Após três semanas de intenso trabalho, o grupo de especialistas formado pelo Dr. Filipe Meine finalmente iria se reunir para discutir as primeiras informações decifradas pela força-tarefa.
Aproveitando o feriado prolongado de Carnaval, o encontro se daria na casa de Dru Ruver, para que os especialistas pudessem fazer uma incursão na Encosta de Capricórnio, na única casa de arandelas niqueladas, com a intenção de conhecer o lugar exato onde ela havia encontrado o livro.
Todos os detalhes foram organizados por Meine: o grupo partiria de sua casa rumo ao litoral por volta das dez horas da noite. Logo, a campainha soou e a primeira especialista a chegar foi a Dra. Vitina Almén, acompanhada de sua chow-chow Wendy.
- Olá, será que não vou mesmo incomodar trazendo minha cachorra? – perguntou a tradutora antes de atravessar a porta.
A Dra. Almén era professora, tradutora de Línguas Arcaicas e uma das mais conceituadas especialistas em Mitologia Grega e Romana. Vitina era alta, elegante, com belos cabelos curtos e pretos, tinha a pele bronzeada e era muito carismática.
Sem hesitar, Dru respondeu:
- Claro que não! Vai ser ótimo para a Dolly ter uma companhia para brincar!
Não tardou muito para o Dr. Kupis chegar acompanhado de sua esposa Ada, uma mulher vibrante, com um jeito falante e simpático de ser, que foi se apresentando:
- Boa noite, muito prazer! Achei incrível a ideia de passar o Carnaval fazendo uma investigação científica! Sou bióloga e para não perder tempo, trouxe comigo coletores de amostras, quero examinar tanto o livro antigo, como o local. Quem sabe possamos coletar alguma evidência forense ou algum material genético?
Todos ficaram surpresos com a atitude de Ada, que era uma mulher de rosto redondo e cabelos castanhos bem cortados, que veio decidida a não perder qualquer oportunidade.
Tanto Dru quanto Roddie reconheceram de imediato o Dr. Kupis, que era um eminente cientista que estava sempre concedendo entrevistas a jornais e revistas. Na televisão participava de talk-shows, falando de seu trabalho científico acerca da Teoria das Cordas, um cientista brilhante que tentava decifrar a implicação dos nanons como fonte de controle para o avanço e retrocesso no tempo. O Dr. Kupis era um sujeito alto com cabelos ruivos encaracolados, pele muito clara, óculos de lentes grossas, porém muito mais simpático pessoalmente e também muito magro.
Logo a campainha soou novamente, desta vez era o este é o Dr. Takei, astrônomo brilhante e reconhecido estudioso das primeiras cartas celestes do período antigo. O Dr. Takei carregava com esforço duas malas grandes, contendo um aparato de parafernália eletrônica: microscópio de alta resolução, lâmpadas ultravioletas e até mesmo um binóculo de visão noturna. Ele era um homem tímido com traços orientais, estatura média, cabelos grisalhos e sem dúvida, o mais sério do grupo.
Era exatamente nove horas e quarenta e cinco minutos, quando o último especialista do grupo chegou. O Sr. Felpes era professor, um estudioso autodidata e renomado especialista de Línguas Antigas. Ele um homem alto, com um rosto simétrico, olhos azuis, com cabelos castanhos claros bem penteados; além de inteligente, era um homem muito bonito.
Contudo, o Sr. Felpes estava acompanhado por uma convidada. Dra. Lítica: uma mulher linda de cabelos pretos presos a um coque, especialista e tradutora de Línguas Antigas. Para a surpresa de todos, ninguém conhecia a Dra. Lítica e com extremo mau humor, o Dr. Meine retalhou:
- Felpes, isto não é uma excursão turística! Não há ingressos à venda.
- Estou ciente de suas observações, Meine. Mas a Dra. Lítica é notável tradutora e deve participar do grupo.
- Você esqueceu de um único detalhe: quem recruta os membros do grupo sou eu! E nunca pedi a sua ajuda para decidir quem deve ou não participar dele!
- Peço desculpas por não tê-lo consultado! Mas agi por impulso! Não queria perder a oportunidade de ter Lítica conosco! Por favor, confie em mim!
Os argumentos de Felpes não convenciam Meine. O clima ficava cada vez mais tenso. Na tentativa de amenizar a situação o Dr. Kupis arriscou:
- Meine, talvez seja uma boa ideia! Afinal, a tanto o que fazer! Eu concordo que Felpes foi precipitado, mas...
- Precipitado e irresponsável! – o cartógrafo interrompeu.
