7

 Estreitou o olhar mediante ao fato de que não estava sendo seguido, e fazendo uma curva fechada entrou com o carro numa ruela mal iluminada, parando. Sua cabeça foi de encontro ao volante, onde permaneceu por um tempo enquanto cerrava os olhos com força. Em sua mente havia mil e um pensamentos, o que fazia com que acabasse por não conseguir se concentrar em nenhum.

Sentiu uma carícia em um de seus braços, uma mão deslizava gentil e lentamente por toda a extensão, demorando-se um pouco mais nos músculos. Ergueu os olhos, só então parecendo se lembrar de que não estava sozinho. A cabeça tornou a posição inicial, apenas um segundo antes de tombá-la contra o banco macio do veículo, e ainda de olhos fechados perguntou:

— O que você está fazendo aqui, Elizabeth?... Por que voltou?

Mesmo que não pudesse ver Ian sentiu a movimentação da garota no banco ao lado. Um segundo mais tarde, Elizabeth já havia deslizado para o seu colo; o belo rosto de frente para o seu enquanto ela começava a distribuir suaves beijos por seu pescoço.

— Responda. — ordenou, e obediente a si como Elizabeth era a resposta não demorou a vir em um sussurro languido em seu ouvido.

— Você. Eu voltei por você, Ian!

O Norton riu descrente. Ela continuou:

— Eu sempre vou voltar por você.

Ian suspirou, pensando que não bastasse os problemas que já tinha, mais um estava ali, sentado no seu colo, praticamente declarando o que só podia ser ou um amor muito doentio ou uma verdadeira obsessão – provavelmente os dois.

— Eu te amo, Ian...

O rapaz riu diante daquelas palavras, seus olhos fechados abriram-se, seu azul emitindo um brilho altamente debochado para os olhos mel erroneamente apaixonados por si.

— Você nem sabe o que amor, garota... — disse simplesmente, um sorriso de puro escárnio se desenhando na lateral de sua boca desejada.

Por um rápido segundo Elizabeth apenas o fitou, sem expressão alguma aparente, e então, um segundo mais tarde ela jogava a cabeça para trás numa doce risada. Quando seu rosto voltou a ficar frente ao de Ian um sorriso malevolamente doce se instalara em seus lábios, enquanto suas mãos subiam para o cabelo loiro dele, os dedos infiltrando-se por entre as mechas numa carícia lenta.

— E você, Ian? — perguntou com a voz suave, uma pergunta ácida, repleta de sarcasmo e gentil deboche. — Você sabe o que é amor? — desafiou-o a responder, seu sorriso expandindo-se exponencialmente ao ver um brilho opaco cobrir os orbes azuis. — Oh, não fique triste... — seu sorriso tornou-se complacente para ele, antes de aproximar os lábios tingidos de vermelho escarlate de seu ouvido e finalizar num sussurro arrastado. — ... Eu posso amar por nós dois...

Os lábios volumosos deslizaram por toda a lateral da face de Ian, lentamente, até então estar rente aos lábios do mesmo. Elizabeth sorriu dócil, os lábios roçando-se nos de Ian, instigando-o. O Norton, por fim, rolou nos olhos. Não estava apto aos joguinhos de Elizabeth, não naquela noite, por isso sendo o bastardo que era apenas fez o que lhe parecia mais justo: tirou proveito.

Elizabeth sentiu-se explodir em êxtase e felicidade quando a mão de Ian enrolou-se em seu cabelo, forçando seu rosto mais para frente. Os lábios colaram-se abruptamente, as línguas enlaçaram num ritmo afoito, selvagem. Não havia gentileza, e Elizabeth não se importava com isso. Ian era a sua doença, uma doença da qual ela fazia questão de nunca se curar, e a cada pequena dose dele, ainda que não fosse a desejada, alimentava tal doença, descomunal vício.

Quando, enfim, achou que as coisas iriam engatar, abruptamente Ian a afastou. Piscou, completamente confusa e raivosa com o término do enlace de suas línguas. Era mimada. Não gostava quando as coisas não saiam como desejava.

— Eu não posso fazer isso. — Ian lhe disse, uma mão deslizou pelo rosto dela com suavidade muito embora o brilho de seus olhos fosse de puro asco. Sorriu sombriamente divertido. — Você não é ela.

Ian contemplou, com satisfação intensa os olhos de Elizabeth arregalaram-se rapidamente para então se estreitarem de maneira perigosa e furiosa. Contemplou, com gargalhadas divertidas em sua mente, o brilho furioso surgir nos olhos dela. Queria gritos, mas sabia que Elizabeth não os daria assim tão rapidamente. Estava certo. Novamente, ela tentou disfarçar o ódio da rejeição daquele a quem dizia amar com um sorriso falsamente angelical, enquanto mais uma vez tentava investir em Ian, espalhando beijos rápidos e desesperados por toda sua face.

