Março de 2005
Catarina
Chega o grande dia. Nem acredito que já se passaram oito meses desde a primeira visita de Heitor. De lá para cá, ele vem me visitar regularmente, sempre cortês, sorridente e bajulador. Elogia a minha roupa, comenta sobre o meu cabelo, quer saber sobre o meu dia.
Faz sete meses que ele paga o tratamento médico do meu pai, arcando com todas as despesas do plano de saúde e garantindo as medicações necessárias ao seu bem-estar. Saber disso deixa o meu coração mais leve e faz com que cresça a minha admiração pelo homem com quem vou me casar.
Nunca ficamos realmente a sós, e entendo que é por respeito ao meu pai. Ele quer fazer tudo certo, como manda o figurino. Acho que, por essa razão, estou tão nervosa com a noite de núpcias. Como será? Eu anseio por esse momento: quero sentir o toque de um homem, saber como é ser desejada, explorar cada curva do seu corpo desconhecido. Quero ter prazer e desfrutar as delícias que — eu sei — o sexo pode me dar.
Eu comprei uma lingerie especial, fiz uma depilação completa e até consegui, em uma farmácia de Paty de Alferes, um óleo exótico, que diz ser estimulante. Se tudo correr como eu planejo, hoje ainda farei uma massagem sensual em Heitor, usando as manobras que aprendi nos vídeos da Internet.
Enquanto o maquiador faz a sua mágica, minha cabeça voa longe, já sonhando com o pós-festa. Nem acredito que a menininha inocente e inexperiente vai, finalmente, deixar de existir.
***
A noite passa em um piscar de olhos. Primeiro, a cerimônia, os votos de casamento e a chuva de arroz na saída da igreja repleta de flores. Depois, a recepção, a dança dos noivos, o cumprimento nas mesas, o borbulhar da champagne, a alegria dos meus pais. Sinto o peso da aliança na minha mão esquerda, exuberante, lembrando-me a cada minuto de que, agora, sou uma mulher casada.
Já passa das duas da madrugada, e Heitor se aproxima, indicando que é hora de deixarmos a festa. Meu sangue gela em expectativa, amortecendo todos os meus sentidos.
Saímos juntos e seguimos até o nosso quarto, no mesmo hotel da confraternização. Heitor abre a porta devagar e fico esperando que me pegue no colo, como na ficção. Mas ele não o faz. Entro, um pouco tímida, esperando um beijo ardente. Mas ele não vem. Meu marido anda pelo cômodo, calmo, e segue em direção ao banheiro. Demora alguns minutos e sai de cabelo molhado, totalmente vestido em um pijama de seda. Segue para cama e, sem dizer nada, entra debaixo das cobertas.
Sem saber o que fazer e um pouco alterada pela bebida, tomo coragem de questioná-lo se ele prefere esperar eu tomar banho ou quer que me deite, logo, ao lado dele. Mas não estou realmente preparada para ouvir a resposta que ele me dá:
– Tome banho, se tiver vontade. E venha se deitar quando estiver com sono, mas tome cuidado para não me acordar – despeja, com desdém na voz. Eu não consigo segurar o espanto que sinto nem o ímpeto de responder à altura:
– A gente acabou de se casar! Hoje é a NOSSA noite de núpcias! E você vai DORMIR? – questiono, enquanto Heitor me lança um olhar acusatório. Ele se senta na cama e diz:
– Não acredito que você está me confrontando e fazendo esse tipo de exigência. Que decepção! Não esperava que você fosse tão vulgar, tão baixa. Parece uma p**a! Eu não vou tocar em você: nem hoje, NEM NUNCA.
– Mas, se não sente vontade de estar comigo, por que me escolheu? Por que esse casamento? Eu achei que gostasse de mim!
– E gosto. Eu escolhi você porque achei que seria a figura perfeita para ocupar o lugar de minha esposa: bonita, inteligente, educada e casta. Nunca imaginei que fosse ter esse tipo de dor de cabeça com você!
– Dor de cabeça? É assim que você chama o fato de eu querer ser sua mulher? Nós acabamos de nos casar. Isso deveria ser algo natural.
– Mas NÃO É. Eu vou falar uma vez só: tenho horror a qualquer tipo de contato físico. Sexo é uma coisa nojenta, repugnante, que me dá aversão. Eu não vou fazer essa sujeira com você nem com mais ninguém.
– Sujeira? Sexo é vida! Você deve ter algum tipo de problema psicológico, Heitor, mas deve ter tratamento. Vamos procurar ajuda; podemos fazer isso juntos.
