A limusine preta da presidência do Grupo Souza entra pelo estacionamento VIP da ala internacional do aeroporto de Fortaleza. O motorista circula o veículo e abre a porta traseira. Suellen Souza desce imponente, remexe os cabelos, se alinha no modelito Jean Verseni, e segue rumo ao saguão do aeroporto. Logo atrás o carregador se esforça para conduzir as malas empilhadas no carrinho de carga. Ao celular ela conversa com Rose:
S: Sim amiga, sentirei muitas saudades. Não me espere para o Natal nem o revellion. Acredito que ficarei até depois do final do ano naquele lugar, sem conseguir retornar.
R: Querida, torço por você e aguardamos ansiosas sua volta. Mande sempre notícias. Não esqueça as recomendações que lhe dei. O semi-árido resseca demais o cabelo.
S: Tudo bem amiga, obrigado pelas dicas que você me deu. Preciso desligar, vou encontrar o Jorge no saguão. Ele está verificando se os papéis estão em ordem.
R: Amiga, te amamos. Que corra tudo bem em Angola.
S: Amo vocês também, fiquem juntas e fortes.
Suellen avista Jorge no balcão do check-in internacional e vai em sua direção.
— Está tudo em ordem, como pedi, Jorge? Primeira classe e voo sem escala?
— Bom dia, meu amor.
Jorge se aproxima de Suellen para beijá-la. Suellen se antecipa e dá um beijo rápido e sem emoção em sua boca. Jorge se ajeita, encolhe os ombros, mostra a documentação e comenta sem jeito:
— Tivemos um pequeno contratempo, meu anjo, mas, enfim, todos os destinos levam à Luanda.
— Que tipo de contratempo, Jorge?
— Houve um engano com a companhia aérea e perdemos a reserva para o voo direto. Não será possível. Você terá que fazer uma escala em Lisboa, lamento, mas serão dezessete horas a mais.
Suellen olha Jorge fixamente. Seus olhos esverdeados estão saltados. Ela custa acreditar no que está ouvindo e questiona:
— O que é isso Jorge? Você acha que eu sou malote dos correios para ficar dezessete horas dentro de um avião?
— Calma, tem mais um problema meu bem.
— Nossa, o que mais meu destino pode esperar da sua incompetência Jorge?
— O voo não descerá em Luanda. Mas fique tranquila, o traslado já foi providenciado.
Suellen está possessa. No saguão do aeroporto ela balança a cabeça e seus cabelos tremulam. O ódio a está consumindo por dentro. Suas sobrancelhas sobem, a respiração se eleva e ela começa a recapitular aquele inferno:
— Vamos ver se estou entendendo, Jorge. Vou ficar trancada dentro de um avião por mais de dezessete horas e então vou desembarcar em um aeroporto sabe-se lá onde no meio da África para pegar um traslado até Luanda. É essa a minha realidade?
Jorge engole seco e lamenta aquela situação com o olhar:
— Sinto muito meu amor. Você vai descer no aeroporto de Mi... Mi...
Jorge gagueja para ler o nome do aeroporto. Ele recomeça.
— M’Banza-Kongo, é isso. Mas não se preocupe, um executivo da empresa estará no local em prontidão, à sua espera.
Suellen segura a testa e continua balançando a cabeça.
— Ainda bem que alguém irá me buscar, porque não vou nem conseguir pronunciar o nome do lugar onde estarei.
— Eu lhe peço perdão, amor. Já demiti o incompetente que cometeu essa falha. Mas não vai ter outro jeito. Foi o melhor que pude fazer para consertar a situação e fazer você chegar em Luanda a tempo. A pressão dos Russos é muito grande. Não dava para adiar sua ida.
Jorge tenta abraçar Suellen, que se afasta delicadamente. Ela está irada; pega os documentos e sai pisando duro para a ala VIP de embarque. Jorge a persegue. Logo atrás vem o carregador, com o carrinho de malas.
Suellen abre sua bolsa Luis Piton e joga o comprovante de despacho das malas dentro. Ela para na entrada do embarque internacional, vira para Jorge e adverte:
— Jorge, providencie para que tenha alguém nesse aeroporto, quando eu desembarcar. Não quero ficar sozinha esperando alguém me resgatar no meio da savana.
— Fique tranquila meu amor, o Morrison é nosso Diretor de Marketing, ele se comprometeu a ir buscá-la com o carro da presidência. Uma linda Mercedes Benz zero quilometro.
O sistema de som anuncia o embarque para o voo Fortaleza-Lisboa, Suellen, ainda irritada, pega o cartão de embarque na mão e se despede de Jorge de forma fria.
— Bom, hora de embarcar.
Jorge se aproxima de Suellen para beijá-la. Suellen se antecipa e dá um beijo rápido e sem emoção em sua boca. Jorge a segura pelo braço e a fita com um olhar submisso e de tristeza.
