Não adiantou. Ela já sabia que não ia adiantar. Sabia, pois a única pessoa capaz de afastar sua dor era justamente aquela que causava ela. Chorou mais. Em silêncio, naquela noite chuvosa em sua sala escura. Sentiu-se bem e mal por estar sozinha; ainda faltava algumas horas para Cassandra retornar da lanchonete com Eva, e ela já não sabia dizer se aquilo era bom ou ruim assim como também não sabia dizer se ter recusado educadamente a companhia de Lisandra fora a melhor idéia. Estava sozinha, e de alguma forma isso a acalentava e a assustava ao mesmo tempo.
Respirou fundo, sua mente novamente lhe traindo e levando seus pensamentos em direção a Ian. Resfolegou. Qual era o problema consigo? Por que era tão difícil tirá-lo de seus pensamentos? Por que era tão difícil arrancar aquele amor que tinha a capacidade de lhe fazer tão bem quanto mal do peito?
Mordeu os lábios com força, as mãos cerradas em punhos severos quase fazendo seus dedos ganharem cor esbranquiçada.
“Agradeça por ser tão linda. Ou não estudaria mais aqui.”
Alana prendeu a respiração com a lembrança daquelas palavras, foram ditas por Ian na primeira vez que se viram. Fechou os olhos com a lembrança, a saboreando, se torturando com ela por pensar que as coisas nunca mais seriam como antes. Fechou os olhos com mais força, muitas lembranças vindo lhe preencher a mente, lhe torturar.
“Você parece ter a estranha mania de entrar no meu caminho.”
Sorriu com essa lembrança, não se importando mais com a dor. Quase não a sentia mais, e não era por que ela não estava ali, ela estava, firme, forte, a rasgando de dentro para fora. Mas não se importava mais. As lembranças, os doces e ao mesmo tempo amargas lembranças pareciam lhe entorpecer os sentidos.
Ela quebrou a própria regra. Entrou no jogo.
“Temos que parar com esses jogos antes que alguém saia ferido.”
... Entrou no jogo sem perceber. Entrou no jogo até que deixou de ser um jogo e passou a ser real.
“Eu não quero que você se afaste de mim.”
Mas foi avisada. Ian a avisou.
“Não se apaixone por mim.”
Ele não acreditava em amor. Nunca acreditou... Nunca o quis...
“O amor é ilusório.” não havia emoção alguma em sua resposta; ela fora seca, dura. “É algo superestimado por alguns.”
... Mas isso não impediu que ele roubasse seu coração, o tomasse para si e o fizesse seu prisioneiro mais fiel.
“ Eu disse...” ele a encarou nos olhos. “... Que eu quero ficar com você. Só com você.”
Alana soluçou alto. O cabelo longo, ainda molhado pelo banho, lhe caia aos ombros e molhava sua blusa de manga comprida, mas não se importava. Não estava se importando com muita coisa, sequer sentia que estava em sua casa, abraçado ao próprio corpo no sofá naquela sala escura. Sua mente estava longe dali, estava revivendo cada instante, cada momento com Ian.
Deus. Houve tantos sorrisos...
Eu acredito em nós. Foi o que ele disse. Alana sorriu. Havia um ‘nós’ entre eles. Não um ‘eu’ e depois um ‘você’. Mas um ‘nós’. Aquilo não representava apenas os dois em um só numa frase, mas em um sentimento, em um compromisso. Estavam juntos. Um com o outro apenas.
... Houve tantas lágrimas...
“ Acabou...”
... Havia tantos motivos para desistir...
“Eu te amo... E eu não tenho medo de dizê-lo... Por favor, por favor, só... diga se é real...”
“ São só palavras...”
Havia tantos motivos para persistir...
“... se não fosse você a estar me deixando, eu jamais o faria, porque eu sou egoísta demais para abrir mão de você.”
O estrondo de um trovão soou ao longe. Alana abraçou-se com mais força; lágrimas escorrendo por sua face ao lembrar-se do que Ian lhe dissera uma vez, nas montanhas...
“ Por mais estranho que possa parecer... eu acredito em nós.”
‘Nós’. Alana perguntou-se o que fora feito do ‘nós’ deles. Fora destruído. Por ela. Por ele. Por ambos. E doía. Doía como o inferno dar-se conta daquilo.
“O Ian que você ama... Está morto.”
