O calor escaldante faz a testa de Jason suar. Ele se abriga à sombra de uma Mulembra e admira tranquilo a paisagem. A comunidade está chegando no pátio da ONG AME -AngolaMaisEsperança, onde Mutaba Quituno é o presidente. Ele arruma o microfone, ajeita mais algumas cadeiras e pede para as crianças pararem de correr e se sentar. Ele acena a Jason:
— Está tudo bem aí, senhor Jason? Começaremos em um instante.
Jason acena sinalizando que está tudo em ordem.
As pessoas idosas e os adultos humildemente trajados começam a se sentar sob a tenda armada no páteo da ONG. Mutaba liga o microfone, que emite um som estridente.
— Alô, alô. Amigos, hoje temos a honra de receber o senhor Jason Fields, que é diretor de tecnologia de uma grande empresa em Luanda, nossa capital. E se alguém de vocês ainda não sabe, o senhor Jason é o nosso maior doador. Hoje estamos comemorando um ano de existência e eu o convidei para mostrar o que estamos fazendo.
Jason caminha em direção à tenda, mas seu celular começa a vibrar. Ele para e atende:
JF: Alô, Jason Fields falando.
A: Senhor Jason? Boa tarde, aqui é o Arnold.
JB: Boa tarde, Arnold, em que posso ajudar?
A: Senhor Jason, aconteceu uma tragédia. O senhor Morrison morreu.
JB: Minha nossa! Como foi que isso aconteceu?
A: Foi no safari de Javalis. O senhor sabe que ele é competidor. Pois bem, parece que o rifle falhou e os javalis comeram ele.
JB: Pois é Arnold. Sempre tem um dia da caça e outro do caçador. Meus sentimentos.
A: O problema maior é que o senhor Morrison ficou encarregado de buscar a senhora Suellen Souza, no Aeroporto de M’Banza-Kongo.
JB: A nova chefe da empresa? Eu estou há alguns quilômetros, não terá problema se eu tiver que passar no Aeroporto para pegá-la.
A: Era isso que eu esperava ouvir do senhor.
JB: Fique tranquilo, Arnold. Eu preciso terminar algumas entregas de suprimentos nos projetos sociais. Eu vou até M'Banza Kongo, pego a chefe nova no Aeroporto e seguimos juntos rumo a Luanda.
A: Senhor Jason, do jeito que os fatos ocorreram, eu só posso lhe agradecer. O senhor está salvando a situação.
JB: Fique tranquilo, Arnold. Eu busco a nova chefe. Agora preciso desligar.
A: Muito obrigado.
Jason desliga o celular, segue caminhando e cumprimenta Mutaba.
— Perdoem-me pela interrupção. Aconteceu um imprevisto na empresa.
— Não foi nada, senhor Jason. Estamos felizes com sua presença.
Mutaba pega o microfone e continua:
— Amigos, em nome de toda nossa comunidade, agradeço ao senhor Jason Field pelos mantimentos e suprimentos doados mensalmente ao projeto social. Alimentamos mais de cinquenta famílias e fornecemos apoio educacional e profissional àqueles que necessitam. Nada disso seria possível se não fosse a generosidade do senhor Jason em custear nossa ONG. Por isso, queremos mostrar nossa gratidão através dessa humilde e sincera homenagem.
Os presentes aplaudem Jason Fields, que se levanta e recebe das crianças um quadro desenhado, uma bata africana e um turbante colorido, todos feitos artesanalmente pela comunidade. Jason veste a bata e coloca o turbante. Pega o microfone e começa a falar:
— Obrigado por esses lindos presente. Vou colocar esse lindo quadro na parede da minha casa. Obrigado pelas suas palavras, meu bom amigo Mutaba. Mas os agradecimentos não são necessários. O que eu faço por vocês é o que todo angolano mais afortunado e consciente deve fazer pela sua comunidade.
Os presentes aplaudem e Jason continua:
— Se todos doássemos um pouco do nosso tempo e do nosso dinheiro às causas humanitárias, Angola já teria superado muitos problemas e estaria melhor colocada nos índices da ONU. Nós somos um grande país, que só precisa de ações conscientes para tirar seu povo da miséria e colocar as crianças nas escolas. Eu luto por esse sonho de ver Angola mais desenvolvida e com oportunidades iguais para todos.
