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Montelago - Itália

Setembro de 2024

O sol da manhã invadia o pequeno apartamento em Montelago, mas o brilho que ele irradiava não parecia alcançar Chiara. Ela estava de pé em frente ao espelho, estudando o próprio reflexo. O corte de cabelo curto ainda era um choque, mesmo depois de alguns dias, ela ainda não tinha se acostumado com o seu novo visual.

— Bom dia, Dario — murmurou para si mesma, tentando imitar o tom descontraído e confiante do irmão. A voz soava estranha, como se fosse alguém que ela não conhecia.

Ela ajeitou o cabelo curto, suspirando. O visual estava perfeito. Daria para enganar qualquer um pelo menos, era isso que ela esperava.

— Não fique se estressando tanto — disse Martina, entrando na sala com uma xícara de café na mão e um sorriso no rosto. — Você está parecendo ele. Agora só falta acreditar nisso.

— Fácil para você falar — Chiara respondeu, passando as mãos nervosamente pelos cabelos. — Você não vai estar lá fingindo ser outra pessoa.

Martina riu.

— Verdade, mas eu adoraria ver a cara dos jogadores quando você entrar na quadra. Vai ser épico! — Ela piscou, colocando a xícara na mesa. — Tenho certeza que eles estão esperando alguém mais alto e robusto. 

Chiara suspirou novamente, com o estômago revirando. A ideia de encarar os jogadores do Lombardy Lions pela primeira vez a deixava em pânico. Ela conhecia o time, sabia que tudo que eles pensavam era em ganhar e não seria um líbero franzino de 1,74 cm que atrapalharia isso.

— Se eles descobrirem — começou Chiara, mas Martina a interrompeu com um gesto rápido.

— Ninguém vai descobrir nada. Você é tão boa quanto o Dario, talvez até melhor em algumas coisas — disse Martina com firmeza. — Hoje é o dia de provar isso, para eles e para você mesma.

Chiara olhou para a amiga e, por um momento, sentiu um lampejo de confiança. Martina sempre tinha essa habilidade de fazer as coisas parecerem mais fáceis do que realmente eram.

— Ok, você está certa — disse Chiara, endireitando os ombros. — Hora de ser o Dario.

Martina sorriu, orgulhosa.

— É isso aí! Agora, vai lá e arrasa meu amor.

As duas pegaram suas mochilas e saíram do apartamento, descendo as estreitas ruas de Montelago até o carro de Martina. O silêncio do trajeto até o ginásio foi preenchido apenas pelo som dos pensamentos de Chiara, que tentava manter o foco em cada detalhe que havia aprendido ao longo dos anos jogando por diversão com o irmão.

Hoje era o começo da mentira que ela teria que sustentar. E ela faria isso funcionar, custasse o que fosse. 

O carro de Martina parou em frente ao ginásio com uma freada suave. 

— Bem, é aqui que eu te deixo — disse Martina, desligando o motor e lançando um último olhar encorajador para a amiga. — Tenho que correr para tirar aquelas fotos da equipe. Mas, mal posso esperar para saber como foi seu primeiro treino.

Chiara sorriu nervosamente.

— Achei que você viria comigo, mas vai lá, e boa sorte com as fotos.

— Relaxa! — Martina riu, inclinando-se para apertar o ombro de Chiara antes de sair do carro. — Você vai arrasar. Já está arrasando só com esse corte de cabelo. Lembra: você é o Dario Bianchi agora.

Chiara assentiu, tentando parecer mais confiante do que se sentia.

— Nos falamos depois.

Martina acenou e saiu rapidamente, enquanto Chiara respirava fundo e olhava para o ginásio à sua frente. Era hora de entrar. Sozinha.

Com cada passo em direção à entrada, o nervosismo aumentava. O que os jogadores do Lombardy Lions pensariam dela, ou melhor, de Dario? Eles provavelmente já tinham visto a foto dele no I*******m do time, então sabiam que ele era o novo líbero. Isso a deixava ainda mais tensa.

Ao abrir as portas e entrar no ginásio, sentiu alguns olhares se voltarem imediatamente para ela. O silêncio foi quebrado por sussurros rápidos entre alguns jogadores que estavam se alongando. Era claro que a figura magricela e mais baixa de Dario não passaria despercebida.

