A luz suave da manhã já iluminava as montanhas ao redor de Montelago quando Chiara estacionou o carro de Dario em frente ao ginásio. Esse era um pequeno passo para se sentir mais confiante, além de evitar os táxis e as caronas diárias de Martina.
Ela estacionou o carro com cuidado e pegou a bolsa no banco do passageiro. O movimento no estacionamento já estava começando, com alguns jogadores chegando, mas foi a Mercedes Benz C300 azul que chamou sua atenção. A porta do carro se abriu com uma suavidade quase ensaiada, e quem saiu de lá foi Aki, com aquele andar confiante, como se o mundo estivesse exatamente onde ele queria que estivesse.
Chiara respirou fundo. Aki era um enigma para ela, ele era sempre distante, sempre observador, mas nunca de fato amigável. Talvez fosse a hora de tentar quebrar o gelo, ou pelo menos ser educada.
— Bom dia, Aki — disse ela, tentando soar casual, mas sentindo o coração bater um pouco mais forte.
Para sua surpresa, Aki a olhou por um instante, assentiu e respondeu.
— Bom dia — disse ele, num tom neutro, mas nada hostil.
Chiara piscou, surpresa. Ele sequer hesitou em responder, e a expressão no rosto dele não era de irritação, como ela havia esperado. Aki simplesmente continuou seu caminho em direção ao ginásio, com aquela mesma confiança tranquila de sempre.
Ela ficou por um momento parada, observando-o caminhar com aquela postura impecável. “Talvez ele não seja tão odiável assim”, pensou. Com um leve sorriso no rosto, Chiara pegou sua mochila e seguiu para o ginásio.
Alguns minutos depois o ginásio estava repleto de energia, o som das bolas de vôlei batendo no chão ecoava pelo espaço, misturado aos gritos dos jogadores e orientações do técnico. O campeonato se aproximava, e a tensão estava no ar. O treino daquele dia seria pesado e todos sabiam disso.
Chiara, com sua melhor pose de Dario, se juntou ao time de Aki. Seu coração batia forte, e ela sentia o peso de cada movimento. Ela tinha a responsabilidade de não manchar o nome do irmão como jogador, então ela precisava jogar muito bem, como se aquele treino valesse sua vida, e no fim das contas realmente valia.
— Vamos lá, gente! Sem moleza! — gritou o técnico, jogando a bola para o alto.
O treino de hoje seria uma partida simulada, com os jogadores divididos em dois times. Do outro lado da rede, Luca Ricci, o central sempre bem-humorado, preparava-se para a partida. Ele e Aki eram bons amigos, mas sempre que havia a oportunidade de provocação, Luca não perdia tempo.
— Ei, Aki! — gritou Luca, com um sorriso travesso no rosto. — Não vai pegar leve com a gente, né? Ou vai deixar o Dario carregar você nas costas?
Aki apenas lançou um olhar de lado, sem responder. O tipo de comentário que Luca adorava fazer para provocar. Chiara observava a troca, percebendo a leve tensão que vinha de Aki, mesmo que ele tentasse não demonstrar.
A partida começou, e logo o ritmo ficou intenso. Chiara, dava tudo de si para defender as bolas que vinham como mísseis da equipe adversária. Cada mergulho, cada recepção, ela fazia com todo o esforço que tinha, querendo impressionar Aki. Não que ele fosse o tipo de pessoa que precisasse ser impressionado, mas ela não poderia deixar Dario parecer um jogador medíocre.
Por outro lado, Luca estava dando um show no outro time, aproveitando cada oportunidade para provocar Aki, sempre com aquele sorriso malandro.
— Ei, Aki! Tá difícil aí? — provocou ele, após um bloqueio bem-sucedido. — Talvez o Dario precise de um descanso, que tal?
Chiara ignorou a provocação, querendo apenas se manter focada na partida. As bolas vinham rápidas e violentas, e ela mal tinha tempo de respirar entre uma defesa e outra. Mas, por mais que ela se esforçasse, o time de Aki estava tendo dificuldades em manter o controle do jogo. A recepção estava quebrada, o bloqueio falhava constantemente, e a equipe adversária se aproveitava de cada oportunidade.
