O silêncio tomou conta do apartamento após a pergunta de Roberto. Chiara sentia o olhar pesado do pai sobre ela, e seu coração batia acelerado. O corpo parecia paralisado, mas sua mente trabalhava rápido, buscando uma forma de explicar tudo.
Roberto deu um passo à frente, com o rosto marcado pela raiva contida. Ele passou a mão pelos cabelos grisalhos e voltou a fitar Chiara, o tom de sua voz saiu cortante.
— Então, me expliquem. Que merda vocês fizeram? — repetiu, mas dessa vez a pergunta parecia mais dirigida a ela.
Chiara engoliu em seco, sem saber por onde começar. O olhar de seu pai fazia com que se sentisse pequena, como se cada palavra pudesse ser um erro fatal.
— Pai, calma. — Dario interveio, tentando suavizar a tensão. — Aconteceu um acidente, você sabe como essas coisas são. Eu não posso jogar por um tempo.
— Um acidente? — Roberto interrompeu, o tom mais alto e incrédulo. — Isso não justifica essa loucura. — Ele virou-se para Chiara, os olhos fixos nela como lâminas. — E você, Chiara? Como se atreve a pensar que pode substituir o seu irmão? Você sabe o quanto eu investi nesse time? Milhões, Chiara! Para ver o Dario jogando, não você.
Chiara sentiu o peso das palavras do pai. O desconforto aumentava a cada segundo. Ela sempre soubera que Roberto dava mais atenção ao irmão, mas ouvir aquilo em voz alta, doía muito. Mesmo assim, ela sabia que não podia ficar calada.
— Pai, eu só estou tentando ajudar. — começou Chiara, a voz um pouco hesitante, mas firme. — Dario não pode jogar, e o time precisa dele. Se eu não fizer isso, ele pode perder tudo pelo que trabalhou. Eu estou fazendo isso por ele.
Roberto soltou uma risada amarga e sarcástica, balançando a cabeça.
— Ajudar? Você acha que pode ajudar? — Ele deu um passo mais próximo dela, a voz carregada de desprezo. — Você não tem capacidade para isso, Chiara. Não é sua responsabilidade, e muito menos seu lugar. Você vai arruinar a vida do seu irmão, assim como arruinou a minha.
As palavras bateram nela como uma pedra. A menção do pai ao passado era como um golpe baixo, uma acusação que sempre pairava sobre ela. Chiara sentiu o estômago revirar, mas, antes que pudesse reagir, Dario se adiantou.
— Pai, para com isso! — Dario levantou a voz, protegendo a irmã. — A Chiara está me ajudando, e isso foi ideia minha também. Ela está arriscando muito por mim, por nós!
Roberto bufou, frustrado, e passou a mão no rosto.
— Ela não tem como fazer isso dar certo, Dario. Ela vai destruir tudo pelo que você trabalhou. — Ele olhou novamente para Chiara, seus olhos duros. — Você não sabe nada sobre a responsabilidade que está carregando. Você vai falhar, e quando isso acontecer, você vai acabar com a carreira do seu irmão.
Chiara respirou fundo, sentindo a pressão em seus ombros aumentar, mas algo dentro dela se recusava a ceder. Ela não podia deixar o pai falar com ela daquele jeito, não dessa vez.
— Eu sei o que estou fazendo, pai. — As palavras saíram mais firmes do que ela esperava. — Eu sei que não sou Dario, mas eu vou fazer o possível e o impossível para fazer isso dar certo. Porque é o que eu posso fazer agora para ajudar. Com o seu apoio ou não, eu vou continuar.
Roberto a encarou por um longo momento, o silêncio tomando conta da sala novamente. Dario olhava de um para o outro, sem saber o que dizer. Por fim, Roberto deu um passo para trás, cruzando os braços.
— Eu espero que você saiba o que está fazendo, Chiara. Porque, se não souber, você terá que lidar com as consequências.
Ele se virou, pegando suas chaves na mesa e caminhando em direção à porta. O som da porta se fechando ecoou pelo apartamento, deixando apenas Chiara e Dario na sala.
Chiara permanecia em pé, olhando para a porta fechada, com o coração ainda acelerado.
— Você está bem? — A voz de Dario quebrou o silêncio.