As pessoas se levantam e aplaudem novamente. Jason agradece e devolve o microfone. Mutaba, o presidente da ONG, o abraça e leva para dentro das dependências da escola. Jason acena e se despede das pessoas.
Mutaba abre a sala de informática recém construída e eles conversam:
— Eu lhe sou muito grato, Jason. Os suprimentos serão suficientes para montar a sala de informática para os jovens. Nós seremos eternamente gratos pela sua bondade.
— Vocês não precisam agradecer. Espero poder contribuir cada vez mais com todas as tribos e comunidades da região.
— Que você tenha sempre muita proteção divina para continuar esse trabalho. Você é um jovem talentoso e se tornou uma pessoa importante para o país.
Mutaba serve água a Jason e prossegue:
— Imagine só, aquele garoto que eu conheci, que adorava desmontar os relógios, agora constrói satélites para o país. Esse seu destino tem um propósito.
— Eu acredito nisso, Mutaba. O mundo em que vivo é cheio de disputas, mas é um mundo que não podemos nos afastar. A tecnologia e o progresso trazem os investimentos que proporcionam boas coisas para todos nós.
Mutaba olha para as pessoas conversando, e as crianças brincando no pátio da ONG, e comenta:
— Para que todos possamos viver em paz, basta que exista mais responsabilidade com aqueles que possuem menos oportunidades.
— E que não haja tanta ganância. — Complementa Jason.
Os amigos se abraçam em despedida. Jason precisa partir para entregar suprimentos em outros projetos sociais, além de cumprir um compromisso a mais: buscar Suellen Souza no aeroporto de M’Banza-Kongo.
A comunidade está toda na porta da ONG. Todos acenam felizes. Jason entra em seu Jipe Land Rover. Acena mais uma vez e parte em direção à M’Banza-Kongo.
“Cerca de 95% dos angolanos são africanos bantu, pertencentes a uma diversidade de etnias. Entre estas, a mais importante é a dos ovimbundu, que representam mais de um terço da população, seguidos dos ambundu, com cerca de um quarto, e os bakongo com mais de 10%”...Suellen está há algum tempo sentada no saguão do aeroporto em M’Banza-Kongo. Ela lê alguns panfletos turísticos sobre Angola, enquanto aguarda o carregador trazer suas malas.O carregador retorna, devolve o comprovante das malas e fica olhando para Suellen.Suellen não entende e pergunta:— Onde estão as minhas malas?O carregador responde, com um sotaque português diferente, mas compreensível:— Suas malas não estão no desembarque, senhora.Suellen joga os folhetos turísticos de volta na mesinha, pega os comprovantes e caminha
O aeroporto de M’Banza-Kongo vai ficando para trás. Suellen se distrai olhando as largas avenidas da cidade. Os carros trafegam para todos os lados de forma desordenada, assim como as pessoas. Há muitos comércios ambulantes pelas calçadas. Em um terreno grande muitos garotos jogam futebol e as pessoas trajam roupas muito diferentes do que Suellen costuma ver e usar nos shoppings centers e nas rodas sociais de Fortaleza. Enquanto Suellen admira a paisagem, Jason repara na bela mulher em que sua nova chefe se traduz. Suellen se sente observada e retoma atenção ao trajeto. Jason aponta para uma antiga construção, que lembra um velho templo.— A senhora está vendo aquela construção?Suellen ajeita os óculos escuros e observa:— O que era aquilo?Jason diminui a velocidade do Jipe e começa a explicar para Suellen o que aquele local representa. Ele vai m
O solavanco do Jipe faz Suellen acordar. Ela tenta se encontrar e lembrar onde está. Olha em volta, ainda vê a mesma paisagem que, ao cair da tarde, faz com que o amarelo da savana ferva em vermelho, como se o fogo estivesse consumindo o horizonte. Ela admira aquele retrato e pergunta:— Onde estamos, Jason? Estamos chegando em Luanda?— Você dormiu bastante. Estamos chegando em N’Zeto, metade do caminho. Daqui a pouco vai anoitecer. Acho melhor pararmos em um hotel, para você tomar um bom banho e descansar. Amanhã cedo vou fazer algumas entregas e finalmente partimos a Luanda.— Estou tão cansada que não tenho como discordar de você.— Sim, você precisa descansar para finalmente chegar em Angola.Suellen se curva e olha Jason, tentando compreender:— O que você quer dizer com finalmente chegar em Angola?Jason sorri:— Voc
