Catarina
Entro em casa já esperando a agressão. Heitor se aproxima e, em um gesto automático, encolho os ombros. Mas ele não me b**e. Apenas segue para o banheiro, toma banho e se deita, parecendo me ignorar.
Eu me arrumo para dormir, mas o sono está cada vez mais distante. Estou agitada e simplesmente não consigo tirar a imagem de Theo da minha cabeça. O porte, o corpo e, sobretudo, aqueles olhos. Imagino como deve ser tocar aquela pele bronzeada, encostar os lábios naquela boca proeminente, sentir o cheiro que o seu suor exala. Quanto mais imagens se formam na minha cabeça, menos eu consigo relaxar. Sinto como se estivesse correndo uma maratona: a boca seca e o coração disparado.
“Ele é só um menino”, me censuro em pensamento. Mas nem essa constatação é capaz de afastar a reviravolta que Theo causa na minha imaginação. É... hoje vai ser difícil dormir. E, para ser realmente sincera, eu não sei se quero. Afinal, sonhar acordada é tudo o que posso fazer. E, definitivamente, ninguém pode m****r nos meus devaneios. Eles são a única coisa que efetivamente me pertencem.
***
Duas semanas se passam, e sigo a minha rotina sem graça. Mas, naquela manhã, Heitor me dá uma notícia que reacende aquele fogo dentro de mim.
– No sábado, os cariocas vão fazer um open house para inaugurar a casa nova. Vai ser um brunch. Preciso que compre um presente bem bonito para eles. O ideal é ir àquela loja de Vassouras, que sempre tem coisas refinadas. Vou deixar dinheiro suficiente para você escolher algo à altura deles; temos que dar uma boa impressão.
– Tudo bem. Hoje à tarde, irei a Vassouras escolher um presente. A que horas é o brunch no sábado?
– Cristiane marcou para as 11h. Então, vamos chegar às 11h30. Esteja pronta.
– Vou estar.
Saio da sala com pontadas de ansiedade no estômago, já pensando no que vou vestir. Preciso achar uma roupa que, apesar de recatada, me deixe bonita. Arrumo a casa e entro no banho, fazendo uma varredura mental de todos os meus vestidos. Se eu não precisasse tanto economizar, até compraria um modelo novo.
***
À tarde, dirijo para Vassouras, com o pensamento distante. Chegando à loja, admiro as novidades e bato o olho no presente ideal: um conjunto de porcelana francesa, no formato de folhagens, para servir aperitivos. Chique, de bom gosto, sem ser ostensivo. E ainda sobrará um bom troco para as minhas reservas financeiras.
Saio da loja pensando em fazer um lanche na cidade e, enquanto caminho até a confeitaria, dou de cara com Theo. Fico imediatamente nervosa, mas me esforço para parecer casual. Ele está ainda mais lindo, com uma camisa social listrada, dobrada na altura do cotovelo, e uma calca cáqui, que cai perfeitamente no seu corpo torneado.
– Boa tarde, Theo. Tudo bem? O que faz aqui em Vassouras?
– Eu vim fazer uma entrevista de emprego em uma empresa de telecomunicações. Acabei de me formar em Engenharia de Telecom.
– Ah. Que legal! Já fez a entrevista? Como se saiu?
– A conversa foi ótima. Eu dei muita sorte porque eles estavam procurando alguém justamente com o meu perfil. Fui contratado. Já soube na hora; nem teve aquele suspense chato de ficar esperando feedback.
– Que ótimo! Meus parabéns! É o seu primeiro emprego?
– É sim. Fiz alguns estágios durante a faculdade, mas trabalho, de verdade, com carteira assinada, vai ser o primeiro. E a senhora, trabalha?
– Pode me chamar de você. E não, não trabalho. Eu sou formada em Administração de Empresas, mas nunca exerci a profissão.
Um silêncio paira no ar após a minha resposta. Fico esperando ele perguntar a razão de eu não ter um emprego, mas, para a minha sorte, ele não o faz. Apenas fica me olhando por alguns segundos, sem nada dizer.
– Bom, estou indo fazer um lanche na confeitaria. Foi ótimo te ver.
– Para falar a verdade, estou com fome. Acabei nem almoçando hoje. Posso lanchar com você?
– Claa-aaro. Por que não? Vamos, é aqui pertinho!
Seguimos, lado a lado, mudos. Embora minha cabeça esteja a mil por hora, me concentro em parecer indiferente. É só um lanche com um menino. Nada além disso.
***
Comemos e, para a minha surpresa, a conversa flui. É muito fácil falar com Theo. Mesmo afetada pela sua presença, me sinto à vontade perto dele. Tudo é natural, fluido, intuitivo. Eu me pego rindo em diferentes ocasiões, como não fazia havia muito tempo. Como é bom ouvir o som da minha própria gargalhada: uma risada verdadeira, espontânea, bem diferente de todos aqueles sorrisos forçados que dou na presença de Heitor. Quando terminamos, ele insiste em pagar a conta, gentil. E chega a hora da despedida, o que já me dá um aperto no peito.