— Meu amor, me perdoe. Você sabe o quanto eu te amo. Eu sei que às vezes as coisas saem errado, mas eu me esforço. Você é meu mundo, sem você eu não teria mais motivação para continuar a viver.
Suellen se agita, mas cede ao carinho de Jorge, se deixando abraçar.
— Está bem Jorge, às vezes sou explosiva demais. Eu sei que você se esforça para que tudo dê certo. Eu preciso ser mais tolerante quando as coisas saem fora do planejado.
Jorge dá um beijo na boca de Suellen, apertando-a com um abraço envolvente. Suellen se deixa envolver, mas logo interrompe o momento.
— Ok. Está na hora do meu embarque. Cuide bem do papai. Avise que, assim que eu chegar em Luanda, faço contato.
— Pode deixar, meu bem, tomarei conta de tudo.
Suellen entra pela plataforma do embarque internacional. Jorge acena e observa a noiva desaparecer através da porta automática. Ele acena de novo, desta vez para o nada. Ele pega o celular, faz uma ligação e segue caminhando, enquanto fala:
J: Alô, Arnold? Escuta, consegui retardar a chegada da Suellen em dois dias. Faça o possível para consertar as coisas aí, de modo que ela não desconfie de nada. Trate de limpar os arquivos de computador e as prateleiras.
A: Entendido, senhor Jorge. Vou deixar tudo limpo. A senhora Suellen não desconfiará de nada.
J: Mesmo eu não estando aí, trate de dizer aos deputados que tudo continua de pé. As comissões serão pagas da forma combinada e tudo continuará como sempre foi.
A: E os pagamentos em espécie, quem levará o dinheiro?
J: Arnold, é você quem vai dar um jeito de fazer esses pagamentos, aí em Angola e aqui no Brasil. O velho me quer do lado dele, não posso dar moleza.
A: Compreendo senhor Jorge. E quanto à mudança nos novos contratos de importação e prestação de serviços aos Russos?
J: Tudo será como planejado. Diga aos deputados que não fiquem preocupados. Todos receberão suas participações dentro do combinado. Assim que a Suellen assumir o posto dela na empresa, me avise sobre todos os movimentos que ela fizer.
A: Está feito, senhor Jorge. Pode confiar.
J: Você sabe tudo que está em jogo. Não pode haver falhas. Me mantenha informado sobre tudo.
Jorge Mascarenhas desliga o celular, ergue o queixo e olha para seu reflexo no vidro do saguão. Ele se admira com soberba. Fica observando a pista de decolagem e vê o avião de Suellen partir. Jorge respira com arrogância. Tudo está indo bem, ele se sente poderoso e no controle da situação.
Suellen está incomodada durante o voo. O garoto sentado ao seu lado fica insistentemente cutucando seu braço. Irritada, ela olha para a mãe do menino, fazendo uma expressão de que aquilo está incomodando. A senhora com vestes muçulmanas olha para a criança e sorri para Suellen, fazendo uma expressão de admiração. Suellen responde com um sorriso ameno e pensa consigo, ironicamente: “As crianças são lindas”. Suellen tenta olhar com paciência para o garoto, mas ela sabe que seu forte não é a simpatia por crianças. É filha única. Nunca teve primos ou sobrinhos, e não planeja ter filhos tão cedo.O celular de Suellen vibra. Ela recebe uma mensagem de Morrison.M: Bom dia, Senhora Suellen Souza. Aqui é o Morrison. Eu terei a honra em buscá-la no Aeroporto de M’banza Kongo. Já está tudo em orde
O calor escaldante faz a testa de Jason suar. Ele se abriga à sombra de uma Mulembra e admira tranquilo a paisagem. A comunidade está chegando no pátio da ONG AME -AngolaMaisEsperança, onde Mutaba Quituno é o presidente. Ele arruma o microfone, ajeita mais algumas cadeiras e pede para as crianças pararem de correr e se sentar. Ele acena a Jason:— Está tudo bem aí, senhor Jason? Começaremos em um instante.Jason acena sinalizando que está tudo em ordem.As pessoas idosas e os adultos humildemente trajados começam a se sentar sob a tenda armada no páteo da ONG. Mutaba liga o microfone, que emite um som estridente.— Alô, alô. Amigos, hoje temos a honra de receber o senhor Jason Fields, que é diretor de tecnologia de uma grande empresa em Luanda, nossa capital. E se alguém de vocês ainda não sabe, o senhor Jason é o n
“Cerca de 95% dos angolanos são africanos bantu, pertencentes a uma diversidade de etnias. Entre estas, a mais importante é a dos ovimbundu, que representam mais de um terço da população, seguidos dos ambundu, com cerca de um quarto, e os bakongo com mais de 10%”...Suellen está há algum tempo sentada no saguão do aeroporto em M’Banza-Kongo. Ela lê alguns panfletos turísticos sobre Angola, enquanto aguarda o carregador trazer suas malas.O carregador retorna, devolve o comprovante das malas e fica olhando para Suellen.Suellen não entende e pergunta:— Onde estão as minhas malas?O carregador responde, com um sotaque português diferente, mas compreensível:— Suas malas não estão no desembarque, senhora.Suellen joga os folhetos turísticos de volta na mesinha, pega os comprovantes e caminha
