— Você está vivo, estou surpreso. — Victor tentava se agarrar a qualquer coisa, fundo que estava na dor e escuridão. — Mas deixou um rastro muito vermelho atrás de si. Eles logo virão completar o serviço. — Se agarrou àquela voz, com toda a força que lhe restava. — O quanto você quer viver?
— Por favor... — Foi a única coisa que conseguiu tirar da própria garganta.
O homem abaixado ao seu lado levou o próprio pulso à boca.
— Aqui. — Aproximou o pulso da sua boca, segurando sua cabeça pelo pescoço. — Beba, se viver é o que você quer.
Canela e cravo da índia; noz moscada e anis estrelado; cardamomo e castanhas; cacau e pimenta; um toque, apenas, lá no fundo, o sabor gravado na memória, como que tatuado na sua boca, agridoce, tão agradável... o perfume amadeirado impregnado no ar.— Vic? — Chamou. Esteve olhando pro teto por quinze minutos que lhe pareceram toda a vida; mas tudo bem, estava se adaptando já àquele tipo de coisa. — Já posso me mexer? — Perguntou. — Ou você... está num momento importante?— Hã... — Ouviu Victor rir soprado e bater com o pincel no apoio do cavalete. — Eu não consigo fazer isso.— Vi - hn! — Quando ia arriscar olhar para ver
Vampiros não existem. — Existem! — Virgílio insistia. — Minha avó me contou, eu consigo até ver. — Ele fechou os olhos e narrou, teatral. — Olhos vermelhos, vidrados...o queixo sujo de sangue, as mãos de garras enormes...trêmulas! — Abriu os olhos, encarando o amigo profundamente, numa pausa dramática. — E então ele correu pra escuridão... E nunca mais foi visto... Mas! — Exclamou. — Um corpo foi encontrado na floresta aquela manhã...e adivinha... — Virgílio se debruçou sobre a mesa, fazendo o outro se afastar alguns centímetros. — Sem. Uma. Gota. De sangue. — Ah, vá! — Lee sugou seu milk-shake de framboesas, zero por cento impressionado. — VG, isso são só histórias. — Minha avó não mente, cara, eu já te disse! — Sentou-se corretamente de novo, indignado. — Se ela disse "Eu vi um vampiro", então ela viu um vampiro. — Certo, certo... — Suspirou, derrotado. — Mas por que você
Lee teve uma boa noite de sono, mas o Conte não dormiu. Na manhã seguinte, Lee preparou o café do seu patrão e levou até o escritório.— Bom dia, senhor... — Victor o olhou de esguelha, a mão apoiando o queixo, o cotovelo ao lado do livro aberto sobre a mesa. — É... Victor.— Lee, você pode me fazer um favor? — Passou a página. — Não entre mais aqui hoje, certo? Nem amanhã, nem depois. Preciso... Me concentrar em alguns assuntos.— Nem pra trazer café?— Não vou precisar de café... Esse será suficiente. — Pegou a xícara e soprou a fumaça. — Aliás, obrigado.— Am... Ok... De nada.— Ele está o quê? — Virgílio perguntou, do outro lado da linha.— Definitivamente me evitando. — Lee repetiu. — Já faz uma semana.— Não estou surpreso.— Eu estou! Trabalho pra ele qua
— Conte Victor Conte, rei dos papéis e tintas!— Você... — Victor deu um suspiro cansado.— Ora, ora, ora, é assim que você saúda um amigo de longa data? — Ele riu, sarcástico.— E eu sou seu amigo, por acaso?— Ah, você é! Vem, vamos beber alguma coisa.— Algo que seque mais a garganta do que isso? — Pôs a taça vazia numa bandeja passando na mão de um garçom.— Eu posso te oferecer algo bom pra sua garganta... — Passaram por cortinas vermelhas, que davam para uma sala privada. — Mas não aqui.— Passo. — Victor não esperou ser convidado para se sentar.— Eu gostaria de saber até quando. — Deu mais uma de suas risadinhas burlescas, enchendo dois copos redondos de whisky.— Não é da sua conta.— Longe de mim me meter. — Passou um copo para Victor e se sentou.
Lee voltou pra mansão do senhor Conte na segunda-feira, sem conseguir tirar aquela história da cabeça. Então vampiros ficam sem cor quando estão a muito tempo sem sangue, é isso? Nunca tinha ouvido falar daquilo.— Mande lembranças ao Nosferatu. — Virgílio disse ao se despedir, quando o deixou na rodoviária.— Ah, vá te catar! — Virgílio tinha a certeza firme de que Victor era um vampiro, apesar de sempre falar brincalhão daquela forma, e tinha certeza só por tê-lo visto uma vez e com base nas histórias da sua avó. Queria que as coisas fossem fáceis na sua cabeça também, mas ele ainda não conseguia acreditar totalmente, mesmo com dois furos no pescoço.— Senhor Conte? — Deu uma espiada para dentro do escritório. Ninguém lá.— Patrão Conte? — Chamou de novo, subindo as escadas até o quarto de Victor. A porta dupla estava fechada. Encostou o ouvido na porta. Nada. Quis testar a maçaneta, mas
— Dante Lee, Dante Lee...— Ah, saco... Não deveria ter te contado. — Lee reclamou. — Aff... Eu tô tão... Chateado com tudo isso.— Relaxa, mano; na verdade eu tô surpreso que vocês só transaram.— VG...— Olha pelo lado bom, ele não é casado.— Virgílio, é sério! — Exclamou. — Não foi pra isso que eu aceitei esse emprego, eu... — Esfregou a mão no rosto, agoniado. — Eu tô... Me sentindo culpado.
— Fetiches com sangue. Já ouviu falar?— Ah... Já...?... Por alto.— Então... — Ele apoiou os cotovelos nos joelhos. — ... é aí que eu entro. — Falou baixinho, como que contando um segredo. — E você pode entrar também.— Isso não faz sentido. — Ele tomou metade do whisky em um gole. — Você é maluco.— Pessoas pensam que tem fetiches. Nós não, nós temos um fetiche de verdade. Um fetiche com sangue. — Voltou a recostar as costas na cadeira. — Basta se misturar entre elas, as pessoas que acham que tem fetiches sexuais com sangue, e... <
Lee olhou em volta, mesmo que não precisasse, mas na verdade precisou, porque só então notou que não haviam espelhos naquela mansão, sendo a única exceção o espelho velho atrás da porta do armário do seu quarto.Girou nos calcanhares e abriu a boca, mas Victor já estava na cozinha, conversando com Santino.— Muito obrigado pelo seu tempo, eu agradeço muito.— Não agradeça antes de experimentar. — Santino estava amolando uma faca atrás da bancada da cozinha, vestido numa elegante dólmã preta e um lenço vermelho afastando os cabelos do rosto.— Su