira.— Deite-se, não me obrigue a usar a força, Amelie.— Você está bêbado, eu não quero assim — respondi, receosa.— Obedeça seu marido!Albert puxou a camisa de dentro das calças e a tirou, ele iria me forçar de um jeito ou de outro. Mais um clarão tomou conta do céu sendo seguido pelo estrondo ensurdecedor