– Você não entendeu, Catarina. Eu sei o que tenho e não quero ajuda. Só quero ser como sou e viver em paz, sem esse tipo de pressão da sua parte. Não se meta na minha vida, ouviu? Não se atreva!
– Que isso, Heitor? Todas as pessoas têm algum tipo de bloqueio, medo, dificuldade. Mas elas precisam querer resolver. Se você vai se blindar desse jeito e me excluir da sua vida, não vou ficar em um casamento nessas condições. Eu tenho as minhas necessidades e os meus desejos. Por mim, a gente teria transado há muito tempo, sem esperar casamento algum. Mesmo assim, aceitei o seu jeito e fui paciente porque pensei que era uma questão de respeito e de princípios. Agora, descubro que sexo é um problema para você: um problema que não quer nem TENTAR resolver. Se eu soubesse que você era tão egoísta e intransigente, nunca teria chegado até aqui. Eu quero a ANULAÇÃO.
Eu mal termino a frase, e Heitor levanta de maneira veloz, ficando bem próximo de mim. De repente, ele espalma a mão no meu rosto, com força, fazendo-me cair para trás com a violência do tapa. E então, me encarando, vocifera:
– Você vai parar com esse escândalo agora! Eu tenho a vida do seu pai nas minhas mãos. Basta eu chamar o meu advogado para deixar o velhote e a sua mãe na rua, sem casa, sem fábrica e, principalmente, sem tratamento médico. A vida dele estará, literalmente, acabada! Você vai ficar comigo SIM. E outra coisa: o meu problema só diz respeito a mim. Você está terminantemente proibida de comentar esse assunto com alguém. E nada de tentar ter amantes: eu não admito que você tenha homem algum, NUNCA!
Ele se aproxima novamente, puxa os meus cabelos com força, espalhando uma dor que me toma por dentro e por fora. Com as lágrimas rolando pelo meu rosto, sinto um pouco de sangue descer pelo meu nariz e percebo que estou perdida: presa a um homem violento e covarde. E essa é apenas a primeira noite do meu pesadelo.
Sentindo-me suja, ando vagarosamente até o espelho e procuro, no reflexo, a imagem daquela menina de poucos minutos atrás. Ela está coberta pelas lágrimas que insistem em cair e escurecida pela maquiagem que derrete junto com o meu pranto. O que será de mim agora, afundada nessa relação doentia?
Theo “Que mulher é aquela?”, penso enquanto chego em casa, completamente embasbacado. Nunca fiquei tão hipnotizado por alguém, principalmente sendo mais velha. E casada. Mas conhecer Catarina foi um alento em uma noite que eu já dava como perdida. Não bastasse termos de nos mudar para este fim de mundo, abandonando a minha vida social e todos os meus amigos, ainda sou obrigado a ir a um jantar na casa do prefeito. Eu me sinto em 1920! Só que o evento cheio de chatices e formalidades reservava uma surpresa e tanto: a mulher mais perfeita que eu já vi. E olha que já vi foi mulher nessa vida. Não é à toa que tenho fama de garanhão, pegador, mulherengo, cafajeste, enfim, o nome que quiserem dar. A verdade é que sou jovem, rico, solteiro e cheio de saúde. Não prometo nada que não pretenda cumprir e nunca, em nenhuma hipótese, engano as meninas. Quem cai na minha cama vem porque quer. E confesso que, ultimamente, eu
Catarina Entro em casa já esperando a agressão. Heitor se aproxima e, em um gesto automático, encolho os ombros. Mas ele não me bate. Apenas segue para o banheiro, toma banho e se deita, parecendo me ignorar. Eu me arrumo para dormir, mas o sono está cada vez mais distante. Estou agitada e simplesmente não consigo tirar a imagem de Theo da minha cabeça. O porte, o corpo e, sobretudo, aqueles olhos. Imagino como deve ser tocar aquela pele bronzeada, encostar os lábios naquela boca proeminente, sentir o cheiro que o seu suor exala. Quanto mais imagens se formam na minha cabeça, menos eu consigo relaxar. Sinto como se estivesse correndo uma maratona: a boca seca e o coração disparado. “Ele &
Theo Beijar Catarina é como estar no céu. É mágico, doce e, ao mesmo tempo, quente. Traz desespero, mas também sossego. A sua boca é ainda mais deliciosa do que eu poderia imaginar: carnuda e muito macia. E, quando a sua língua brinca com a minha, quase perco a noção dos sentidos. Tudo que desejo é sentir cada pedaço do seu corpo, beijar cada centímetro da sua pele. Quero que ela sinta prazer com o meu toque e anseio estar dentro dela, inteiro, entregue, completo. Só que, de repente, ela me empurra. Está ofegante, descabelada e com um olhar amedrontado. – Theo, pelo amor de Deus! Sou casada. E você é apenas um menino. A gente está no meio da estrada, e todos me conhecem por aqui. Já imaginou se alguém me vê? – ela fala, esbaforida, levando a mão à testa. – Calma, Catarina. Aconteceu porque nós dois estamos sentind