- Precipitado, sim! Irresponsável, não! – se ofendeu Felpes
– Trago comigo uma excelente profissional que pode nos ajudar! Lítica já trabalhou na tradução de documentos medievais, livros raríssimos, pergaminhos...
Felpes passou a próxima meia hora, explicando ao grupo a sua decisão e seus motivos em trazer os convidados.
Após muita conversa e acertadas as diferenças. O Dr. Meine ficou convencido do trabalho e experiência da Dra. Lítica na tradução de importantes documentos. Por decisão unânime, o grupo concordou com a entrada dela como membro da força-tarefa.
Aos poucos, todos iam se enturmando. Meine após uma longa conversa com Lítica ficou mais animado e bem disposto, demonstrando a sua gentileza e hospitalidade em nome do grupo. Até hoje não se sabe ao certo se foram os atributos profissionais ou físicos que fizeram o Dr. Meine se derreter por Lítica.
Resolvidos todos os contratempos, por volta da meia-noite o grupo pegou a estrada, seriam cerca de três horas e meia de viagem até a casa de veraneio de Dru Ruver, perto do Trópico de Capricórnio.
Por volta das quatro horas e dez minutos da manhã, o cansaço já se fazia sentir visivelmente, e Dru se apressou em acomodar os visitantes o mais confortavelmente possível. Cada hóspede foi para o aposento indicado. Dru desejou boa noite a todos, avisando que o café da manhã seria servido às dez horas.
Ela então subiu as escadas com Dolly em seu colo, rumando diretamente para o quarto. Após vinte minutos o alvoroço se dissipou, tudo estava quieto e silencioso, e todos, aparentemente, dormiam.
O cheiro de café quente, as conversas miúdas e provavelmente o latido de Dolly na varanda perseguindo borboletas foram mais do que suficientes para despertar o grupo.
Aos poucos, todos se reuniram espantados com a quantidade de comida para o caprichado café da manhã que a Sra. Lile servia. Somando o fato da casa cheia ser realmente uma novidade e a intensa curiosidade dela acerca dos convidados de Dru Ruver, a Sra. Lile não media esforços para agradar, o que lhe garantiu soltos elogios.
Mas como sempre acontece, nem todos do grupo estavam tão animados e despertos: o Dr. Kupis, o Dr. Meine e Dru Ruver permaneceram à mesa mais calados do que de costume, somente após a ingestão do café da manhã ficaram realmente bem despertos e animados; nitidamente os três fazem parte de uma pequena parte da população que começa o dia sem tagarelar muito.
Como tudo mesmo é relativo, o oposto acontecia com o restante do grupo, que entre um café e outro, um bolinho, um sanduíche ou uma fatia de queijo, comentavam animados sobre a qualidade do ar, o feriado prolongado, a justa contemplação da natureza.
Claro que todos concordavam e davam opiniões, reforçando o quanto não estamos mais acostumados a uma vida simples. Dru pensou consigo mesma - mas não ousou dizer uma palavra - sobre a qualidade do silêncio, e como ele é precioso, principalmente quando alguém do grupo começa a tagarelar sem parar, neste caso era a Sra. Kupis que falava pelas ventoinhas.
Cerca de uma hora após o café da manhã, com a certeza de que todos estavam satisfeitos e bem alimentados, Dru sugeriu uma caminhada em direção a casa cinza com arandelas niqueladas no declive sul. A Dra. Vitina gostaria de levar os cães no passeio, ficou muito desapontada quando Dru frisou:
− Nem pensar, doutora. Eu sinto muito, mas Dolly e Wendy estarão bem mais seguras em casa!
A Dra. Vitina não disfarçou o espanto:
− Se for esta a situação, eu compreendo. Jamais me perdoaria se algo acontecesse às pequenininhas! Deus me livre!
Dru nada respondeu. Afinal, há dois meses ela tinha estado naquela casa e não sabia ao certo o que esperar; mesmo calada, sua boca ficou seca e um calafrio lhe percorreu a espinha.
Por volta do meio dia o grupo se colocou em marcha caminhando animado até a casa de arandelas niqueladas no declive sul. Trajando roupas mais leves e sapatos confortáveis, levaram apenas o indispensável para o passeio: água, algumas barras de cereais, três câmeras digitais, quatro lanternas comuns e uma lanterna especial de luz infravermelha.
- É ali! − anunciou Dru , apontando para a imponente e desolada construção.