O aeroporto de M’Banza-Kongo vai ficando para trás. Suellen se distrai olhando as largas avenidas da cidade. Os carros trafegam para todos os lados de forma desordenada, assim como as pessoas. Há muitos comércios ambulantes pelas calçadas. Em um terreno grande muitos garotos jogam futebol e as pessoas trajam roupas muito diferentes do que Suellen costuma ver e usar nos shoppings centers e nas rodas sociais de Fortaleza. Enquanto Suellen admira a paisagem, Jason repara na bela mulher em que sua nova chefe se traduz. Suellen se sente observada e retoma atenção ao trajeto. Jason aponta para uma antiga construção, que lembra um velho templo.— A senhora está vendo aquela construção?Suellen ajeita os óculos escuros e observa:— O que era aquilo?Jason diminui a velocidade do Jipe e começa a explicar para Suellen o que aquele local representa. Ele vai m
O solavanco do Jipe faz Suellen acordar. Ela tenta se encontrar e lembrar onde está. Olha em volta, ainda vê a mesma paisagem que, ao cair da tarde, faz com que o amarelo da savana ferva em vermelho, como se o fogo estivesse consumindo o horizonte. Ela admira aquele retrato e pergunta:— Onde estamos, Jason? Estamos chegando em Luanda?— Você dormiu bastante. Estamos chegando em N’Zeto, metade do caminho. Daqui a pouco vai anoitecer. Acho melhor pararmos em um hotel, para você tomar um bom banho e descansar. Amanhã cedo vou fazer algumas entregas e finalmente partimos a Luanda.— Estou tão cansada que não tenho como discordar de você.— Sim, você precisa descansar para finalmente chegar em Angola.Suellen se curva e olha Jason, tentando compreender:— O que você quer dizer com finalmente chegar em Angola?Jason sorri:— Voc
Jason está arrumado, passa pela recepção e chama o gerente:Carlos, estarei no restaurante aguardando a senhorita Suellen. Por favor, sirva aquele funge de peixe maravilhoso. Estou certo que ela irá gostar.— Pode deixar, senhor Jason. Vou servir um mututo de entrada e nosso delicioso funge de peixe. Para beber vamos preparar uma refrescante quissangua.— Está ótimo. Tudo típico e tradicional.Jason escolhe a mesa e se acomoda no restaurante. Enquanto espera por Suellen, faz algumas anotações no tablet.O gerente organiza os papéis na recepção quando é interrompido pela voz de Suellen.— Por favor, onde fica o restaurante do hotel?O gerente se vira. Quando fita Suellen, arregala os olhos e sua voz se aveluda com sua beleza.— Por aqui, senhorita. Me siga, por favor.Jason continua suas anotaçõ
O café da manhã está servido no restaurante. Suellen está sentada, degustando frutas típicas. O sabor do maboque e da lombula a encantam. Suco de manga, pitanga e goiaba, pães e rosquinhas completam a mesa farta.Carlos transmite o recado para Suellen:— Bom dia senhora Suellen. O senhor Jason tomou um café rápido e partiu para a entrega de suprimentos aos pescadores.Na praia, diversas caixas de suprimentos são entregues na sede da associação dos pescadores. Marlon, o presidente da associação de pesca, agradece:— Muito obrigado, senhor Jason. A pesca está quase parada, pela falta de suprimentos. Os projetos do governo estão escassos. Eles querem pagar subsídios cada vez mais baixos para nossa atividade. Os pescadores se negam a continuar, se as coisas ficarem assim.— Eu enviei aos deputados algumas propostas para cria
Do outro lado do oceano, o pátio do shopping Rio-Mar continua recebendo glamourosamente a elite fortalezense. Apesar do movimento constante, Rose sente a ausência de Suellen Souza. Sua ida para Angola deixou um vazio no centro estético Best Look. Rose lamenta com Edilene a saudade e a falta de notícias da amiga. Edilene Fortuna, cliente tradicional, está confortavelmente estirada na cadeira do centro estético, enquanto Rose aplica o tratamento de beleza facial.Rose relembra, e instiga a amiga:— Edilene querida, você acha que devo telefonar para Suellen? É um pouco invasivo, mas estou preocupada com toda essa falta de notícias. A Sra. Souza esteve aqui e disse que também não recebeu notícias da filha. Suellen não postou mais nada nas redes sociais. Sequer enviou uma mensagem.Totalmente relaxada, Edilene comenta, com a voz mole:— Não se preocupe,