— Finja... — ela o disse em um ofego que denunciava seu desespero. — Finja que eu sou ela... Não me importo... Finja.

Ian estreitou os para tamanha loucura. Elizabeth, a cada vez que aparecia em sua vida, parecia cada vez mais desequilibrada. Como naquele momento em que com desespero e presa tentava lhe tirar a camisa. Ian rolou os olhos, as mãos foram firmes ao pousarem cada uma de um lado do quadril dela e, com pouca gentileza, tira-la de seu colo e pousá-la no banco ao lado. Elizabeth piscou, lágrimas de raiva e dor distorcida escorriam por sua face quando Ian inclinou-se sobre si, os olhos azuis brilhando em um divertimento sincero.

— Preste bastante atenção, Lizzie... — a voz rouca e baixa destilava sarcasmo no apelido da garota. — ... Só existe uma Alana Steawart para mim. E você não é ela! — sorriu de lado.

Não houve tempo para que se pudesse contestar. Em um instante Elizabeth sentia o corpo de Ian inclinado sobre o seu, ele despejando aquelas palavras que lhe pareciam bofetadas contra a face e lhe despertaram muito ódio, e no outro instante ele já estava a sair do carro levando consigo as chaves de seu carro para que não o pudesse seguir.

— Ian!!! — gritou, e continuou a gritar histericamente, estapeando o assento com as mãos, enquanto o via desaparecer de sua visão ao dobrar a esquina.

Continuou a gritar, gritar e a chorar histericamente, cercada de raiva e ódio. Steawart Alana. Aquela garota era culpada, pensou. A culpada por Ian não a querê-la daquela vez!

Os gritos histéricos, de repente, transformaram-se em risadas escandalosas que arrepiariam qualquer um que as escutasse. As lágrimas continuavam a rolar por sua face de boneca, lágrimas de dor e felicidade, um verdadeiro caos, uma verdadeira loucura, enquanto em sua mente atravessava o pensamento satisfeito de que aquilo estava longe de acabar.

                                                             [...]

A xícara foi posta à sua frente e um pequeno, mas ainda sim notável, sorriso nostálgico desenhou-se no canto de seus lábios. Do outro lado da bancada, Antonia, vestida num hobby de seda escura tinha um enorme sorriso nos lábios.

— Ainda é seu favorito? — perguntou ela ao irmão caçula, referindo-se ao achocolatado fumegante na xícara. David riu nostálgico, assentindo brevemente enquanto bebia um pouco do líquido quente.

— Papai e Karl ignoraram você no velório também, ou foi só a mim? — quis saber após baixar a xícara, a voz em seu habitual tom sério e desinteressado. Antonia deu de ombros.

— Não reparei. — disse. — De qualquer forma, se eles querem ignorar a nossa existência e a de meus filhos, não me importo nem um pouco de fazer o mesmo em relação a eles. — ela piscou divertida, mesmo que tal fato a magoasse por dentro, enquanto dava a volta na bancada de mármore e se dirigia a sala. David a seguiu com sua xícara em mãos.

Os irmãos sentaram-se no sofá em completo silêncio, em parte desfrutando que os gêmeos estavam dormindo no quarto, com Shikamaru. David descobriu naquele dia que tinha sobrinhos tão ou mais atentados quanto a irmã caçula e viciada em arrancar dinheiro alheio de Alana.

— É estranho não é? — a voz de Antonia quebrou o silêncio, e David espichou o olhar para ela enquanto bebia um pouco mais do chocolate. — Você sabe... Yara. — ela suspirou. — É estranho pensar que ela partiu. Que nunca mais vamos vê-la por aí, sorrindo, gritando histericamente com Ian...

Suspiraram ao mesmo tempo, ambos sentindo um nó se formar em suas gargantas. Antonia deslizou a mão pelo cabelo tristemente enquanto ouvia o irmão falar.

— Ela era uma das pessoas com mais gana de vida que eu já conheci. E agora ela está morta. — suspirou novamente. — Ainda não caiu a ficha.

— Ela é, era, nossa prima. — Antonia o confortou ao mesmo tempo em que tentava confortar a si mesma. — Vai demorar um pouco até aceitar isso. — esfregou os olhos com as costas das mãos. — Fui com os Bennies deixar tio Frederick em casa... David, eu nunca o vi tão destruído!... Vocês encontraram o Ian?... Como ele está?