Todos por um minuto olharam em volta, talvez, procurando indícios de que ali, naquele local, entre tijolos velhos e aparente abandono, pudessem coletar dados que ajudassem a decifrar aquele livro antigo e misterioso.
Logo, o grupo se dirigiu ao atalho de entrada. Tudo estava quieto e tranquilo, Dru não notou nenhuma mudança de sua visita anterior ocorrida há dois meses, até mesmo a vegetação rasteira e o extenso jardim não expressavam diferença.
Já perto da porta de entrada, Dru retirou do bolso a chave extraordinariamente comum que abria aquela porta, mesmo percebendo que cada um do grupo contemplava e analisava a seu modo o lugar, ela deu dois passos em direção à porta, dizendo:
− Estou com a chave. E então, vamos entrar?
Todos prontamente concordaram e a jovem pousou as mãos sobre a fechadura: duas voltas e meia para direita e a porta se abriu sem esforço. Por um momento, ela prendeu a respiração, retirando a chave da porta e guardando-a no bolso. Dando um passo firme cruzou o escalão de entrada, seguida de perto pelo Dr.Meine e por Roddie. Atrás deles vieram o Dr. Kupis e Ada de mãos dadas. A Dra. Vitina e o Sr. Felpes logo atrás, e em seguida o Dr. Takei e a Dra. Lítica, que foi a última a cruzar o escalão de entrada da desolada construção. A sala estava igualmente fria e limpa como há dois meses, e Dru não notava nada fora do comum: − Foi aqui que eu achei o livro! – ela apontou para o chão branco, após caminhar cinquenta e cinco passos – Tinha um pequeno buraco aqui neste ponto! Olhem! Foi aqui! – Dru agachou recriando imaginariamente os fatos – Eu acionei um pequeno botão prateado que estava aqui! Aí uma alavanca abriu um quadrado e eu apanhei o livro! − Tem certeza de q
Na manhã seguinte o grupo ainda dormia quando um grito da Dra. Vitina os acordou em sobressalto: − Ele está morto! Meu Deus, ele está morto! Todos acudiram a doutora, tentando entender suas palavras de desespero e desamparo. Ela gritava, chorava e soluçava. Ada Kupis a abraçou ternamente tentando de alguma forma consolá-la. O Dr. Meine e o Dr. Kupis acudiram a vítima, realizando massagem cardíaca e respiração boca-a-boca, na tentativa de retomar o pulso; prestando os primeiros socorros. Mas de nada adiantou: o Dr. Takei estava morto. A hipotermia tirou-lhe a vida durante a noite passada. O Dr. Meine declarou com pesar: − Ele está morto! Ele não resistiu ao frio, o coração não aguentou tanto esforço! – ele suspirou um profundo lamento e prosseguiu – Há mais de cinco anos o Dr. Takei vinha sofrendo de uma disfunção cardíaca e fazia tratamento para controlar a doença! É lamentável! Realmente lamentável! − Ele tinha família, tio? − Sim, cl
Levando as duas lanternas, os dois jovens rastejaram pela entrada. Roddie tomou a iniciativa e Dru, sem perder tempo, foi logo em seguida. Desde o primeiro degrau deu para notar como a escada e a escotilha eram colossais. Os dois jovens desciam simultaneamente, lado a lado, tateando, degrau a degrau, iluminando com a lanterna os próprios passos. Os degraus eram largos e bem espaçados. Dru suava frio e tinha a boca seca tentando imaginar o que os esperava lá embaixo. O trajeto era lento e só conseguiam ver os degraus e as paredes também metálicas daquele cilindro, que nada revelavam. − Está tudo bem aí? – bradou Meine. − Tudo bem, tio! Em silêncio continuaram com prudência a descida que parecia interminável: vinte degraus, trinta degraus, quarenta degraus... - Veja a moeda! – Dru constatou aliviada quando sua lanterna capturou o reflexo. - Isso! É ela mesma! E assim os jovens apressaram a descida, tocando no fundo
Reduzido o grupo, reduzida a preocupação. Afinal, é certo que todas as situações oferecem prós e contras. Tomar decisões sempre implica abrir mão de uma, em favor de outra possibilidade, e no caso do grupo de Dru Ruver não era diferente. Logo, reuniram suprimentos de água e mais castanhas, porque não sabiam ao certo se encontrariam mais alimento ou água pela frente. Só nos bolsos, Dru carregava praticamente a mesma quantidade de castanhas do resto do grupo e, notando que eles a olhavam surpresos, ela se justificou: − Uma garota prevenida vale por duas! Partiram por volta do meio-dia e tudo em volta da trilha parecia familiar: plantas, árvores, rochas, o céu azul, exceto, é claro, pelas dimensões avantajadas. Caminharam por toda tarde, fazendo pausas regulares para descansar. Dentro de pouco tempo, o grupo se deparou com um achado inestimável: - o que sustentou o ânimo até o anoitecer: batatas doces. Sim, batatas doces e gigantes, cada uma pesava