Catarina Chego à casa dos meus pais ainda cedo. Há duas noites, não consigo dormir, mexida com o beijo de Theo e preocupada em ter de ir à casa dele no sábado. Ao olhar o lugar em que passei a minha infância, observo a má conservação da fachada. Está velha e mal cuidada como os seus habitantes, infelizmente. Embora Heitor não deixe faltar comida e remédio para os meus pais, todo o resto fica de fora. Eles não têm qualquer tipo de conforto ou luxo: apenas o básico para que sobrevivam com dignidade. Encontro papai deitado no sofá surrado da sala, com a pele meio amarelada. Está ainda mais abatido do que na última vez em que o visitei, com olheiras que contornam as pálpebras e lhe dão uma aparência cansada. É como se continuar vivo exigisse dele um esforço sobre-humano, que arranca a sua energia e mina as suas força
TheoFico alucinado pela imagem de Catarina em um vestido cereja, que marca toda a perfeição do seu corpo. O cabelo está mais liso e o rosto tem uma maquiagem leve, que ressalta a beleza dos seus traços. Vou cumprimentá-la com uma certa cerimônia, mas todos os meus instintos querem arrastá-la daquela sala, conduzi-la ao meu quarto e beijá-la por horas a fio. Seguro o ímpeto de tomá-la para mim e finjo uma tranquilidade que, definitivamente, não sinto.***Passo boa parte da noite espreitando Catarina e tentando achar uma brecha para ficarmos a sós. Quando a vejo caminhando pelo jardim, com uma taça na mão, imediatamente começo a procurar pelo babaca do Heitor. Mesmo sem conhecê-lo direito, alguma coisa me diz que tem algo errado com aquele cara. E não é apenas o ci
CatarinaMando a mensagem para Theo e, assim que ele a visualiza, a apago. Faço questão de esvaziar a lixeira e confiro, várias vezes, se me desfiz de todos os rastros. Ainda não acredito que estou fazendo isso; que vou mesmo encontrá-lo no chalé. Sinto um misto de medo e empolgação, com a adrenalina subindo pelo meu corpo e me deixando com um frio gostoso na barriga.***Chego em casa imaginando como será vê-lo no dia seguinte e projetando mil cenários diferentes. Mas preciso de lucidez: não posso ceder à tentação, pois a minha vida e a dos meus pais estão em jogo. Heitor está calado desde a saída da festa, o tempo todo com o semblante fechado. Alguma coisa no brunch deve tê-lo desagradado e espero, muito, que não tenha sido eu.Ele vai até a co
Theo Fazer amor com Catarina é como nascer de novo. Eu nunca me senti tão vivo, tão ligado, tão feliz. Confesso que hesitei quando vi manchas roxas em seu corpo, mas não quis estragar o momento. Aquele desgraçado deve machucá-la! Depois vou procurar saber o que ele faz com ela e tenho medo de não responder por mim. Mas, por ora, vou me concentrar em adorá-la como ela merece. Quero que a tarde de hoje seja inesquecível. *** Já são quase cinco da tarde quando nos despedimos, exaustos e satisfeitos. Eu saio primeiro para não levantar suspeitas e observo tudo à minha volta para garantir que não sou visto. Ando até o carro como se estivesse flutuando, pensando no que acabou de acontecer. Ao mesmo tempo que estou em êxtase, sinto uma pontada por deixá-la para trás, principalmente sabendo que aquele covarde pode atacá-la novamente. Preciso proteger Catarina de alguma forma. O que será que
CatarinaAs últimas semanas com Theo têm sido um sonho. Nunca me senti tão bonita, sexy e desejada na vida. Mesmo sabendo que o nosso relacionamento é proibido e tendo de esconder tudo o que sinto, eu me sinto inteira, realizada, bem tratada. E não é apenas o sexo, que é simplesmente sensacional. São os carinhos, os olhares, os sorrisos e, às vezes, até os silêncios. Nunca pensei que fosse amar a ausência de palavras, mas até ela me traz felicidade.Tenho tido um novo estímulo para juntar dinheiro e pensar em estratégias de escape. Depois de experimentar o amor, tenho ainda mais fôlego para lutar pela minha liberdade.***Estou assistindo à televisão no domingo à noite, já ansiosa pelo encontro de amanhã, quando Heitor entra no quarto pisa