Chiara soltou um suspiro profundo, mas não respondeu imediatamente. Ela se aproximou do sofá e sentou-se ao lado dele, os ombros caídos como se todo o peso do mundo estivesse sobre eles. Finalmente, murmurou:
— Ele nunca vai gostar de mim, Dario. — disse, com um tom de resignação. — Não importa o que eu faça, não importa o quanto eu tente ele nunca vai me aceitar.
Dario franziu a testa, virando-se para olhar a irmã.
— Chiara. — começou ele, pegando a mão dela. — Não fala assim. O que o pai pensa não define quem você é. Não define o seu valor.
Ela balançou a cabeça lentamente, desviando o olhar, enquanto uma lágrima solitária escorria por sua bochecha.
— Mas é verdade, Dario. Desde que a mamãe morreu. — Chiara hesitou, as palavras presas em sua garganta. — Desde aquele dia, ele me culpa. Como se tudo fosse minha culpa. E agora, mesmo que eu esteja tentando ajudar, ele só consegue dizer que eu sou uma incapaz.
Dario apertou a mão dela com mais força, sentindo a dor que ela carregava.
— Você não tem culpa de nada, Chiara — disse ele com firmeza. — Eu nunca, nem por um segundo, pensei que a morte da mamãe fosse sua culpa. Ela teria tanto orgulho de quem você se tornou. Eu tenho orgulho de você.
Chiara soltou um suspiro trêmulo, enxugando rapidamente a lágrima que insistia em cair.
— Às vezes eu me sinto tão cansada, Dario. — admitiu, com a voz embargada. — Cansada de tentar ser boa o suficiente para ele, de tentar ser amada por ele. Eu só queria que ele me visse de verdade, sabe? Mas é como se eu estivesse sempre em segundo plano, sempre na sombra.
Dario puxou Chiara para um abraço apertado, sem se importar com as palavras, mas apenas transmitindo o conforto que sabia que ela precisava. Ela se agarrou a ele, permitindo-se finalmente desmoronar um pouco, o peso da dor e do ressentimento aflorando.
— Eu te vejo, Chiara — sussurrou ele. — Sempre vi. E não importa o que o pai diga ou faça, você tem a mim. E eu sei que você é incrível. Forte. E que vai fazer isso dar certo, porque você sempre faz.
Chiara respirou fundo no abraço, encontrando algum consolo nas palavras do irmão. O vínculo entre eles, forjado em anos de desafios e apoio mútuo, era inabalável. E naquele momento, no silêncio acolhedor do apartamento, ela sabia que, mesmo sem o amor de Roberto, ela tinha o de Dario.
Chiara afastou-se do abraço de Dario, enxugando os resquícios de lágrimas de seu rosto com um suspiro.
— Obrigada, Dario — murmurou, forçando um sorriso, mesmo que fraco. — Você sempre me salva.
Dario sorriu de leve, bagunçando o cabelo curto dela como fazia quando eram crianças.
— Alguém tem que fazer isso, né? — ele brincou, tentando suavizar o clima. — E o que você vai fazer agora?
Chiara deu um suspiro, encostando-se no sofá e olhando ao redor, como se estivesse buscando uma resposta naquelas paredes familiares. Ela sabia o que precisava fazer: falar com Martina. A amiga sempre sabia como acalmá-la, e depois de tudo o que tinha acontecido, Chiara precisava daquele suporte.
— Vou mandar mensagem para a Martina — decidiu, pegando o celular.
Dario assentiu, compreendendo. Ele também gostava de Martina, a energia dela era quase contagiante, sempre conseguindo arrancar um sorriso, mesmo nos piores momentos.
Chiara desbloqueou o celular, digitando rapidamente:
Marti, pode vir aqui? Preciso conversar…
Ela ficou encarando a tela por alguns segundos, esperando pela resposta. Dario se levantou e esticou os braços.
— Você sabe que ela vai vir correndo, né? — ele disse, rindo. — Aquela doida nunca te deixa na mão.
Chiara deu um sorriso genuíno pela primeira vez naquela noite.
— Eu sei — respondeu, o tom um pouco mais leve. — Ela sempre é a minha rocha quando as coisas ficam difíceis.
Quase imediatamente, o telefone vibrou com a resposta de Martina:
Chego aí em 10 minutos! Tô na área!
Chiara soltou um suspiro de alívio, sentindo o coração relaxar um pouco.
— Tá vindo — avisou ela, colocando o celular de lado.
Dario sorriu e acenou com a cabeça.
— Ótimo. E quanto a você? — ele perguntou, sentando-se de novo ao lado dela. — Vai ficar bem?
