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O sorriso esmoreceu e sua expressão que havia se suavizado tornou a ficar séria enquanto a observava, em pé ao lado da cama. O que estava fazendo? Por que fora até ali? Por que era tão difícil ficar longe dela? Por que apenas tal pensamento o feria como mil adagas lhe atravessando o corpo? Esfregou o rosto com as mãos, irritado consigo mesmo. Alana mexeu-se levemente na cama, o suficiente para fazer com que os olhos atentos de Ian se focassem novamente nela, ainda recolhida em sono profundo.

Na escuridão do quarto, cortada apenas pela leve luz pálida que vinha de fora, os olhos azuis brilharam sobre ela. Era um brilho cheio de devoção a ela, e cheio de tristeza por pensar no que estava fazendo a ela, no que estava fazendo aos dois. Novamente se viu naquele turbilhão de pensamentos conflituosos e então veio a pergunta: O que estava fazendo à Alana?

Estava-a ferindo. Via isso. Soube disso no dia anterior, e até mesmo antes dele quando em todas as vezes que ela dissera que o amava sua resposta havia sido o silencio. Passou as mãos pelo cabelo nervosamente. Odiava-se. Odiava-se por machucá-la daquela maneira. Odiava-se por segui-la machucando. Não deveria estar ali, sabia disso, não tinha o direito de estar ali, com ela, de ter sido abraçado por ela, confortado por ela. Não tinha. Ainda sim, após ter andado sem rumo por algum tempo, logo depois que deixou Elizabeth sozinha e histérica naquele beco, seus pés simplesmente o levaram até ali. Não deu-se conta de para onde estava indo, de onde estava até que Alana lhe abriu a porta.

Respirou fundo então, seus pés passaram a se mover, dando a volta no quarto e indo até a penteadeira de Alana onde encontrou papel e caneta. Tão logo os encontrou, sua mão já pousava a caneta no papel arrancado do caderno e minutos depois a folha – não mais em branco – era depositada na mesa-de-cabeceira, ao lado de Alana.

Após cobri-la com um cobertor, vendo-a mexer-se levemente mas sem despertar, inclinou o corpo sobre o pequeno dela, removendo suavemente algumas mexas do cabelo escuro que lhe caia a face pálida e beijou-a lentamente na testa. Os lábios quentes demoraram-se ali, consigo fechando os olhos e fazendo força para se afastar. Quando enfim conseguiu, não olhou para trás – sabia que se o fizesse não iria conseguir deixá-la – e então saiu.

Atravessou o corredor, passando pela cozinha com os pensamentos pouco convincentes de que o que acabara de fazer fora para o melhor. O dela, não o seu, sabia. Ficaria miserável sem ela. Sorriu, num misto de escárnio e orgulho de si mesmo ao pensar que talvez não fosse tão egoísta assim como pensara. Estava a deixando livre. A libertando de si. É. Talvez não fosse tão egoísta assim... Isso ou simplesmente... a amava demais, tanto que ignoraria a própria dor que lhe causaria a distancia se achasse que fosse o melhor pra ela.

Ian travou, já fora do apartamento, com tal pensamento. Sua respiração ficou presa na garganta e só a soltou um segundo mais tarde, balançando a cabeça e girando nos calcanhares em rumo a escada. Estava a descer os degraus, com lentidão e tristeza, quando trombou em alguém que parecia vir subindo as escadas de maneira tão desnorteada com a qual ele descia.

— Olhe por onde anda... — murmurou, levemente raivoso, só então erguendo o olhar e deparando-se com uma mulher loira, parada a sua frente com uma expressão petrificada.

Ian estreitou os olhos. Qual era o problema dela? Havia se machucado, será? Avaliou-a com atenção, procurando por algo de errado em seu corpo. Com exceção de seus seios excessivamente grandes para alguém da idade dela – uns 40, 50 anos julgou – não encontrou nada. Então por que ela o olhava daquela maneira petrificada? Com... um certo brilho, que não soube identificar de que, no olhar? Suspirou, de repente achando-se entender o motivo. A mulher trazia consigo uma revista que apertava fortemente contra o peito. Em manchetes menores, no canto da pagina, havia uma pequena foto de seu pai, naquela manhã, sendo escoltado pelos Bennies e seguranças para dentro de uma limusine preta; na legenda da foto dizia: “fotos exclusivas do enterro de  Yara Norton”. Mais abaixo, na mesma coluna havia uma foto de Yara, tirada há muito tempo atrás num evento qualquer, com a legenda: “ Yara Norton. Quais os segredos por trás de sua morte?... Como a família conseguiu manter seu coma em sigilo absoluto por mais de um ano quase?” Ian estreitou os olhos, não se esquecendo de avaliar a capa central. Era uma foto sua, de algum photoshoot que nem se lembrava de ter tirado, com as seguintes legendas em baixo em tamanho maior: “O Herdeiro Norton. Com a morte da irmã – da qual não compareceu ao velório – Norton Ian é agora o único herdeiro Norton”.

Por um segundo, Ian pensou seriamente em tomar a revista da mulher e rasgá-la. Mas não o fez. Apenas respirou fundo, batucando um dedo de leve contra a capa enquanto encarava a mulher a frente, ainda bestificada.

— É, esse sou eu. — ele disse com acidez enquanto encarava a si mesmo na capa com asco. — Me desculpe se agora me acho em tamanha desgraça que não vou poder lhe dar um autógrafo... — não pode conter o deboche amargo em suas palavras.

Não esperando por qualquer reação que fosse, Ian deu a volta pela mulher continuando a descer as escadas até se encontrar fora do prédio. Ele não viu quando a loira na escada soluçou, de repente, parecendo liberta do transe, do choque em que entrara diante de sua presença. Não viu quando a revista que ela segurava firmemente foi ao chão e ela se apoiou no corrimão da escada com lágrimas rolando por sua face.

Em seu quarto, Alana despertou de repente. Esfregou os olhos então, avaliando o lugar onde estava. Pulou da cama.

— Ian! — chamou, em desespero, mas não houve resposta.

Estreitou os olhos então. Havia sido um sonho? Será que havia dormido e sonhado que Ian estivera em seu apartamento? Não, pensou enquanto se deixava cair sentada na cama, não fora um sonho. Fora real demais.

Ainda tentando despertar, se desprender do sono Alana franziu o cenho quando seus olhos capturaram o papel em cima de sua mesinha. As mãos, tão rápidas quanto esfregavam seus olhos em meio a um bocejo foram de encontro ao papel que rapidamente começou a ler. A respiração travou em meio ao reconhecimento da caligrafia inclinada de Ian.

                                                        Alana,

                                      Obrigado por ficar comigo.

   Mas você está certa, eu preciso dizer adeus. Preciso me despedir de Yara, e de você também.

  Você merece mais... E, como eu te disse mais cedo, eu não posso ser o que você precisa agora. Por isso, vou deixar Amsterdã por um tempo. Não me procure. Não estarei desaparecido, ou perdido. Só estarei longe o suficiente para que você possa seguir sua vida sem intervenções minha – boas ou más.

  Ps: Só para esclarecer, você e Vincent ( diga isso à ele ) não tiveram nada haver com o desligamento dos aparelhos de Yara. Tratava-se só de mim, deixando de ser o egoísta que sou.

                                              Fique bem. Eu...

                                                   Ian.

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