Fortaleza é aquele tipo de cidade em que o sol não pede licença para entrar. A capital está sempre ardente. Suas praias enfeitam o cotidiano dos moradores e a sombra das palmeiras abriga vendedores de quitutes e outras delícias. O mar, sempre acolhedor, refresca os banhistas e recebe as barcas dos pescadores, que vem e vão em busca do alimento. Mas a capital formosa não ferve somente na orla das praias, com os pescadores e banhistas. Ela também pulsa vibrante no meio dos papéis e computadores do centro financeiro e empresarial. As avenidas modernas, ladeadas de prédios vultuosos e pessoas bem vestidas fazem esquecer que, há alguns quarteirões dali, a vida traja calção de banho e passa o dia inteiro a vadiar. Os empreendimentos e os impérios tem pressa e fome de poder. As finanças são sua chave e os clãs das famílias rivais, que se estabeleceram ali durante séculos, é quem dita as regras e os caminhos a serem rumados por todos. Em um dos prédios mais poderosos desse universo está o Grupo Souza, liderado com mãos de ferro pelo seu patriarca, senhor Souza. O império da Família Souza, passado de geração em geração, é um dos maiores do Nordeste e o mais influente em todo estado do Ceará. Dois andares abaixo da sala do senhor Souza está a sala de Suellen Souza, gerente departamental, filha única e promissora herdeira do tradicional grupo empresarial. O interfone da secretária toca e Suellen transmite a mensagem:
— Bia, estou saindo e não retornarei. Direcione para o Jorge se houver algum problema.
— Sim senhora.
O elevador privativo da diretoria se abre no segundo subsolo do estacionamento. O estalo do salto alto de Suellen Souza ecoa entre os carros importados e os sensores de presença da garagem vão iluminado seu caminho. A chancela automática se levanta e o imponente veículo dirigido por ela deixa o centro empresarial, cruza pela Avenida, e segue o trajeto rumo aonde poucos podem adentrar. O Range Rover amarelo de Suellen Souza estaciona na vaga VIP do Shopping Rio Mar. Ela tem pressa, está atrasada para a sessão de pelling de pedras preciosas, última moda entre as mulheres da elite fortalezense. O HD Diamond and Ruby Peel, criado pelo esteticista Scott Vicent Borba, finalmente chegou para atender a reserva feita com antecedência. Como de costume, Suellen entra pelo salão “Best Look”, o mais baladeiro da cidade, marcando presença:
— Bom dia, mulheres maravilhosas desta cidade!
Rose, a gerente proprietária do badalado centro estético, recepciona sua amiga executiva com os braços abertos:
— Oi amor! não tão maravilhosas como você, mas deslumbrantes. Venha, seu lugar está reservado.
Suellen Souza segue, coloca a bolsa e os óculos escuros sobre o balcão, e se senta ao lado de Edilene Fortuna, que levanta o algodão dos olhos e sorri:
— Olha quem está aqui! Se não é a herdeira do império Souza. A mulher mais jovem, linda e poderosa de Fortaleza.
Suellen simboliza um coração com as mãos, e completa sorrindo:
— Esqueceu de dizer “Primeira aluna de turma da faculdade de administração e MBA feminina mais respeitada do mercado”. Linda e inteligente! O que mais você pode querer de uma amiga?
— Amiga, quero esses seus um metro e setenta e seis de altura, você está deslumbrante.
Rose ajeita a poltrona de Suellen e comenta com picardia:
— A coisa que mais adoro ver nas fotos das revistas é esse seu um metro e setenta e seis ao lado do nanico do Jorge. Aquele arrogante perde a pose quando você está de salto alto do lado dele.
As três caem na gargalhada e Suellen completa o comentário:
— As vezes faço questão de mostrar ao Jorge quem manda na empresa. Em algumas ocasiões ele se comporta achando, que por ser meu noivo e assessor direto do papai, pode ter mais voz ativa do que eu.
Rose confessa:
— Sabe amiga, eu respeito muito o fato dele ser seu noivo, mas não me peça para gostar dele. Destesto gente que esnoba os outros, olhando de cima para baixo.
Suellen sorri e comenta, também com picardia:
— Coitado, do jeito que o Jorge é baixinho, tirando você, ele não vai ter muitas pessoas para ficar esnobando.
Rose e Suellen dão várias gargalhadas. Rose se defende:
— Querida, sou baixinha mas sou feroz. Seu noivo que não se meta comigo.
As risadas continuam, quando Edilene muda o assunto:
— Suellen, meu amor, precisava mesmo te encontrar. Preciso começar a sua matéria. Meu editor está cobrando esse Top Trend: Suellen Souza: A herdeira do império Souza abre as portas da empresa e da sua nova cobertura.
Suellen rebate:
— Amiga, isso está formal demais. Coloca alguma coisa mais provocante como: Suellen Souza: A mulher que ao abrir suas portas, vê Fortaleza a seus pés!