No final, o time de Luca venceu a partida, e o silêncio pesado pairou sobre o time de Aki. Chiara sentiu o corpo dolorido, mas a sensação de frustração era ainda maior.
Aki, visivelmente irritado, se aproximou do técnico e do time. Ele não era de gritar, mas a irritação estava estampada em sua expressão.
— A gente precisa ajustar o bloqueio — começou ele, com o tom controlado, mas firme. — Toda vez que paramos a bola no bloqueio, não tem ninguém embaixo para cobrir. Isso tá custando pontos demais.
O técnico assentiu, ouvindo atentamente, enquanto os outros jogadores mantinham o olhar fixo no chão.
— A recepção também tá falhando — continuou Aki. — Os passes estão vindo muito tortos, e isso dificulta qualquer ataque. Não adianta a gente tentar melhorar o bloqueio e as entradas se não tem uma defesa sólida para segurar a jogada.
Então, ele lançou um olhar rápido para Chiara, mas desviou logo em seguida.
— E o Dario. — ele hesitou por um segundo, mas logo continuou. — Tá muito lento. Se não acelerar, vai ser difícil manter o ritmo do time. — A última frase saiu mais baixa, quase como se estivesse falando consigo mesmo — Mas também, o que se podia esperar de um filhinho de papai que compra a vaga em um time de elite?
Chiara ouviu claramente o comentário. Sentiu um aperto no estômago, mas não reagiu. Ela sabia que estava dando o melhor de si, mas aos olhos de Aki, isso parecia não ser suficiente.
Instantes mais tarde o treino terminou sem grandes conversas. O clima no time ainda estava tenso, mas todos sabiam que havia tempo para corrigir os erros antes da primeira partida oficial. Aki e o técnico haviam apontado pontos claros a serem melhorados, e a equipe saiu da quadra mais focada no que precisavam ajustar.
Chiara, por sua vez, tentava manter a calma, mas a frase de Aki ainda ecoava na sua mente. “Filhinho de papai que compra a vaga em um time de elite.” Aquilo a estava corroendo por dentro, porque não era assim que as coisas haviam acontecido. Dario havia sido sondado pelo time bem antes de Roberto entrar com o patrocínio. Ele havia conquistado sua vaga por mérito, e o envolvimento do pai foi uma ideia que apareceu depois, como se Roberto quisesse garantir um espaço ao lado do filho. No entanto, aos olhos de Aki, tudo parecia uma jogada de poder.
“Até quando meu pai tenta ajudar, ele atrapalha.”, pensou Chiara, sentindo a raiva crescer. Era como se o peso de todas as decisões de Roberto sempre recaísse sobre ela e Dario, e agora ela estava carregando esse fardo duplamente.
Enquanto caminhava em direção ao vestiário, a frustração fervilhava dentro dela. Antes que percebesse o que estava fazendo, seus pés a levaram diretamente na direção de Aki, que havia acabado de entrar no vestiário. Ela mal teve tempo de reconsiderar seu próximo movimento. A impulsividade tomou conta, e antes que pudesse se arrepender, ela já se encontrava em pé, na frente dele, o sangue fervendo nas veias.
— Qual o problema que você tem comigo, cara? — A pergunta saiu em um tom mais grosso do que ela esperava, mas estava longe de se sentir intimidada naquele momento.
Aki, que estava prestes a tirar suas coisas do armário, parou e olhou para ela, levantando as sobrancelhas, surpreso. O silêncio que se seguiu era quase palpável, e os poucos jogadores que ainda estavam no vestiário deram uma olhada de relance, chocados com o que estava acontecendo.
