Por trás do jogo
Por trás do jogo
Por: Masttani H.
01

O som dos tênis deslizando na quadra ecoava pelo ginásio. Chiara olhava para os próprios pés, ainda sem acreditar que estava realmente fazendo aquilo. Enquanto caminhava para iniciar seus treinos com sua melhor amiga, Martina, sua mente voou diretamente para aquele fatídico dia.

Dario, sorrindo no centro da quadra, pronto para mais um treino com a sua namorada. Chiara sentada na arquibancada, como fazia de costume, acompanhando os movimentos rápidos do irmão. Martina ao seu lado mexendo no celular como sempre, planejando seu próximo rolê.

Ninguém mais estava no ginásio. Era uma noite tranquila, e Dario aproveitava seu tempo de descanso antes do início da temporada. Para ele, não havia forma melhor de relaxar do que jogar uma partida com sua namorada, Elena.

Tudo parecia normal até que...

O impacto. O som seco de Dario caindo no chão. O grito de dor que quebrou o silêncio do ginásio.

Por um segundo, Chiara congelou. Era como se o mundo tivesse parado. Seu irmão, o jogador mais ágil que conhecia, estava no chão, contorcendo-se de dor. Ela mal conseguia acreditar no que via. Sua mente demorou para registrar o que havia acontecido. Martina, ao seu lado, reagiu primeiro, levantando-se de imediato.

— Dario! — Chiara gritou, seu corpo finalmente obedecendo. Ela desceu as arquibancadas correndo, com Martina logo atrás.

Quando chegaram até ele, o cenário era desesperador. Dario estava deitado no chão, as mãos segurando o joelho com força, o rosto contorcido de dor. Elena correu para o lado dele, com o rosto em pânico. 

— Meu joelho. — Dario murmurava, os olhos fechados, tentando controlar a respiração ofegante. — Merda, meu joelho.

— Não se mexa! — disse Chiara, a voz trêmula enquanto se ajoelhava ao lado dele. — Vai ficar tudo bem, só não se mexa.

— E agora? O que a gente faz? — Elena perguntou, quase sem ar, enquanto olhava de Dario para Chiara.

— Vamos para o hospital — decidiu Martina, tentando manter a calma, mesmo que estivesse claramente assustada. — Mas tem que ser rápido e discreto. Ninguém pode ver.

Chiara assentiu. Sabia que, se o time descobrisse sobre o acidente, a carreira de Dario estaria em risco. Ele poderia ser substituído sem sequer ter chance de se recuperar. Tudo teria que ser feito às escondidas. Sem perguntas. Sem explicações.

Com a ajuda das duas, Dario foi colocado cuidadosamente no carro de Chiara. O caminho até o hospital parecia interminável, com o ar dentro do carro pesado de tensão. Cada curva, cada lombada parecia aumentar a dor de Dario, que mal conseguia falar. Quando finalmente chegaram ao hospital, Chiara pediu por atendimento rápido.

Horas se passaram, até que finalmente, o médico veio com o diagnóstico.

— A lesão no joelho é séria. — As palavras do médico soaram como um veredito sombrio. — Ele precisará de cirurgia e fisioterapia por pelo menos seis meses.

Chiara sentiu o chão sumir sob seus pés. Seis meses? Seis meses era tempo demais. O campeonato começaria em poucas semanas. Dario ficaria de fora. E se ele ficasse fora por tanto tempo, poderia perder sua vaga para sempre. 

Ela trocou um olhar tenso com Martina, e em seguida, com Elena. 

No carro, no caminho de volta para casa, Dario ficou em silêncio, os olhos fixos em seu joelho. A dor física agora dividia espaço com a dor emocional ao perceber o que havia acontecido. Chiara não conseguia vê-lo assim. Precisava fazer algo.

Foi naquela noite, ao chegar ao apartamento, que a ideia maluca começou a tomar forma. O silêncio pesava na sala, interrompido apenas pelos suspiros frustrados de Dario, que olhava para o joelho engessado com uma mistura de dor e desânimo.

— Não acredito que isso está acontecendo. — Dario murmurou, passando a mão pelo cabelo. — Eles vão me substituir, Chiara. E você sabe como é uma vez fora, é difícil voltar.

Chiara sentiu o peito apertar. Sabia o quanto o vôlei significava para o irmão. O olhar desolado de Dario a deixou inquieta, com as mãos suando.

— Não precisam te substituir. — Chiara começou, meio que falando consigo mesma. — Se eu me passar por você.