Está morto. Aquelas palavras ficaram ecoando em sua mente, assim como a lembrança do olhar vazio dele sobre si. Soluçou. Ian, o seu Ian estava morto. E ela? O que fora feito dela?... Sentia-se vazia. Incompleta e com um coração estilhaçado, sangrando em mãos.
*4*
O som da campainha veio no mesmo tempo em que um outro trovão cortava os céus. Alana ignorou ambos os seus olhos não desviando-se da cortina de chuva que caia do céu. Em seu peito, a dor, em seus olhos, o vazio. Sentia-se vazia, como se um pedaço de sua alma tivesse sido arrancado, a parte mais importante. E havia. Era a parte que pertencia a Ian, e que ele pisoteava sem saber.
A campainha não cessou e com relutância Alana se arrastou até a porta, deslizando a manga comprida da blusa pelos olhos na tola esperança de ocultar o choro. Com lentidão, quase como que na esperança de fazer quem quer que fosse ir embora, destrancou a porta que mais lentamente ainda foi aberta.
— Olá...
Um raio cortou o céu no instante do comprimento e Alana apertou a mão na maçaneta com mais força, o coração que antes batia tão lento, agora batia desenfreado em seu peito, mas por nenhum momento parando de sangrar. Ian estava a sua frente. O cabelo molhado, caindo em sua testa e fazendo gotas rolarem por sua face. Os olhos, repletos de tanta dor que Alana sentiu-se sufocar nela apenas por encará-los. Havia também certo tom avermelhado neles, o que a faz perguntar internamente se ele não andara chorando ou bebendo. Talvez os dois.
— ... Acho que estou perdido... — ele disse baixo, havia um bolo em sua garganta que fez as palavras saírem embargadas. Isso ou ele estava fazendo imensa força para não cair em um choro desesperado.
Alana travou por um instante, a imagem daquele Ian desolado à sua frente lhe destruindo lentamente. Balançou a cabeça lenta e negativamente, não desviando o olhar do dele. Ele não estava perdido, pensou, estava exatamente onde deveria estar. Consigo.
A sala iluminou-se atrás de si, mas Alana não se importou com os raios lá fora. Deu um passo à frente e, inesperadamente, lançou-se contra Ian. Seus braços envolveram-no pelo pescoço, a cabeça apertada contra a regata molhada enquanto chorava desesperadamente, um misto de alívio e dor por tê-lo ali, naquele abraço.
Cambalearam para dentro do apartamento, Ian bateu a porta atrás de si com o pé enquanto sentia Alana abraçá-lo com mais força. Ela não iria soltá-lo, e nem ele queria isso. Caíram no sofá, o som da chuva se fazendo mais forte mas não o suficiente para abafar os soluços altos de Alana que continuava a chorar contra seu peito.
— Shii... Está tudo bem... Vai ficar tudo bem...
Mas Alana sabia que nada estava bem, não importava quantas vezes Ian lhe dissesse aquilo. Não importasse quantas vezes quisesse acreditar naquela doce mentira. Em meio ao choro sôfrego uma leve risada escapou-lhe dos lábios rosados. O quão irônico aquilo podia ser? Era Ian quem precisava de consolo, afinal era ele quem acabara de perder uma irmã. No entanto, as coisas estavam sendo ao contrário. Ele que a consolava, deslizando suavemente uma mão por sua costa, não se importando com o agarre firme em sua regata e o choro desenfreado na base do seu pescoço. O que precisava de consolo era, no momento, o consolador.
Alana chorou nos braços de Ian; nenhum dos dois soube dizer por quanto tempo, mas o suficiente para que a chuva parasse. Com a ponta do nariz mais vermelho do que antes e, definitivamente, com os olhos mais inchados, ela deslizou do colo dele para o sofá, respirando fundo seguidas vezes até se acalmar.
— Eu vou pegar uma toalha. — disse, a voz saindo baixinha e rouca devido ao choro, dando-se conta de que Ian – e agora ela própria devido a ter estado em seu colo – ainda estava molhado de chuva.
Levantou-se do sofá mas não pode sequer dar um passo sem sentir uma mão quente segurar a sua. Ian. Virou-se para trás, o que viu fez seu estômago embrulhar-se em agonia e tristeza: Ian, sentado no sofá com a cabeça baixa, os olhos consumido por tristeza e dor e com o braço esquerdo estendido em sua direção, a mão segurando firmemente a sua.
— Fique... — ele pediu num sussurro rouco quase inaudível, só então erguendo seus olhos do chão para os de Alana. — ... Fique comigo.