Chiara deu de ombros, olhando para o irmão com um sorriso cansado, mas sincero.
— Vou, sim. Quer dizer, é difícil, mas com você e a Martina aqui, acho que consigo sobreviver a isso tudo.
Dario a puxou para um último abraço, apertando-a com força.
Chiara estava sentada no sofá apenas pensando no que havia acontecido. Dario já havia ido descansar, deixando-a sozinha para esperar Martina. O toque da campainha a trouxe de volta à realidade.Ela se levantou rapidamente e abriu a porta. Lá estava Martina, com a expressão preocupada.— E aí, o que rolou? — perguntou Martina, sem rodeios, entrando no apartamento como um furacão.Chiara soltou um suspiro pesado, fechando a porta atrás de si.— Vamos para o quarto, não quero acordar o Dario — sugeriu ela, apontando para o corredor.As duas caminharam até o quarto, e assim que se sentaram na cama, Chiara começou a contar tudo. Cada palavra dita por Roberto, cada olhar cheio de julgamento. Ela tentou manter o tom neutro, mas a dor era visível. Martina ouviu em silêncio, mas suas expressões falavam por si.Quando Chiara terminou, Martina explodiu.— Eu juro, Chiara, esse homem é um desgraçado! — começou ela, jogando as mãos no ar. — Que tipo de pai faz isso? Como ele pode tratar você assim?
A luz suave da manhã já iluminava as montanhas ao redor de Montelago quando Chiara estacionou o carro de Dario em frente ao ginásio. Esse era um pequeno passo para se sentir mais confiante, além de evitar os táxis e as caronas diárias de Martina.Ela estacionou o carro com cuidado e pegou a bolsa no banco do passageiro. O movimento no estacionamento já estava começando, com alguns jogadores chegando, mas foi a Mercedes Benz C300 azul que chamou sua atenção. A porta do carro se abriu com uma suavidade quase ensaiada, e quem saiu de lá foi Aki, com aquele andar confiante, como se o mundo estivesse exatamente onde ele queria que estivesse.Chiara respirou fundo. Aki era um enigma para ela, ele era sempre distante, sempre observador, mas nunca de fato amigável. Talvez fosse a hora de tentar quebrar o gelo, ou pelo menos ser educada.— Bom dia, Aki — disse ela, tentando soar casual, mas sentindo o coração bater um pouco mais forte.Para sua surpresa, Aki a olhou por um instante, assentiu e
Aki encarou Chiara por alguns segundos, sua expressão séria, enquanto cruzava os braços. O ambiente no vestiário estava carregado de suspense.— Sabe qual o meu problema com você? — começou Aki, o tom de voz controlado, mas carregado de desprezo. — Eu não gosto desse tipo de jogador que chega em um time sem ter lutado por nada. Que não sabe o que é sacrificar o corpo, o tempo, e tudo mais, só para ter a chance de jogar.Chiara sentiu o estômago apertar, mas manteve-se firme, com os ombros retos, tentando parecer imperturbável.— Do que você tá falando? — ela retrucou, tentando manter a voz firme. — Eu treino como qualquer um aqui.Aki soltou uma risada curta, mas sem humor.— É fácil falar agora. — Ele deu um passo à frente, mantendo o olhar fixo nela. — Mas você sabe o que o Luca passou? O cara jogava em um time de quinta categoria antes de finalmente conseguir uma chance aqui. Três anos sendo ignorado por clubes de elite até alguém enxergar o talento dele.Ele apontou para outro joga
A manhã do primeiro jogo oficial da Superlega chegou mais rápido do que Chiara imaginava. Os últimos dias haviam passado sem grandes problemas, e o Lombardy Lions parecia cada vez mais entrosado. Chiara ajustava as meias enquanto observava seus companheiros de equipe se aquecendo. O ginásio estava repleto de energia, os gritos dos torcedores ecoavam nas arquibancadas, e o clima de competição já dominava o ambiente. A adrenalina corria solta e seu coração batia muito rápido, mas havia uma sensação de estar em casa, ela estava confiante.— Vamos começar com tudo! — gritou o técnico, aproximando-se do time. — Vocês sabem o que fazer. Foco no bloqueio e não se deixem intimidar pela pressão. É só mais um jogo, um passo de cada vez.O apito inicial soou, e o jogo começou.O Lombardy Lions entrou com força total, determinado a impor seu ritmo logo de cara. A bola subiu para o saque inicial, e o adversário tentou intimidar com ataques rápidos e precisos. Chiara, estava atenta em cada movimen