Dario levantou os olhos imediatamente, franzindo o cenho.

— O quê? Como é que é?

Chiara hesitou. As palavras saíram antes que ela pudesse pensar. Mas agora que estavam no ar, a ideia começava a tomar forma.

— Eu posso me passar por você — repetiu ela, agora mais firme. — Cortar o cabelo, usar suas roupas e jogar. Eu sei jogar, Dario. Treinamos juntos a vida toda.

— Mulher, você vai conseguir receber o saque daqueles homens gigantes? — Martina, que até então estava em silêncio, explodiu em uma risada debochada, tentando imaginar a cena.

Chiara revirou os olhos.

— Se o Dario consegue, por que eu não conseguiria? — retrucou, cruzando os braços, mas sorrindo.

— Porque obviamente ele é um homem, sua louca. 

Martina deu de ombros, ainda rindo, mas com aquele brilho no olhar que indicava que ela estava começando a gostar da ideia. Dario, no entanto, ainda não parecia convencido.

— Isso é loucura — disse ele, balançando a cabeça. — Não estamos falando de uma partida entre amigos. Isso é a Superlega, Chiara! Como você vai se passar por mim? Não é só sobre se parecer comigo. Você teria que jogar no meu nível, e enganar todo mundo.

— Olha, a gente já enganou um monte de gente antes! — disse Chiara, agora mais confiante. — Somos gêmeos, Dario. Se eu cortar o cabelo e usar o seu uniforme, ninguém vai perceber a diferença. E além disso, eu sei como você j**a. Eu já te vi j**ar mil vezes, e treino com você desde sempre.

Martina balançou a cabeça, sorrindo.

— Amiga e o teu emprego?

— Eu peço demissão, não tem problema. O mais importante é salvar a carreira do Dario.

— Eu tô dentro. E vou ser sua "namorada", para ninguém desconfiar de nada. Vai ser ótimo! — disse, piscando para Chiara com um sorriso travesso.

Dario bufou, mas a ideia já estava ganhando forma em sua cabeça. Ele conhecia Chiara bem o suficiente para saber que, quando ela decidia algo, era quase impossível fazê-la mudar de ideia.

— Certo. — ele suspirou. — Mas se você for fazer isso, vai fazer direito. Eu vou assistir a todos os jogos e te dar dicas depois. Se for mesmo fazer isso, tem que ser perfeito.

— Você tá brincando, né? — Martina riu de novo, apontando para Dario. — Ela vai ter que fazer mais do que isso. Precisa treinar pesado! 

Chiara assentiu, determinada.

— Eu sei que não vai ser fácil. Mas eu vou fazer. — Ela sorriu. — Vou te substituir, Dario. E vou dar o meu melhor.

— Isso vai ser uma confusão. — Dario resmungou, mas, no fundo, já havia aceitado, afinal não tinha nada que ele pudesse fazer.

Martina sorriu de orelha a orelha.

— Vai ser a melhor confusão que já vimos!

No centro da quadra, Martina estava terminando seu alongamento, olhando para Chiara com um sorriso encorajador no rosto. A melhor amiga estava sempre pronta para qualquer desafio, e esse não seria diferente.

— Mulher, pensei que você ia se perder no tempo aí — brincou Martina, jogando a bola para Chiara. — Está pronta? Hoje é o dia do primeiro treino oficial como Dario.

Chiara pegou a bola com um sorriso tenso. Ela ainda estava de cabelos compridos, balançando suavemente sobre os ombros, mas já sabia que aquilo não duraria muito tempo. Assim que terminassem o treino, seria hora de fazer o corte que a transformaria oficialmente no seu irmão.

— Ainda com os cabelos longos, hein? — Martina brincou, jogando os cabelos para o lado, imitando Chiara. — Mas depois desse treino, adeus cabelo, olá Dario 2.0.

Chiara revirou os olhos, rindo.

— É, estou só me despedindo deles enquanto posso. — Mas no fundo, ela sabia que a mudança seria mais profunda do que apenas cortar o cabelo. — Como você acha que eu vou me sair?

— Bom, se você conseguir sobreviver a esse saque que o canhão vai mandar, já vai ser um bom começo — provocou Martina, com um sorriso travesso.

Chiara deu um passo para trás, pronta para o desafio. Sabia que, por mais brincalhona que Martina fosse, ela não pegaria leve. Este seria o primeiro de muitos testes antes que ela pudesse entrar na quadra com o time.