O Dr. Oscar Kupis, Ada Kupis, a Dra. Lítica e o Sr. Felpes partiram logo após o desjejum, deixando para trás a floresta tropical e o grupo de Dru Ruver. Preveniram-se, carregando rações extras de água, castanhas, a única lanterna que ainda funcionava, um maço de cigarros e dois isqueiros. Naquela manhã, partiam esperançosos, sonhando que em breve pudessem estar no confortável e seguro lar de onde vinham. Para aqueles quatro viajantes, esta esperança era o único elo no qual podiam se agarrar, evitando assim o inconformado desespero. O Sr. Felpes se tornou, mesmo a contragosto, o líder do grupo. − Vamos fazer o caminho inverso. – Felpes declarou – Nós vamos voltar exatamente por onde viemos. Chegando no deserto, vamos para o sul! − Certo, Felpes, isto é muito lógico e racional – concordou a Sra. Kupis – No entanto, o que mais me apavora é que o que vamos fazer, quando chegarmos ao mesmo ponto de partida? − Ada, meu bem, – falou suavemente o Dr. Ku
Já era o segundo dia consecutivo desde a descoberta da escotilha. Apesar da distância percorrida, nada parecia alterar a paisagem daquela floresta tropical, eram apenas árvores e mais árvores, Vitina até brincou dizendo que jamais havia visto, nem mesmo pela televisão, tantas árvores juntas. Contudo, o grupo se considerava com sorte, não sofriam nem com a escassez de alimento e muito menos de água, sem contar que a última noite tinha sido excessivamente tranquila: sem chuva, sem sentinelas, sem nenhum fato inusitado. O dia passou lentamente com a caminhada exaustiva, a noite já caia quando o Dr. Meine sugeriu: − Que tal pararmos? Vamos preparar o jantar e dormir por aqui. Foi um dia longo e estou muito cansado! Todos concordaram, escolhendo uma fresta privilegiada entre duas árvores enormes para passarem a noite. Vitina preparou a fogueira, Roddie a comida e Dru Ruver, por medida de precaução, foi explorar alguns metros ao redor do improvisado acampamento para verifi
Naquela noite, o grupo decidiu manter-se acampado ao redor do lago, presumindo que ali fosse possível avistar ou fazer contato com as criaturas da floresta. Dru já estava desapontada ao esperar tanto tempo, tudo parecia calmo demais e ela tinha uma estranha sensação de que alguém ou alguma coisa a estava observando. Somente na hora do jantar, ela tomou coragem para revelar a sua preocupação: − Eu não sei explicar muito bem, mas tenho a estranha sensação de estar sendo ob-observada – ela gaguejou sem querer. - Eu sinto que alguém está nos vigiando. − Parece absurdo! – disse Vitina, interpelando o sentido de sua frase – Será que não é sua imaginação? Será que isto é possível? − Impossível quase tudo não é! Porque estamos aqui, não estamos? – afirmou muito aborrecido Meine. − Eu não queria dizer nada, sabia que iam ficar preocupados! − É isto! Isto explica tudo! − Explica o quê, doutor? – Dru perguntou não entendendo as conclusões do cart
No dia seguinte, Dru recobrou os sentidos com um forte estrondo. Ela passou rapidamente o olhar em volta da cela metálica. Surpresa, percebeu que logo à sua frente havia dois potes de barro: um com água e outro com comida. Faminta, ela agarrou o pote maior com a comida e com a mão direita comeu compulsivamente uma mistura pastosa e grudenta, de gosto amargo. Ela comeu e bebeu tudo freneticamente, por fim se sentiu revigorada, e sua mente se aquietou por alguns instantes. Deixou-se ficar ali, parada, imóvel, ainda sentindo o estranho gosto da refeição, ouvindo lá de fora o incessante barulho de quebrar pedras. Foi então, que se perguntou: de que modo aqueles potes chegaram até ali? Por garantia, a jovem deitou-se no canto esquerdo da cela metálica agarrada a um dos potes de barro, ao menos assim um deles não sumiria sem que percebesse. Passaram-se horas até que um novo estrondo ecoou dentro do cilindro. Dru despertou, ouvindo sons vindos de cima, imediat