Aki encarou Chiara por alguns segundos, sua expressão séria, enquanto cruzava os braços. O ambiente no vestiário estava carregado de suspense.— Sabe qual o meu problema com você? — começou Aki, o tom de voz controlado, mas carregado de desprezo. — Eu não gosto desse tipo de jogador que chega em um time sem ter lutado por nada. Que não sabe o que é sacrificar o corpo, o tempo, e tudo mais, só para ter a chance de jogar.Chiara sentiu o estômago apertar, mas manteve-se firme, com os ombros retos, tentando parecer imperturbável.— Do que você tá falando? — ela retrucou, tentando manter a voz firme. — Eu treino como qualquer um aqui.Aki soltou uma risada curta, mas sem humor.— É fácil falar agora. — Ele deu um passo à frente, mantendo o olhar fixo nela. — Mas você sabe o que o Luca passou? O cara jogava em um time de quinta categoria antes de finalmente conseguir uma chance aqui. Três anos sendo ignorado por clubes de elite até alguém enxergar o talento dele.Ele apontou para outro joga
A manhã do primeiro jogo oficial da Superlega chegou mais rápido do que Chiara imaginava. Os últimos dias haviam passado sem grandes problemas, e o Lombardy Lions parecia cada vez mais entrosado. Chiara ajustava as meias enquanto observava seus companheiros de equipe se aquecendo. O ginásio estava repleto de energia, os gritos dos torcedores ecoavam nas arquibancadas, e o clima de competição já dominava o ambiente. A adrenalina corria solta e seu coração batia muito rápido, mas havia uma sensação de estar em casa, ela estava confiante.— Vamos começar com tudo! — gritou o técnico, aproximando-se do time. — Vocês sabem o que fazer. Foco no bloqueio e não se deixem intimidar pela pressão. É só mais um jogo, um passo de cada vez.O apito inicial soou, e o jogo começou.O Lombardy Lions entrou com força total, determinado a impor seu ritmo logo de cara. A bola subiu para o saque inicial, e o adversário tentou intimidar com ataques rápidos e precisos. Chiara, estava atenta em cada movimen
O som dos passos de Luca ecoava pelo vestiário enquanto ele e Aki entravam, prontos para mais um dia de treino. O clima estava relativamente tranquilo.Chiara estava chegando ao ginásio quando, ao se aproximar da entrada do vestiário, ouviu vozes familiares. Seu coração acelerou, e ela parou antes de entrar. Era Aki e Luca, conversando com um tom despreocupado.— Valeu pela carona, Aki. Meu carro parece que decidiu tirar férias — disse Luca, rindo enquanto guardava suas coisas no armário.Aki deu de ombros, jogando a mochila no banco ao lado.— Sem problema. Só não se acostuma — respondeu ele, sem muito entusiasmo.Chiara, sem querer, continuou parada perto da entrada. Ela não sabia por que, mas algo naquela conversa a prendeu. Os dois estavam falando do treino? Do jogo? A sua curiosidade era maior do que qualquer outra coisa.Luca, sempre curioso, puxou assunto novamente enquanto terminava de guardar suas coisas.— Então, o que você acha do Dario? — perguntou ele, com o habitual sorr
— Eu não acredito! — disse Martina entre risadas, segurando a xícara de café com as duas mãos. — Você vai ter que dividir o quarto com o Aki? Você?Chiara ergueu a cabeça o suficiente para lançar um olhar de puro desespero à amiga.— Sim, Marti, é isso mesmo que você ouviu. Eu estou ferrada! — respondeu Chiara, largando o corpo de novo na mesa. — Não sei como vou sobreviver a isso.Martina deu mais uma risada, sacudindo a cabeça.— Chiara, pelo amor de Deus, você tá se passando pelo seu irmão gêmeo e tá mais preocupada com o fato de ter que dividir um quarto com o Aki? Isso não deveria ser o menor dos seus problemas?Chiara levantou o rosto de novo, agora apoiando o queixo nas mãos.— Marti, ele é o capitão! O cara que mais desconfia de mim no time. Ele me olha como se soubesse que tem algo errado. E agora eu vou dormir no mesmo quarto que ele. Se eu fizer qualquer coisa fora do comum, ele vai descobrir.Martina arqueou as sobrancelhas e cruzou os braços, inclinando-se um pouco para f
