Catarina
Eu sempre sonhei com um grande amor. Idealizava aqueles romances novelescos, repletos de clichês e banhados por calda de açúcar. Queria as frases-feitas, as declarações cafonas, o fogo incontrolável das paixões desmedidas. E, claro, tudo isso com direito a músicas de fundo emocionantes, igualzinho aos romances das telinhas.
Mas, com 23 anos, o máximo que consegui foram uns beijos xoxos e atrapalhados, em uns caras absolutamente sem graça. Nada que me desse palpitações nem despertasse os meus devaneios. É justo ressaltar que a marcação cerrada dos meus pais e o fato de morar em uma cidade pequena também não ajudam muito os meus planos românticos.
Enquanto penso na falta de emoção da minha vida, salto do ônibus e ando os dois quilômetros de estrada de terra que me deixam na porta de casa. Todos os dias, faço esse trajeto, na ida e na volta da faculdade em Vassouras, que fica a vinte minutos de Cinco Lagos, bairro de Mendes em que moro desde pequena.
Só que hoje, ao me aproximar do portão, vejo um carro pomposo e percebo que temos visita. Quando entro, dou de cara com Heitor Vasconcelos, o todo-poderoso juiz da cidade, tomando café na minha sala.
Por um momento, fico assustada, pensando nas dívidas do meu pai e na sua doença, que se torna cada dia mais evidente. Será que é por isso que Heitor está aqui? Dizem que ele manda e desmanda em tudo e em todos, controlando o destino dos mendenses ao seu bel-prazer. Para ser sincera, eu nunca prestei atenção. Até porque não tive coragem para isso. A sua figura e a sua fama parecem exigir certa distância e até uma espécie de reverência.
Mas, hoje, aqui na minha casa, ele parece só um homem comum. Está relaxado, sorridente e lançando o seu olhar na minha direção. E, pela primeira vez, noto que ele tem um quê interessante: o queixo angulado e os olhos expressivos.
Depois que ele vai embora, meu pai não consegue segurar a sua euforia. Vem me chamar no quarto, pede para a minha mãe parar de cozinhar e, sem nenhum preâmbulo, solta:
— Catarina, o Doutor Heitor está interessado em você. Ele quer frequentar a nossa casa para te conhecer melhor.
Minha mãe dá um grito, enquanto deixa o pano de prato cair no chão. Então, os dois me olham, cheios de expectativa, prontos para a minha reação.
Fico sem saber o que sentir e, principalmente, o que pensar. Nunca, em nenhuma fantasia louca da minha cabeça, imaginei me relacionar com um homem como ele. Fora que conversar com meu pai, antes de falar comigo, é algo surreal para os dias de hoje. Eu me sinto dentro de um romance de Jane Austen.
Por outro lado, pondero que ele é atraente, bem-sucedido e poderoso. E parece gentil. Também penso que faz muito tempo que não vejo os meus pais sorrirem. Por eles, eu poderia me esforçar. Afinal, o que teria a perder?
Preciso conhecê-lo melhor, mas quem sabe essa não é uma boa chance de viver o meu tão esperado amor? Lá no fundo, começo a sentir uma empolgação se formar na boca do estômago. Parece que a minha hora está, enfim, chegando.
Março de 2015 Catarina Hoje, faz dez anos que me casei com Heitor. Ou seja, é aniversário de uma década em que vivo no Inferno. Desde a primeira noite, ele só piorou. Cada dia mais agressivo, raivoso e desequilibrado. A impressão que tenho é que passa o dia encarnando um personagem e, quando chega em casa, desconta em mim tudo aquilo que foi obrigado a guardar. Algumas vezes, basta olhá-lo para dar início a xingamentos, que logo se transformam em tapas, socos e pontapés. Durante todo esse tempo, sou escrava das suas vontades e sirvo de saco de pancada para as suas frustrações. Pesquisei a fundo e descobri que ele tem o chamado Transtorno da Aversão Sexual, que faz com que as pessoas realmente tenham horror a qualquer contato íntimo. Mas esse é apenas um pequeno problema do meu marido; algo que acontece com muitas pessoas boas todos os dias. A r
Março de 2005CatarinaChega o grande dia. Nem acredito que já se passaram oito meses desde a primeira visita de Heitor. De lá para cá, ele vem me visitar regularmente, sempre cortês, sorridente e bajulador. Elogia a minha roupa, comenta sobre o meu cabelo, quer saber sobre o meu dia.Faz sete meses que ele paga o tratamento médico do meu pai, arcando com todas as despesas do plano de saúde e garantindo as medicações necessárias ao seu bem-estar. Saber disso deixa o meu coração mais leve e faz com que cresça a minha admiração pelo homem com quem vou me casar.Nunca ficamos realmente a sós, e entendo que é por respeito ao meu pai. Ele quer fazer tudo certo, como manda o figurino. Acho que, por essa razão, estou tão nervosa