– Bom, preciso voltar para casa. Foi ótimo o papo. Quer dizer, você está de carro?
– Foi maravilhoso. E não. Eu vim de ônibus porque vendi o meu carro do Rio e o novo, que escolhi, ainda não ficou pronto.
– Posso te dar uma carona de volta, se quiser.
– Se não for incomodar, quero sim. Seria ótimo. Além de não ter que pegar ônibus, ainda podemos conversar um pouco mais.
Quase me arrependo da minha oferta imediatamente após fazê-la. Mas não posso deixar que a atração que sinto por Theo influa nos meus modos. Seria extremamente rude não oferecer uma carona, tendo em vista que vamos para o mesmo lugar.
Entramos no carro, e a conversa volta de maneira natural. Theo me conta sobre o automóvel que vai comprar e comenta as expectativas com o novo emprego. Enquanto tento não me distrair com a rouquidão da sua voz, começo a ouvir um barulho forte, que parece vir do motor. Ele também percebe e fala para eu parar no acostamento, mas nem dá tempo de atender ao seu pedido. O meu carro simplesmente pifa, bem no meio da estrada. Saltamos e, juntos, empurramos o veículo até um local seguro para, em seguida, ligarmos para um guincho.
Começa a anoitecer enquanto esperamos o socorro e sinto que, a cada minuto que passa, Theo está mais próximo de mim. O seu olhar também se torna mais penetrante com o passar do tempo, como se quisesse decorar cada pedaço do meu rosto. Fico nervosa, preocupada, mas, lá no fundo, me sinto feliz com a sua atenção. Depois de ficarmos alguns minutos em silêncio, ele me diz:
– Não quero, em hipótese alguma, ser desrespeitoso nem abusado. Mas a senhora, quer dizer, você ... é linda. Desde aquele dia na casa do prefeito, não paro de pensar em você e nas maneiras que me faz sentir. Eu nunca tive esse tipo de reação por nenhuma outra mulher. É algo forte, que domina os meus pensamentos, revira as minhas emoções. Fico tonto perto de você.
Meu coração dispara de modo frenético, e tenho a sensação de que vou desfalecer. Olho para o chão, sem saber como reagir. O certo seria ficar ofendida e dar um fora no rapaz, mas a verdade é que me sinto exatamente como ele descreveu.
– Eu, eu... não sei o que dizer, Theo.
– Só me diga uma coisa: você se sente como eu? Porque, quando a gente se olha, vejo uma conexão. E não acho que estou sozinho nisso.
– O que adianta eu me sentir como você? Continuo sendo casada com Heitor e...
Eu não consigo terminar a frase. Theo acaba com a pouca distância que há entre nós e cola a sua boca na minha. O seu hálito quente me invade, as nossas línguas se entrelaçam e, em segundos, minhas mãos se agarram nos seus cabelos. Sinto a sua mão na minha nuca, no meu corpo, em mim inteira. Nossas bocas estão famintas, e simplesmente esqueço que o mundo ao meu redor existe. Tudo o que quero é beijar Theo, me perder no seu gosto e derreter no toque urgente das suas mãos.
Theo Beijar Catarina é como estar no céu. É mágico, doce e, ao mesmo tempo, quente. Traz desespero, mas também sossego. A sua boca é ainda mais deliciosa do que eu poderia imaginar: carnuda e muito macia. E, quando a sua língua brinca com a minha, quase perco a noção dos sentidos. Tudo que desejo é sentir cada pedaço do seu corpo, beijar cada centímetro da sua pele. Quero que ela sinta prazer com o meu toque e anseio estar dentro dela, inteiro, entregue, completo. Só que, de repente, ela me empurra. Está ofegante, descabelada e com um olhar amedrontado. – Theo, pelo amor de Deus! Sou casada. E você é apenas um menino. A gente está no meio da estrada, e todos me conhecem por aqui. Já imaginou se alguém me vê? – ela fala, esbaforida, levando a mão à testa. – Calma, Catarina. Aconteceu porque nós dois estamos sentind
Catarina Chego à casa dos meus pais ainda cedo. Há duas noites, não consigo dormir, mexida com o beijo de Theo e preocupada em ter de ir à casa dele no sábado. Ao olhar o lugar em que passei a minha infância, observo a má conservação da fachada. Está velha e mal cuidada como os seus habitantes, infelizmente. Embora Heitor não deixe faltar comida e remédio para os meus pais, todo o resto fica de fora. Eles não têm qualquer tipo de conforto ou luxo: apenas o básico para que sobrevivam com dignidade. Encontro papai deitado no sofá surrado da sala, com a pele meio amarelada. Está ainda mais abatido do que na última vez em que o visitei, com olheiras que contornam as pálpebras e lhe dão uma aparência cansada. É como se continuar vivo exigisse dele um esforço sobre-humano, que arranca a sua energia e mina as suas força