— Vai com tudo, Martina Rossi. Eu já estou no espírito de Dario. — Chiara fez uma pose exagerada, imitando o irmão, o que arrancou uma gargalhada de Martina.

Depois de uma hora intensa de treino, Chiara deixou-se cair no chão da quadra, ofegante. Martina, ainda com energia de sobra, saltitava à sua volta como se o treino tivesse sido apenas um aquecimento.

— Ok, você sobreviveu — brincou Martina, estendendo a mão para ajudar Chiara a se levantar. — Agora é hora de dizer adeus às madeixas.

Chiara pegou a mão da amiga e se levantou com um suspiro.

— Não acredito que vou realmente fazer isso — murmurou, mexendo nos cabelos uma última vez. — Estou oficialmente me despedindo de mim mesma.

— Dramática — riu Martina, puxando Chiara pela mão enquanto se dirigiam para fora da quadra. — Vai ser libertador! Além do mais, se eu fosse você, estaria mais preocupada em como disfarçar sua voz do que com o cabelo.

— Não me lembra disso, por favor — Chiara revirou os olhos enquanto pegava sua mochila. — Um problema de cada vez.

As duas saíram do ginásio e entraram no carro de Martina, que dirigia com um sorriso de satisfação, claramente animada para o que estava por vir. O salão de cabeleireiro ficava a poucos quarteirões, e a tensão no estômago de Chiara só aumentava a cada metro que se aproximavam.

— Eu sei que parece assustador — começou Martina, olhando para Chiara de soslaio enquanto dirigia. — Mas pensa só, você está prestes a viver uma aventura que ninguém mais teria coragem de enfrentar. E o melhor, você tem o visual perfeito para isso!

— Ah, claro — Chiara respondeu com sarcasmo, fingindo entusiasmo. — Sempre sonhei em parecer meu irmão gêmeo.

Martina gargalhou.

— Bem, você vai arrasar. — Ela piscou para a amiga. — E, honestamente, acho que vai ficar muito estilosa com o cabelo curto. Pode até adotar esse visual para a vida.

— Estilosa? — Chiara fez uma careta. — Vou parecer um garoto de 17 anos, Martina. Não estou exatamente esperando me sentir poderosa com esse corte.

— Poderosa ou não, é o próximo passo — disse Martina, estacionando o carro em frente ao salão. — E se não gostar, você pode me culpar para o resto da vida.

Chiara riu, mas o nervosismo ainda a consumia. Elas entraram no salão, e o cabeleireiro — um homem elegante, com um sorriso profissional — as cumprimentou de imediato.

— Ah, então você é a corajosa que vai fazer uma transformação? — disse ele, olhando para Chiara com um ar de curiosidade.

Chiara hesitou, e Martina deu um leve empurrãozinho em suas costas.

— Ela está pronta — disse Martina com um sorriso travesso. — Vamos transformar essa garota.

Sentada na cadeira, Chiara viu seu reflexo no espelho e, por um momento, sentiu uma pontada de saudade de si mesma. Seus longos cabelos castanhos a acompanhavam por tantos anos. Parecia o fim de uma era.

— Tem certeza disso? — perguntou o cabeleireiro gentilmente, ao posicionar a tesoura.

Chiara respirou fundo, assentindo com firmeza.

— Corta tudo. — Sua voz saiu mais segura do que ela esperava.

As mechas começaram a cair lentamente ao chão, e, com cada uma, Chiara sentia-se cada vez mais distante da garota que sempre conheceu. Era estranho, mas, ao mesmo tempo, uma sensação de liberdade começava a crescer dentro dela.

Martina, do lado, observava tudo com um sorriso enorme.

— Adeus, Chiara. Olá, Dario. — Martina sussurrou.

Quando o cabeleireiro terminou, Chiara olhou para seu reflexo e quase não se reconheceu. Cabelos curtos, na altura das orelhas, com um toque desleixado. Definitivamente, Dario.

— E aí? — perguntou Martina, com um ar de expectativa. — Como se sente?

Chiara piscou, ainda surpresa com o reflexo, mas logo abriu um sorriso incerto.

— Como se estivesse prestes a entrar em um pesadelo — respondeu, rindo.

Martina deu um tapinha nas costas dela.

— É isso, garota! Agora é oficial. Bem-vindo a sua nova vida, Dario.

O cabelo longo foi embora, e com ele, sua identidade como Chiara Bianchi. A partir daquele momento, ela teria que ser outra pessoa.

Ela seria Dario Bianchi, líbero do Lombardy Lions.

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