Por um segundo ela prendeu a respiração, confusa se aquele pedido era algo relacionado ao momento ou se era um pedido para toda vida. No segundo seguinte ela sorria, um sorriso mínimo, um sorriso que demonstrava todo seu apoio enquanto tornava a se sentar ao lado dele, a mão jamais largando a que lhe segurava no processo.
Ian suspirou, e Alana detectou aquele suspiro como sendo de alívio. Ele não queria ficar só, realmente. E ele não estava.
Ajeitou-se melhor no sofá, então puxando suavemente Ian para si. Ele inclinou o corpo para o lado, a cabeça pousada em sua caixa torácica enquanto o abraçava.
— ... Sempre. — Alana sussurrou depois de um minuto. — Eu sempre vou ficar com você... — finalizou em mente, e lágrimas silenciosas escorriam por sua face em tristeza pela dor daquele a quem abraçava. Lágrimas que deviam ser despejadas por Ian, mas que ela que o fazia por ele estar destruído demais para conseguir chorar.
— Alana?
— Huh?
Silêncio.
— Obrigado.
A Steawart sorriu levemente em meio as lagrimas solitárias, apertando-o mais em seu abraço. Suspirou.
— Você precisa dizer adeus, Ian... — sussurrou depois de um longo silêncio, e sabia bem que Ian a ouvira pelo modo como a mão dele agarrou-se a sua com mais força. Não era necessário que ela continuasse a frase para que ele soubesse do que falava, de quem falava.
Ficaram ali, abraçados na sala escura, envoltos pelo silêncio que era quebrado apenas pelo som de suas respirações cansadas por mais ou menos uma hora. Quando Ian tornou a erguer o corpo, um sorriso pequeno dançou no canto de sua boca ao ver Alana adormecida. Suspirou. Ela devia estar cansada. E, assim como ele, não dormia pelo menos um dia inteiro a julgar pelas olheiras profundas abaixo de seus olhos.
Ficou ali, fitando-a em silêncio profundo no que lhe pareceu uma eternidade doce mas que na verdade não passara de um minuto ou dois. Uma mão deslizou por todo o cabelo loiro, agitando alguns fios antes que se colocasse de pé, sentindo alguns ossos estralarem à mudança brusca de posição. Com gentileza, tomando cuidado para não despertá-la, pegou Alana e caminhou em direção ao quarto dela onde, com mais cuidado e gentileza ainda, a pousou na cama.
— Ian... — ouviu seu nome ser chamado num sussurro baixo e por um segundo pensou que ela havia acordado. Sorriu ao ver que não, que estava apenas o chamando em sonho.
O sorriso esmoreceu e sua expressão que havia se suavizado tornou a ficar séria enquanto a observava, em pé ao lado da cama. O que estava fazendo? Por que fora até ali? Por que era tão difícil ficar longe dela? Por que apenas tal pensamento o feria como mil adagas lhe atravessando o corpo? Esfregou o rosto com as mãos, irritado consigo mesmo. Alana mexeu-se levemente na cama, o suficiente para fazer com que os olhos atentos de Ian se focassem novamente nela, ainda recolhida em sono profundo.Na escuridão do quarto, cortada apenas pela leve luz pálida que vinha de fora, os olhos azuis brilharam sobre ela. Era um brilho cheio de devoção a ela, e cheio de tristeza por pensar no que estava fazendo a ela, no que estava fazendo aos dois. Novamente se viu naquele turbilhão de pensamentos conflituosos e então veio a pergunta: O que estava fazendo à Alana?