O som dos passos de Luca ecoava pelo vestiário enquanto ele e Aki entravam, prontos para mais um dia de treino. O clima estava relativamente tranquilo.Chiara estava chegando ao ginásio quando, ao se aproximar da entrada do vestiário, ouviu vozes familiares. Seu coração acelerou, e ela parou antes de entrar. Era Aki e Luca, conversando com um tom despreocupado.— Valeu pela carona, Aki. Meu carro parece que decidiu tirar férias — disse Luca, rindo enquanto guardava suas coisas no armário.Aki deu de ombros, jogando a mochila no banco ao lado.— Sem problema. Só não se acostuma — respondeu ele, sem muito entusiasmo.Chiara, sem querer, continuou parada perto da entrada. Ela não sabia por que, mas algo naquela conversa a prendeu. Os dois estavam falando do treino? Do jogo? A sua curiosidade era maior do que qualquer outra coisa.Luca, sempre curioso, puxou assunto novamente enquanto terminava de guardar suas coisas.— Então, o que você acha do Dario? — perguntou ele, com o habitual sorr
— Eu não acredito! — disse Martina entre risadas, segurando a xícara de café com as duas mãos. — Você vai ter que dividir o quarto com o Aki? Você?Chiara ergueu a cabeça o suficiente para lançar um olhar de puro desespero à amiga.— Sim, Marti, é isso mesmo que você ouviu. Eu estou ferrada! — respondeu Chiara, largando o corpo de novo na mesa. — Não sei como vou sobreviver a isso.Martina deu mais uma risada, sacudindo a cabeça.— Chiara, pelo amor de Deus, você tá se passando pelo seu irmão gêmeo e tá mais preocupada com o fato de ter que dividir um quarto com o Aki? Isso não deveria ser o menor dos seus problemas?Chiara levantou o rosto de novo, agora apoiando o queixo nas mãos.— Marti, ele é o capitão! O cara que mais desconfia de mim no time. Ele me olha como se soubesse que tem algo errado. E agora eu vou dormir no mesmo quarto que ele. Se eu fizer qualquer coisa fora do comum, ele vai descobrir.Martina arqueou as sobrancelhas e cruzou os braços, inclinando-se um pouco para f
No dia combinado, Chiara descia as escadas de seu prédio com a mala em mãos, pronta para encontrar o time. Ela respirou fundo, sentindo a brisa da manhã enquanto Dario e Martina a acompanhavam até o carro.— Você vai se sair bem, Chiara — disse Dario, com um sorriso confiante. Chiara olhou para o irmão com um sorriso de gratidão. — É, vai lá e arrasa, garota — acrescentou Martina, com seu jeito animado de sempre. — Acha mesmo que o Aki vai te intimidar? Ele que se cuide. Chiara deu uma risada nervosa, mas agora mais relaxada. O apoio dos dois a fazia se sentir confiante.— Valeu, gente. Acho que agora estou pronta — disse ela, erguendo a mala. Martina piscou e deu um leve empurrão de incentivo no ombro de Chiara.— E não esquece, se tudo der errado, é só ligar para mim que a gente foge para Espanha. — Ela disse, rindo.Chiara revirou os olhos, rindo com os dois antes de se despedir. Com um último aceno, ela ligou o carro e se afastou indo em direção ao ponto de encontro com o time
Na manhã do jogo, Chiara acordou com o quarto vazio. O silêncio era absoluto, e a cama de Aki já estava arrumada, indicando que ele havia saído cedo. Ela franziu a testa, um pouco surpresa, mas logo entendeu. Aki estava claramente tentando manter distância depois do momento estranho da noite anterior. Enquanto arrumava suas coisas, Chiara não pôde deixar de se sentir um pouco aliviada. Dividir o espaço com Aki havia sido demais para ela. Instantes mais tarde no ginásio, o time estava aquecendo, e Aki estava em sua costumeira bolha de concentração. Chiara percebeu que ele a evitava discretamente e estava falando apenas o necessário com o resto do time. Ela se juntou aos outros jogadores, tentando focar no jogo que estava por vir em poucos minutos.Luca se aproximou de Aki, observando o colega de equipe que parecia mais calado que o habitual.— Cara, você tá com uma cara fechada hoje. Dormiu mal? — Luca comentou, tentando aliviar o clima com uma risadinha.Aki deu de ombros, sem desvi