— Não muito diferente do pai... Talvez pior porque ele gosta de transformar sua dor em raiva de si mesmo e do mundo. — comentou e Antonia assentiu em silêncio. — Antonia? — chamou-a, inseguro. — Tem uma coisa... Sobre Ino...

— O que houve? — a loira questionou de imediato, ajeitando-se no sofá e descansando uma mão no mesmo enquanto fitava o irmão.

David respirou fundo, finalizando o chocolate em sua xícara e depositando a mesma na mesinha de frente. Encarou a irmã, e vendo aquele brilho impaciente no olhar dela achou uma boa idéia começar logo antes que ela lhe batesse na cabeça, como gostava de fazer quando mais novos. Contou tudo, sobre todo o dia, sobre Ian e enfim sobre o que Ino lhe escondera e o quanto aquilo o havia deixado magoado e mais inseguro em relação às drogas do que já poderia estar.

— David, você não pode culpá-la. — o ruivo ergueu uma sobrancelha ao ouvir aquilo. Antonia respirou fundo. — Não adianta me olhar desse jeito. É verdade. Você não pode ficar com raiva por ela também ter suas próprias inseguranças, seus próprios medos. Não pode ficar com raiva dela por ela tentar te proteger...

— Ela mentiu pra mim, Antonia.

— Sim. E isso foi errado. Mentir pra você foi errado, mas já se perguntou do por que dela fazer isso?

— Ela não confia em mim... — murmurou em voz baixa, pois falar alto só tornava aquilo mais real para si e também mais doloroso. Antonia balançou a cabeça negativamente.

— Está errado. Ela mentiu pelo simples fato de que está tão assustada quanto você. — sorriu docemente. — Ou você acha que você é o único inseguro? O único com medo só por que é você o viciado em tratamento?... Eu já lhe disse uma vez, Ino o ama tanto que os seus medos se tornaram os dela. Agora, imagine só... Não basta ter de se focar em seus próprios medos, em suas próprias preocupações, ela ainda foca-se e sente as suas. Ela confia em você David, se não confiasse em você, na sua capacidade de lutar contra o vicio não estaria contigo. Mas ela também vai cometer erros. Mentir pra você foi um erro. Mas você, de todas as pessoas no mundo, não pode condená-la por isso.

O silêncio instalou-se entre eles por um minuto ou dois antes de David bufar.

— Odeio quando você tem razão... — declarou ele, fazendo Antonia soltar uma risada alta, abafada pelo som do trovão cortando os céus lá fora. Começara a chover.

— Isso é uma pena, por que eu sempre tenho razão. — gabou-se a loira, bagunçando os fios ruivos do irmão que rolou os olhos para tal gesto.

                                                        [...]

                                                 

 Observava o cair torrencial da chuva como um reflexo de seu próprio corpo, de suas próprias lágrimas que em meio a soluços baixos escorriam por suas bochechas. Um trovão cortou o céu, iluminando um pouco a sala escura e fazendo assim com que se encolhesse ainda mais contra o sofá gasto, os braços envolvendo as pernas com mais força do que antes enquanto pousava o queixo por cima dos joelhos. Fungou, prensando os olhos com força por um segundo, fazendo assim as lágrimas transbordarem com mais força, e quando tornou a abri-los sentiu aquele monte de lembranças vir de encontro a si com força descomunal.

Gemeu em sofrimento, o coração não batia tão rápido mais, ao contrário, batia lento, como que esgotado de tanta dor que carregava. Não queria pensar na dor. Pensar na dor era o mesmo que pensar nele; mas sabia que aquilo era inevitável. Ele. Sempre ele. Todo o tempo estava ocupando seus pensamentos.

Deus! Por que doía tanto?

Um novo trovão, mais forte e assustador que o anterior, cortou os céus fazendo-a estremecer. Seus olhos pérolas fitaram o céu escuro, buscando a lua ou as estrelas, buscando qualquer mínimo sinal de luz cósmica, mas não havia nada. O céu parecia ter sido mergulhado em escuridão com as nuvens densas e que despejavam uma chuva furiosa escondendo os astros que buscava.

Um soluço esganiçado atravessou seus lábios; sentia a dor no peito crescer cada vez mais, expandindo-se. Suas lágrimas, de repente as sentiu como sendo ácido a rolar por suas bochechas lisas. Fechou os olhos e orou. Não seguia realmente uma religião, e nem tinha o costume assíduo de orar. Mas naquele momento orou. Orou para que a dor parasse. Orou baixinho, para Deus, para os céus... simplesmente orou, uma oração suplicante para que a dor fosse embora.

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