— Ei, você é o Bianchi, não é? — Uma voz ecoou da quadra.

Chiara virou-se e encontrou um jogador alto, com um sorriso brincalhão no rosto, caminhando em sua direção. Ele parecia estar se divertindo mais do que o normal com a situação.

— Luca Ricci, central do time — disse ele, estendendo a mão. Chiara apertou a mão dele com firmeza, tentando manter a pose de Dario.

— Dario Bianchi — respondeu ela, tentando imitar o tom casual do irmão.

Luca a examinou por um segundo, seus olhos passando por ela, de cima a baixo. Um sorriso travesso apareceu em seu rosto.

— Ah, o novo líbero — disse ele, inclinando-se levemente, como se a estivesse avaliando. — Você tem certeza de que é jogador de vôlei? Estou te achando muito delicado para o esporte.

Chiara soltou uma risada nervosa, sem saber como reagir. Por um segundo, ela pensou em como Dario responderia, provavelmente com uma provocação leve. Tentou canalizar essa confiança.

— Espera até me ver em quadra, ah e eu não tenho culpa de você parecer um brutamontes com esses seus 2 metros de altura. — respondeu, dando de ombros e forçando um sorriso, mesmo que por dentro estivesse uma pilha de nervos.

Luca soltou uma gargalhada.

— Isso aí, garoto! Gosto de gente que tem resposta na ponta da língua. Mas não se preocupe, vamos cuidar bem de você. Só não me faça parecer muito lento, ok? — ele piscou e deu um tapinha amigável nas costas de Chiara.

Chiara riu, um pouco mais aliviada pela abordagem descontraída de Luca, mas ainda consciente de que todos os olhos estavam sobre ela. Conforme o treinador se aproximava e os outros jogadores se reuniam, ela sabia que o verdadeiro teste estava prestes a começar.

O treino.

O treinador soprou o apito, sinalizando o início dos exercícios de recepção, e Chiara, posicionada perfeitamente como o irmão dela estaria, sentiu a tensão aumentar. Cada jogador estava concentrado em seus movimentos, aquecendo os braços e se preparando para a ação. Ela, no entanto, estava focada em uma única coisa: não deixar que seus nervos a traíssem.

As primeiras bolas começaram a ser lançadas, e Chiara foi imediatamente colocada à prova. Um saque forte veio na sua direção, rápido como uma bala. Ela se agachou, braços estendidos, e sentiu o impacto. A bola voou com precisão, alta e controlada.

Ela conseguiu.

A cada nova bola que vinha, sua confiança crescia. As defesas que praticara tantas vezes ao lado de Dario finalmente estavam funcionando. Bola após bola, Chiara mergulhava para fazer as recepções, sem dar espaço para dúvidas. As jogadas eram rápidas, mas ela estava à altura do desafio.

Ao final do aquecimento, o suor já escorria por seu rosto, mas uma pequena sensação de orgulho crescia dentro dela. Ela não havia apenas sobrevivido ao início do treino, havia se saído melhor do que jamais imaginara. A cada bola defendida, conseguia esconder mais o nervosismo e deixar o corpo fluir naturalmente no ritmo dos exercícios.

— Você mandou bem, novato — Luca comentou, passando ao lado dela com um sorriso brincalhão. — Está começando a parecer um jogador de vôlei de verdade.

Chiara soltou uma risada, aliviada. A dor nos braços era intensa, mas ela estava grata por ter seguido o conselho de Dario e usado os manguitos. Se não fosse por eles, seus braços estariam cobertos de hematomas, tamanha era a força das boladas que tinha recebido. Mas, com os manguitos, a dor era suportável.

No entanto, nem todos no time pareciam tão satisfeitos com o novo líbero.

A cada vez que os olhares de Chiara cruzavam com os de Aki Ishikawa, o capitão e ponteiro do time, ela sentia uma onda de desgosto emanando dele. Ele a observava com uma expressão dura, quase crítica, como se não confiasse em sua capacidade. Havia algo no olhar dele que deixava claro: Aki não gostava nem um pouco da presença de Dario.