Ao final da leitura, lágrimas já rolavam por sua face, molhando o papel. Resfolegou diante do final. O que poderia ter sido aquele ‘eu’ riscado?... Um ’eu amo você’? Seu coração falhou uma batida diante de possibilidade, e bateu as mãos na cabeça, ordenando a si mesma para não se iludir. Poderia ser qualquer coisa!Chorou. Chorou e chorou mais. Fora dessa maneira que Ian se sentiu quando terminou tudo entre eles? Fora essa dor, que lhe esmagava e lhe torturava, que se abateu sobre ele quando lhe disse que estava acabado?O bilhete fora largado sobre a cama e com pressa e desespero a pequena gaveta da mesinha fora aberta. De dentro dela Alana buscou um cordão de ouro, com um pingente. Um coração. Apertou o colar contra o peito. Era o colar que Ian lhe dera, e que, por alguma razão, não conseguira lhe devolver q
Mantinha os dedos das mãos entrelaçados de maneira muito displicente, o corpo inclinado para frente, em direção a mesa, e apertava os olhos a cada nova pontada de dor que lhe atingia a cabeça. Suspirou baixo e lentamente, controlando o impulso de levar às mãos a cabeça para massagear as têmporas como se de alguma forma isso fosse fazer com que a dor infernal sumisse.— Aqui Vincent, tome... — o Bennie quase – quase, apenas – pulou da cadeira e abraçou Cassandra ao ver que ela trazia um copo com água em uma mão, e um pequeno comprimido branco e redondo na outra palma aberta. — Vai ajudar com a dor de cabeça. — concluiu a rosada, entregando-lhe o comprimido e deixando o copo frente a ele antes de tomar lugar na outra extremidade da mesa.— Obrigado. — murmurou ele, baixo demais para um agradecimento, alto o suficiente para que
— Oh meu Deus... — ofegou. — Ele está bem?— Eu não sei. Não entendi direito o que sua amiguinha disse, ela estava falando muito rápido... — o Bennie suspirou, metendo as mãos nos bolsos da calça e estralando os ossos do pescoço. — Parece que nossa conversa vai ter que ficar pra depois, Cassandra. Sua amiga pediu para que eu fosse até o apartamento de vocês, talvez Ian esteja lá... Não sei. Não consegui entender nada além das palavras ‘Ian’, ‘minha casa’ e ‘imediatamente’. — bufou. — Já desconfiava da mentalidade da sua amiga apenas pelo fato dela se envolver com Ian, mas, sinceramente, não pensei que ela fosse tão mentalmente perturbada assim. Não conseguiu sequer formular uma frase corretamente antes de desligar o telefone na minha cara. Na minha cara! — botou &ecir
[...]Cassandra segurou o grito assustado quando chegaram a seu prédio e deram com a porta do apartamento completamente escancarada. Estava tudo escuro lá dentro, e a rosada sentia o coração aos saltos dentro do peito.— Alana? — chamou com a voz estrangulada. Deus, o que poderia ter acontecido? Deu um passo a frente, vencendo o medo do que poderia encontrar lá dentro, mas parou ao ouvir a voz de Vincent ao seu lado.— Espere. Eu vou. Fique aqui com a fedelha...Ele passou Eva – que caíra no sono no banco traseiro de seu ca
A sala pequena estava mergulhada em um silencio tão profundo e tenso que se uma agulha caísse no chão, soaria como se fosse um tijolo. Na poltrona de couro marrom, Loren jazia imóvel, seu rosto marcado por lágrimas. No sofá, Alana com os olhos baixos e marejados, Cassandra com os olhos arregalados e Vincent – que em algum momento do grande relato de Loren achou melhor se sentar – mais pálido do que normalmente era.— E-Eu não... E-eu não consigo acreditar nisso... — Cassandra quebrou o silencio, mas sua voz saiu tão baixa que era quase como se ela não tivesse falado nada. Ergueu os olhos para Alana, como que perguntando se aquilo tudo que acabara de ouvir era mesmo verdade.Alana suspirou, parecia que havia um sapo em sua garganta por que quando falou sua voz parecia levemente esganiçada.— Olhe
[...]Seus olhos azuis eram como dois pontos luminosos na escuridão do amplo escritório em sua casa. A luz bruxuleante da lareira acessa não era o suficiente para iluminar nem mesmo um terço da sala, a madeira precisava ser trocada pois já havia sido queimada quase toda, mas levantar de onde estava não era uma opção que consideraria. Oh, não. Só queria continuar ali, sentado na cadeira confortável e giratória atrás da grande mesa de mogno; um copo quase vazio em uma mão e a garrafa de whisky na outra.O inchaço em seus olhos seria notável de i
[...]Alana nunca esteve na mansão Norton antes; esteve, sim, diversas vezes na cobertura de Ian, mas na mansão Norton, onde Ian morou com a irmã e com o pai por um longo tempo, não. E, claro, estava impressionada com ela. A começar pelo imenso portão de ferro na frente da mansão, Alana achava seriamente que nada poderia colocar abaixo aquele portão a considerar a grossura que era o ferro, retorcido e com pequenas lanças pontiagudas e que pareciam bastante afiadas no topo. As lanças, claro, asseguravam que nenhum engraçadinho tentasse escalar o grande portão; não q