Jason está arrumado, passa pela recepção e chama o gerente:Carlos, estarei no restaurante aguardando a senhorita Suellen. Por favor, sirva aquele funge de peixe maravilhoso. Estou certo que ela irá gostar.— Pode deixar, senhor Jason. Vou servir um mututo de entrada e nosso delicioso funge de peixe. Para beber vamos preparar uma refrescante quissangua.— Está ótimo. Tudo típico e tradicional.Jason escolhe a mesa e se acomoda no restaurante. Enquanto espera por Suellen, faz algumas anotações no tablet.O gerente organiza os papéis na recepção quando é interrompido pela voz de Suellen.— Por favor, onde fica o restaurante do hotel?O gerente se vira. Quando fita Suellen, arregala os olhos e sua voz se aveluda com sua beleza.— Por aqui, senhorita. Me siga, por favor.Jason continua suas anotaçõ
O café da manhã está servido no restaurante. Suellen está sentada, degustando frutas típicas. O sabor do maboque e da lombula a encantam. Suco de manga, pitanga e goiaba, pães e rosquinhas completam a mesa farta.Carlos transmite o recado para Suellen:— Bom dia senhora Suellen. O senhor Jason tomou um café rápido e partiu para a entrega de suprimentos aos pescadores.Na praia, diversas caixas de suprimentos são entregues na sede da associação dos pescadores. Marlon, o presidente da associação de pesca, agradece:— Muito obrigado, senhor Jason. A pesca está quase parada, pela falta de suprimentos. Os projetos do governo estão escassos. Eles querem pagar subsídios cada vez mais baixos para nossa atividade. Os pescadores se negam a continuar, se as coisas ficarem assim.— Eu enviei aos deputados algumas propostas para cria
Do outro lado do oceano, o pátio do shopping Rio-Mar continua recebendo glamourosamente a elite fortalezense. Apesar do movimento constante, Rose sente a ausência de Suellen Souza. Sua ida para Angola deixou um vazio no centro estético Best Look. Rose lamenta com Edilene a saudade e a falta de notícias da amiga. Edilene Fortuna, cliente tradicional, está confortavelmente estirada na cadeira do centro estético, enquanto Rose aplica o tratamento de beleza facial.Rose relembra, e instiga a amiga:— Edilene querida, você acha que devo telefonar para Suellen? É um pouco invasivo, mas estou preocupada com toda essa falta de notícias. A Sra. Souza esteve aqui e disse que também não recebeu notícias da filha. Suellen não postou mais nada nas redes sociais. Sequer enviou uma mensagem.Totalmente relaxada, Edilene comenta, com a voz mole:— Não se preocupe,
Na sala da Presidência do centro empresarial Souza, Jorge Mascarenhas olha o litoral cearense por uma das janelas. Ele está sozinho, falando ao telefone com Arnold. Jorge está aos berros:J: Como assim, ela ainda não está na empresa? Ela não foi direto de M’Banza Kongo?A: Infelizmente o Senhor Jason tinha alguns compromissos em N’Zeto e era a única opção disponível. Não podíamos prever a tragédia que iria acontecer com o senhor Morrison.J: Tudo bem Arnold, sabe de uma coisa? Pouco me importa onde ela se meteu. O que importa é que não podemos cometer falhas. Se preocupe em não deixar nenhum rastro da documentação nos arquivos e computadores da empresa. Assim que ela começar as tratativas com os russos, eu quero que você me diga exatamente tudo o que está acontecendo nas reuniões
O Jipe de Jason corta a estrada e se aproxima do acesso para Luanda. Ao longe Suellen observa as torres residenciais do bairro Miramar, o mais nobre da cidade. As janelas prateadas das torres residenciais espelham o sol forte, contrastando com os bairros pobres que preenchem o resto da capital. Do outro lado, a faixa litorânea mostra o mar infinito que marca todo horizonte e se confunde com o azul do céu. No centro empresarial de Luanda, as torres empresariais enfileiradas à beira mar parecem olhar para o infinito, como se pensassem sobre o futuro de Angola. O Jipe entra na cidade. O trânsito é caótico. A Land Rover empoeirada de Jason contrasta, nas avenidas da parte nobre da capital, com os variados modelos de luxo e SUV importados. Os últimos modelos de BMW, Porsche, Range Rover, Audi e Mercedes Benz desfilam por aquele trânsito confuso. Suellen se admira com a qualidade e o bom gosto dos automóveis:— Quant