Ele estava de braços cruzados, afastado dos outros jogadores, com os olhos estreitos, observando cada movimento de Chiara. Para ele, o novo líbero não parecia estar à altura do que o Lombardy Lions precisava. Mas Aki não disse uma palavra. Ele era o tipo de jogador que deixava suas ações falarem mais alto. Não estava interessado em conversa fiada, apenas em treinar duro e garantir que o time estivesse preparado para o campeonato.

Chiara podia sentir o peso da expectativa e, ao mesmo tempo, a rejeição silenciosa de Aki. Mas ela se manteve firme. Não estava ali para ser a melhor amiga de ninguém; estava ali para jogar bem e proteger o segredo dela e de Dario.

Quando o treino terminou, o treinador fez um breve aceno de aprovação para o grupo.

— Bom trabalho hoje, pessoal. Continuem assim e estaremos prontos para o campeonato. — Ele olhou para Chiara brevemente, mas não fez nenhum comentário, o que ela tomou como um bom sinal. 

Enquanto os jogadores se dispersavam, Luca se aproximou novamente, dando um leve tapa no ombro dela.

— Nada mal para o primeiro treino, baixinho. — Ele piscou, rindo. — Vamos ver se você mantém o ritmo no próximo.

Chiara riu, mesmo sabendo que Luca só estava brincando. Ela havia sobrevivido ao primeiro dia, mas sabia que o caminho seria longo. E Aki Ishikawa? Ele ainda não havia se convencido. Com um último olhar em direção ao capitão, Chiara prometeu a si mesma que, se dependesse dela, ele não teria nenhum motivo para duvidar de sua capacidade.

Chiara saiu do ginásio sentindo o corpo pesado, mas havia uma leveza em seu espírito. Pegou o celular e rapidamente digitou uma mensagem para Martina:

“Correu tudo bem. Vamos nos encontrar no apartamento mais tarde? Tenho muito para te contar.”

Com a resposta de Martina confirmada, ela se dirigiu ao ponto de táxi. O ar fresco da noite de Montelago batia suavemente em seu rosto, e Chiara aproveitou o momento para respirar fundo. As ruas de paralelepípedo iluminadas pelos postes antigos traziam uma sensação de tranquilidade à pequena cidade, como se nada ali pudesse dar errado. As lojas já fechadas, com suas vitrines decoradas de forma simples, davam ao centro da cidade um charme acolhedor.

Enquanto o táxi seguia pelas ruas sinuosas, Chiara observava as colinas ao longe, escurecendo com o cair da noite. Montelago, com suas casas de pedra, igrejas antigas e uma praça central quase sempre movimentada, parecia imutável. Havia algo reconfortante no ritmo lento da cidade, que contrastava com a agitação dos últimos dias.

O táxi parou em frente ao prédio. Chiara desceu, pagou o motorista e começou a subir os degraus que levavam ao apartamento. O som das folhas farfalhando nas árvores e o eco de seus passos pelos corredores a acompanhavam, oferecendo uma breve companhia naquela noite que prometia ser longa. Enquanto subia as escadas, seus pensamentos vagaram para as colinas ao redor da cidade, que ela tanto adorava explorar nas manhãs ensolaradas, uma distração para a agitação interna que sentia.

Quando girou a chave na porta do apartamento, o alívio que esperava encontrar se desfez rapidamente. Assim que entrou, a tensão no ar era palpável.

Na sala, sentados lado a lado no sofá, estavam Roberto Bianchi e Dario. O ambiente estava pesado, e Chiara sentiu o corpo enrijecer. Seu pai tinha os braços cruzados, o olhar sério e sombrio. Dario, por sua vez, mantinha a cabeça baixa, os olhos desviando dos dela.

— Pai? O que você está fazendo aqui? — A voz de Chiara saiu trêmula, mas ela tentou soar normal.

Roberto levantou-se lentamente, os olhos cravados nela. Ele sempre fora um homem de poucas palavras, mas quando falava, suas palavras carregavam um peso imenso. Chiara sabia que algo estava por vir.

— Que merda foi que vocês fizeram? — perguntou ele com a voz carregada de frustração.

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