TheoFico alucinado pela imagem de Catarina em um vestido cereja, que marca toda a perfeição do seu corpo. O cabelo está mais liso e o rosto tem uma maquiagem leve, que ressalta a beleza dos seus traços. Vou cumprimentá-la com uma certa cerimônia, mas todos os meus instintos querem arrastá-la daquela sala, conduzi-la ao meu quarto e beijá-la por horas a fio. Seguro o ímpeto de tomá-la para mim e finjo uma tranquilidade que, definitivamente, não sinto.***Passo boa parte da noite espreitando Catarina e tentando achar uma brecha para ficarmos a sós. Quando a vejo caminhando pelo jardim, com uma taça na mão, imediatamente começo a procurar pelo babaca do Heitor. Mesmo sem conhecê-lo direito, alguma coisa me diz que tem algo errado com aquele cara. E não é apenas o ci
CatarinaMando a mensagem para Theo e, assim que ele a visualiza, a apago. Faço questão de esvaziar a lixeira e confiro, várias vezes, se me desfiz de todos os rastros. Ainda não acredito que estou fazendo isso; que vou mesmo encontrá-lo no chalé. Sinto um misto de medo e empolgação, com a adrenalina subindo pelo meu corpo e me deixando com um frio gostoso na barriga.***Chego em casa imaginando como será vê-lo no dia seguinte e projetando mil cenários diferentes. Mas preciso de lucidez: não posso ceder à tentação, pois a minha vida e a dos meus pais estão em jogo. Heitor está calado desde a saída da festa, o tempo todo com o semblante fechado. Alguma coisa no brunch deve tê-lo desagradado e espero, muito, que não tenha sido eu.Ele vai até a co
Theo Fazer amor com Catarina é como nascer de novo. Eu nunca me senti tão vivo, tão ligado, tão feliz. Confesso que hesitei quando vi manchas roxas em seu corpo, mas não quis estragar o momento. Aquele desgraçado deve machucá-la! Depois vou procurar saber o que ele faz com ela e tenho medo de não responder por mim. Mas, por ora, vou me concentrar em adorá-la como ela merece. Quero que a tarde de hoje seja inesquecível. *** Já são quase cinco da tarde quando nos despedimos, exaustos e satisfeitos. Eu saio primeiro para não levantar suspeitas e observo tudo à minha volta para garantir que não sou visto. Ando até o carro como se estivesse flutuando, pensando no que acabou de acontecer. Ao mesmo tempo que estou em êxtase, sinto uma pontada por deixá-la para trás, principalmente sabendo que aquele covarde pode atacá-la novamente. Preciso proteger Catarina de alguma forma. O que será que
CatarinaAs últimas semanas com Theo têm sido um sonho. Nunca me senti tão bonita, sexy e desejada na vida. Mesmo sabendo que o nosso relacionamento é proibido e tendo de esconder tudo o que sinto, eu me sinto inteira, realizada, bem tratada. E não é apenas o sexo, que é simplesmente sensacional. São os carinhos, os olhares, os sorrisos e, às vezes, até os silêncios. Nunca pensei que fosse amar a ausência de palavras, mas até ela me traz felicidade.Tenho tido um novo estímulo para juntar dinheiro e pensar em estratégias de escape. Depois de experimentar o amor, tenho ainda mais fôlego para lutar pela minha liberdade.***Estou assistindo à televisão no domingo à noite, já ansiosa pelo encontro de amanhã, quando Heitor entra no quarto pisa
Theo Eu me despeço de Catarina com um beijo apaixonado e volto para o trabalho pensando no que dissemos um para o outro. É a primeira vez que as palavras “eu te amo” saem da minha boca para uma mulher, então elas têm um significado gigante para mim. Apesar de tudo o que teremos de enfrentar para ficar juntos, amar é bom demais. Pareço aqueles galãs de comédias românticas bem clichês, mas não posso evitar: vejo tudo mais colorido e enxergo sentidos múltiplos até nas coisas mais banais. Eu me tornei tudo aquilo que tanto debochava, e o pior é que tenho muito orgulho disso. Quero amadurecer, ganhar dinheiro, ser um homem completo para Catarina. Desejo me casar com ela um dia, ter filhos, construir uma família repleta de amor. Acima de tudo, quero alegrar os seus dias e apagar, pouco a pouco, todo o horror que ela viveu em todos esses anos ao lado daquele crápula do Heitor.
Catarina Depois que Theo sai pela porta, arrumo o chalé para não deixar vestígios da nossa presença, como sempre faço quando nos encontramos. Olho tudo em volta e, em cada canto, revejo uma cena que me dilacera: nós nos amando, rindo, brincando. Foi tudo tão intenso e tão lindo, que eu realmente acreditei que a minha vida podia ser diferente. Mas era apenas uma grande mentira. Saio de lá me sentindo suja e absolutamente quebrada. Quero chegar em casa, me jogar na cama e apagar. Quem sabe dormindo eu consiga abafar essa dor que me consome.***Hoje, faz cinco semanas que Theo foi embora. Durante todo esse tempo, tenho sido uma espécie de zumbi. Faço as coisas de maneira automática, sem nada sentir ou p