— Maravilhoso, ou pode ser também: Alta, morena, cabelos cor de mel, olhos esverdeados, pele perfeita, rica, inteligente e poderosa: Suellen Sousa, um resumo da sedução e poder da mulher cearense.
— Minha nossa! — Diz Rose, empolgada, que segue: — Quantos adjetivos cabem nessa garota estrutural!
As amigas dão risadas animadas e a conversa tumultuada do salão vai ficando centralizada em Suellen Souza, centro das atenções onde quer que vá.
Enquanto aplica o peeling, Rose continua:
— E então querida, falando nesse assunto, quando será seu casamento com o chato do Jorge Mascarenhas?
Suellen sorri e é enfática na resposta:
— Amiga, isso ainda vai demorar muito. Você acha que vou largar minha vida noturna e a badalação a troco de casa, filhos e marido? Acho que só depois dos cinquenta é que vou pensar nisso.
As amigas caem de novo na gargalhada.
— Não se mexa muito querida. — Rose adverte, e continua: — Eu só pergunto porque você sabe como é o fuxico. Tenho ouvido nas “rodinhas” aqui do salão o comentário "Já fez vinte e sete anos, vai ficar solteirona. Rica e solteirona.” Principalmente quando a Sra. Souza vem aqui. As amigas conservadoras da sua mãe não dão sossego.
— Rose, você sabe que minha prioridade são as empresas do papai. Eu posso até pensar nisso, mas vagamente. Eu nem sei lhe dizer se amo mesmo o Jorge. Você se lembra como a gente começou. Namoro de adolescente com o assessor braço direito do papai. Papai pensa que me domina, mas eu tenho discernimento sobre isso faz tempo. Jorge é mais velho e experiente. Se aproximou de mim mais como uma segurança, para satisfazer a vontade de papai, do que necessariamente por amor.
Suellen respira, reflete um pouco e continua:
— Mas isso não importa, pois não acredito nessa coisa de paixão, nem nessa coisa de “ai, é o amor da minha vida!” Isso é coisa de novela. — Suellen dá risada e continua: — Na vida tudo tem sua conveniência. Conheço a conveniência e os interesses do Jorge. As pessoas precisam estar com alguém e eu concordo! E para mim está ótimo. O Jorge não reclama. Faz tudo que peço. Me trata como rainha e me leva para onde quiser. O que mais esperar de um marido?
As amigas em volta de Suellen apóiam.
Edilene Fortuna olha com ar de advertência e comenta:
— Amiga, você está corretíssima, mas o grande problema é aquele maldito bichinho da paixão. Quando dá sua picada, as coisas mudam.
Suellen faz cara de enjoô e convoca sua amiga:
— Nossa, Edilene! Que coisa mais brega. Você tá precisando é levar uma picadinha no cangote, para parar de ser tão romântica.
As amigas todas caem na gargalhada e Suellen agita:
— Amigas, querem saber de uma coisa? Não tem lugar melhor para levar picadinha no cangote do que a pista do Pub de Elite. E hoje é quarta-feira, então, quem for empoderada que me siga!
Edilene confirma:
— Huhúú! Balada de quarta feira à noite é a melhor opção.
Rose sorri e adverte Suellen:
— Não se mexa muito, querida. Vai trincar o peeling.
O elevador da presidência se abre. Senhor Souza caminha rodeado de assessores rumo à sala de reuniões. O diálogo com Jorge começa:— Onde está Suellen? Quero que ela seja mais participativa nestas reuniões.Jorge Mascarenhas tranquiliza senhor Souza, enquanto observa alguns relatórios:— Suellen tinha compromissos inadiáveis, mas estou ciente de qualquer informação que for necessária. Nós vibramos com muita sinergia.Senhor Souza retruca:— Nossa sinergia precisa vibrar é com os russos. Os cossacos estão irredutíveis. As coisas estão ficando confusas em Angola.Naquela manhã no Centro Empresarial o destino dos projetos da sucursal do grupo Souza em Angola serão definidos. O satélite AngolaSat1 feito
Suelen Souza está surtada. No Pub de Elite, ela desabafa com Edilene Fortuna.— Amiga, você não pode acreditar no que estou passando.— Eu imagino. África? Valha-me Deus.— Meu pai que mande o Jorge naquele fim de mundo. Sou muito nova para ser engolida por um tigre.— Minha nossa Suellen, o que vai ser dessa cidade com você do outro lado do oceano? Eu não tenho medo do seu pai. Vou subir a #ficaSuellen agora, no Instagram.— Obrigada, amiga, você me apoia sempre que preciso.Rose vê Suellen no bar, sai da pista de dança e chega assustada.— Amiga, que babado é esse que você vai embora prá África? Nossa, você terá que levar um contâiner de creme rinse, porque aquele semi-árido vai jud