No dia combinado, Chiara descia as escadas de seu prédio com a mala em mãos, pronta para encontrar o time. Ela respirou fundo, sentindo a brisa da manhã enquanto Dario e Martina a acompanhavam até o carro.— Você vai se sair bem, Chiara — disse Dario, com um sorriso confiante. Chiara olhou para o irmão com um sorriso de gratidão. — É, vai lá e arrasa, garota — acrescentou Martina, com seu jeito animado de sempre. — Acha mesmo que o Aki vai te intimidar? Ele que se cuide. Chiara deu uma risada nervosa, mas agora mais relaxada. O apoio dos dois a fazia se sentir confiante.— Valeu, gente. Acho que agora estou pronta — disse ela, erguendo a mala. Martina piscou e deu um leve empurrão de incentivo no ombro de Chiara.— E não esquece, se tudo der errado, é só ligar para mim que a gente foge para Espanha. — Ela disse, rindo.Chiara revirou os olhos, rindo com os dois antes de se despedir. Com um último aceno, ela ligou o carro e se afastou indo em direção ao ponto de encontro com o time
Na manhã do jogo, Chiara acordou com o quarto vazio. O silêncio era absoluto, e a cama de Aki já estava arrumada, indicando que ele havia saído cedo. Ela franziu a testa, um pouco surpresa, mas logo entendeu. Aki estava claramente tentando manter distância depois do momento estranho da noite anterior. Enquanto arrumava suas coisas, Chiara não pôde deixar de se sentir um pouco aliviada. Dividir o espaço com Aki havia sido demais para ela. Instantes mais tarde no ginásio, o time estava aquecendo, e Aki estava em sua costumeira bolha de concentração. Chiara percebeu que ele a evitava discretamente e estava falando apenas o necessário com o resto do time. Ela se juntou aos outros jogadores, tentando focar no jogo que estava por vir em poucos minutos.Luca se aproximou de Aki, observando o colega de equipe que parecia mais calado que o habitual.— Cara, você tá com uma cara fechada hoje. Dormiu mal? — Luca comentou, tentando aliviar o clima com uma risadinha.Aki deu de ombros, sem desvi
Não demorou muito para que Chiara tivesse que descer para ir ao encontro do seu time e voltar para casa. Felizmente quando ela encontrou seu capitão, ele apenas perguntou se ela estava melhor e com a afirmativa dela, ele seguiu sem dizer mais nada e assim entraram no ônibus. Ele parecia distante, como sempre, e logo ocupou um assento mais na frente. Mas o que Chiara não esperava era Luca se sentar ao lado dela, com a expressão curiosa de sempre e cheio de perguntas.— E aí, Dario, como tá o estômago? Aki comentou que você estava passando mal. — perguntou Luca, cutucando-a com o cotovelo enquanto se acomodava no banco.Chiara forçou um sorriso de lado, tentando ser simpática apesar da dor ainda presente.— Já tô melhor. Acho que o remédio ajudou — respondeu, esperando que isso encerrasse a conversa.Mas Luca era insistente.— Que bom! — disse ele, sorrindo. — Mas, me diz aí, o que você faz para relaxar? Tipo, fora das quadras. Você parece mais na sua, não deve curtir baladas e essas coi
Martina dirigia tranquilamente enquanto Chiara, no banco do passageiro, tentava ignorar as cólicas que a incomodavam. O som suave do motor misturava-se ao burburinho das conversas ocasionais que entravam pelas janelas abertas, mas o foco delas era outro.— Então, me conta, como foi? — perguntou Martina, com um sorriso travesso. Ela sempre sabia quando algo interessante havia acontecido.Chiara suspirou, virando-se para olhar a amiga com uma expressão cansada.— Foi um caos, Marti, Primeiro, o jogo foi um desastre para mim, eu me senti uma intrusa ali, não que eu não fosse né. Depois eu fiquei com cólica, tive que praticamente me arrastar até o meu quarto. Aí então, percebi que não tinha colocado absorvente na mala e entrei em pânico. Fui correndo para a farmácia, mas antes disso o Aki queria ir à farmácia por mim. — Ela riu, lembrando do momento constrangedor.Martina explodiu em gargalhadas, quase tirando os olhos da estrada.— Ah, não acredito! — disse ela entre risos. — Ele não per