Theo “Que mulher é aquela?”, penso enquanto chego em casa, completamente embasbacado. Nunca fiquei tão hipnotizado por alguém, principalmente sendo mais velha. E casada. Mas conhecer Catarina foi um alento em uma noite que eu já dava como perdida. Não bastasse termos de nos mudar para este fim de mundo, abandonando a minha vida social e todos os meus amigos, ainda sou obrigado a ir a um jantar na casa do prefeito. Eu me sinto em 1920! Só que o evento cheio de chatices e formalidades reservava uma surpresa e tanto: a mulher mais perfeita que eu já vi. E olha que já vi foi mulher nessa vida. Não é à toa que tenho fama de garanhão, pegador, mulherengo, cafajeste, enfim, o nome que quiserem dar. A verdade é que sou jovem, rico, solteiro e cheio de saúde. Não prometo nada que não pretenda cumprir e nunca, em nenhuma hipótese, engano as meninas. Quem cai na minha cama vem porque quer. E confesso que, ultimamente, eu
Catarina Entro em casa já esperando a agressão. Heitor se aproxima e, em um gesto automático, encolho os ombros. Mas ele não me bate. Apenas segue para o banheiro, toma banho e se deita, parecendo me ignorar. Eu me arrumo para dormir, mas o sono está cada vez mais distante. Estou agitada e simplesmente não consigo tirar a imagem de Theo da minha cabeça. O porte, o corpo e, sobretudo, aqueles olhos. Imagino como deve ser tocar aquela pele bronzeada, encostar os lábios naquela boca proeminente, sentir o cheiro que o seu suor exala. Quanto mais imagens se formam na minha cabeça, menos eu consigo relaxar. Sinto como se estivesse correndo uma maratona: a boca seca e o coração disparado. “Ele &
Theo Beijar Catarina é como estar no céu. É mágico, doce e, ao mesmo tempo, quente. Traz desespero, mas também sossego. A sua boca é ainda mais deliciosa do que eu poderia imaginar: carnuda e muito macia. E, quando a sua língua brinca com a minha, quase perco a noção dos sentidos. Tudo que desejo é sentir cada pedaço do seu corpo, beijar cada centímetro da sua pele. Quero que ela sinta prazer com o meu toque e anseio estar dentro dela, inteiro, entregue, completo. Só que, de repente, ela me empurra. Está ofegante, descabelada e com um olhar amedrontado. – Theo, pelo amor de Deus! Sou casada. E você é apenas um menino. A gente está no meio da estrada, e todos me conhecem por aqui. Já imaginou se alguém me vê? – ela fala, esbaforida, levando a mão à testa. – Calma, Catarina. Aconteceu porque nós dois estamos sentind
Catarina Chego à casa dos meus pais ainda cedo. Há duas noites, não consigo dormir, mexida com o beijo de Theo e preocupada em ter de ir à casa dele no sábado. Ao olhar o lugar em que passei a minha infância, observo a má conservação da fachada. Está velha e mal cuidada como os seus habitantes, infelizmente. Embora Heitor não deixe faltar comida e remédio para os meus pais, todo o resto fica de fora. Eles não têm qualquer tipo de conforto ou luxo: apenas o básico para que sobrevivam com dignidade. Encontro papai deitado no sofá surrado da sala, com a pele meio amarelada. Está ainda mais abatido do que na última vez em que o visitei, com olheiras que contornam as pálpebras e lhe dão uma aparência cansada. É como se continuar vivo exigisse dele um esforço sobre-humano, que arranca a sua energia e mina as suas força
TheoFico alucinado pela imagem de Catarina em um vestido cereja, que marca toda a perfeição do seu corpo. O cabelo está mais liso e o rosto tem uma maquiagem leve, que ressalta a beleza dos seus traços. Vou cumprimentá-la com uma certa cerimônia, mas todos os meus instintos querem arrastá-la daquela sala, conduzi-la ao meu quarto e beijá-la por horas a fio. Seguro o ímpeto de tomá-la para mim e finjo uma tranquilidade que, definitivamente, não sinto.***Passo boa parte da noite espreitando Catarina e tentando achar uma brecha para ficarmos a sós. Quando a vejo caminhando pelo jardim, com uma taça na mão, imediatamente começo a procurar pelo babaca do Heitor. Mesmo sem conhecê-lo direito, alguma coisa me diz que tem algo errado com aquele cara. E não é apenas o ci
CatarinaMando a mensagem para Theo e, assim que ele a visualiza, a apago. Faço questão de esvaziar a lixeira e confiro, várias vezes, se me desfiz de todos os rastros. Ainda não acredito que estou fazendo isso; que vou mesmo encontrá-lo no chalé. Sinto um misto de medo e empolgação, com a adrenalina subindo pelo meu corpo e me deixando com um frio gostoso na barriga.***Chego em casa imaginando como será vê-lo no dia seguinte e projetando mil cenários diferentes. Mas preciso de lucidez: não posso ceder à tentação, pois a minha vida e a dos meus pais estão em jogo. Heitor está calado desde a saída da festa, o tempo todo com o semblante fechado. Alguma coisa no brunch deve tê-lo desagradado e espero, muito, que não tenha sido eu.Ele vai até a co