Suellen prepara as malas. Está triste por ter que deixar a cidade. Ela olha pela janela do quarto de sua cobertura e admira as luzes da cidade de Fortaleza. Uma melancolia profunda lhe traz recordações e uma angústia doída aperta seu peito. Ela sabe que não pode permitir que sua vida social comprometa os interesses da empresa. Mas também sabe que será difícil suportar a ausência de suas amigas e da badalação. Suellen liga o Tablet e a imagem de Edilene aparece:— Olá amigas lindas e maravilhosas. Eu sou Edilene Fortuna e se você está assistindo esta live é porque faz parte do Canal “VIP Lindas e Maravilhosas”. Aquelas que tudo podem no canal mais quente de Fortaleza.Suellen suspira e solta um sorriso triste, por não estar na balada. Mesmo não tendo partido, se sente consumida pela saudade. Com um olhar de desânimo el
A limusine preta da presidência do Grupo Souza entra pelo estacionamento VIP da ala internacional do aeroporto de Fortaleza. O motorista circula o veículo e abre a porta traseira. Suellen Souza desce imponente, remexe os cabelos, se alinha no modelito Jean Verseni, e segue rumo ao saguão do aeroporto. Logo atrás o carregador se esforça para conduzir as malas empilhadas no carrinho de carga. Ao celular ela conversa com Rose:S: Sim amiga, sentirei muitas saudades. Não me espere para o Natal nem o revellion. Acredito que ficarei até depois do final do ano naquele lugar, sem conseguir retornar.R: Querida, torço por você e aguardamos ansiosas sua volta. Mande sempre notícias. Não esqueça as recomendações que lhe dei. O semi-árido resseca demais o cabelo.S: Tudo bem amiga, obrigado pelas dicas que você me deu. Preciso desligar, vou enco
Suellen está incomodada durante o voo. O garoto sentado ao seu lado fica insistentemente cutucando seu braço. Irritada, ela olha para a mãe do menino, fazendo uma expressão de que aquilo está incomodando. A senhora com vestes muçulmanas olha para a criança e sorri para Suellen, fazendo uma expressão de admiração. Suellen responde com um sorriso ameno e pensa consigo, ironicamente: “As crianças são lindas”. Suellen tenta olhar com paciência para o garoto, mas ela sabe que seu forte não é a simpatia por crianças. É filha única. Nunca teve primos ou sobrinhos, e não planeja ter filhos tão cedo.O celular de Suellen vibra. Ela recebe uma mensagem de Morrison.M: Bom dia, Senhora Suellen Souza. Aqui é o Morrison. Eu terei a honra em buscá-la no Aeroporto de M’banza Kongo. Já está tudo em orde
O calor escaldante faz a testa de Jason suar. Ele se abriga à sombra de uma Mulembra e admira tranquilo a paisagem. A comunidade está chegando no pátio da ONG AME -AngolaMaisEsperança, onde Mutaba Quituno é o presidente. Ele arruma o microfone, ajeita mais algumas cadeiras e pede para as crianças pararem de correr e se sentar. Ele acena a Jason:— Está tudo bem aí, senhor Jason? Começaremos em um instante.Jason acena sinalizando que está tudo em ordem.As pessoas idosas e os adultos humildemente trajados começam a se sentar sob a tenda armada no páteo da ONG. Mutaba liga o microfone, que emite um som estridente.— Alô, alô. Amigos, hoje temos a honra de receber o senhor Jason Fields, que é diretor de tecnologia de uma grande empresa em Luanda, nossa capital. E se alguém de vocês ainda não sabe, o senhor Jason é o n
“Cerca de 95% dos angolanos são africanos bantu, pertencentes a uma diversidade de etnias. Entre estas, a mais importante é a dos ovimbundu, que representam mais de um terço da população, seguidos dos ambundu, com cerca de um quarto, e os bakongo com mais de 10%”...Suellen está há algum tempo sentada no saguão do aeroporto em M’Banza-Kongo. Ela lê alguns panfletos turísticos sobre Angola, enquanto aguarda o carregador trazer suas malas.O carregador retorna, devolve o comprovante das malas e fica olhando para Suellen.Suellen não entende e pergunta:— Onde estão as minhas malas?O carregador responde, com um sotaque português diferente, mas compreensível:— Suas malas não estão no desembarque, senhora.Suellen joga os folhetos turísticos de volta na mesinha, pega os comprovantes e caminha
O aeroporto de M’Banza-Kongo vai ficando para trás. Suellen se distrai olhando as largas avenidas da cidade. Os carros trafegam para todos os lados de forma desordenada, assim como as pessoas. Há muitos comércios ambulantes pelas calçadas. Em um terreno grande muitos garotos jogam futebol e as pessoas trajam roupas muito diferentes do que Suellen costuma ver e usar nos shoppings centers e nas rodas sociais de Fortaleza. Enquanto Suellen admira a paisagem, Jason repara na bela mulher em que sua nova chefe se traduz. Suellen se sente observada e retoma atenção ao trajeto. Jason aponta para uma antiga construção, que lembra um velho templo.— A senhora está vendo aquela construção?Suellen ajeita os óculos escuros e observa:— O que era aquilo?Jason diminui a velocidade do Jipe e começa a explicar para Suellen o que aquele local representa. Ele vai m