Port Angeles costumava ser uma cidade tranquila. Bem, tão tranquila quanto uma cidade que abriga uma Alcateia inteira de lobos pode ser. Nos últimos anos, essa calmaria havia se tornado cada vez mais rara, porque além de enfrentarmos inimigos na fronteira ao norte, lidávamos com uma cisão dentro do nosso próprio clã.
Esfreguei a palma da mão aberta em meu rosto e mantive meu olhar fixo na janela do escritório, observando a linha das árvores que margeavam o território da nossa alcateia, que antes ia até perder a vista, agora a fronteira se aproximava.
— Arturo?
Meu irmão Draven me chamou, interrompendo o fluxo dos meus pensamentos. Ele tinha o talento de aparecer nos momentos em que eu mais queria ficar sozinho.
— Precisamos conversar.
— Pode falar.
Me direi para ele e encostei na mesa de madeira antiga.
Draven, o Beta mais proeminente de toda a Alcateia e meu braço direito, estava parado à porta, braços cruzados e aquele olhar sério que sempre usava quando queria me dar alguma notícia que eu preferia ignorar.
— Está acontecendo mais rápido do que previmos.
Ele caminhou para dentro do escritório, fechando a porta atrás de si.
— Noah, Flynn e Troy deixaram a Alcateia. Kaelan disse que eles se uniram aos Spinelli, na fronteira ao norte.
Suspirei, pegando o copo de whisky na mão, encarei o líquido por alguns segundos para logo em seguida virá-lo garganta abaixando, fazendo meu corpo aquecer.
Eu sabia que isso iria acontecer, é claro.
Lobos mais jovens se dispersando, ignorando nossas tradições e se aliando aos rivais para além das montanhas.
— A traição do sangue é o maior crime que existe. — Rosnei.
— Sim, é. E você sabe qual a solução, certo?
Draven caminhou em passos lentos, estudando minha reação.
Ele sabia exatamente o que estava fazendo ao mexer numa ferida que eu estava tentando ignorar.
— Eu sei. Mas você vai me dizer mesmo assim, não vai?
— Você precisa de um herdeiro, irmão. Um filhote alfa para fortalecer o laço com todos os lobos do nosso território. A alcateia precisa ver que há um futuro.
— Está me chamando de velho? — Abri um sorriso irônico.
— Não. Estou dizendo que um alfa precisa de uma rainha. — Draven parou à minha frente, os olhos cinzentos fixos nos meus. — Você precisa encontrar uma Ômega.
Aquela palavra outra vez. “Ômega.” Um termo que carregava peso, poder e expectativa. E que eu evitava a todo custo. Meu estômago revirou ao ouvir Draven dizer isso, mas ele estava certo, e nós dois sabíamos. Uma Ômega era a chave para restaurar nosso poder, para unir os lobos sob a liderança certa. Sem ela, a alcateia continuaria a se dispersar como folhas secas ao vento.
— Está sugerindo que eu deixe a minha Alcateia, Draven? Ele engoliu em seco.
— Passei os últimos 10 anos em busca de uma, atravessando todos os limites, morando em capitais e afastado do meu sangue para encontrar uma rainha e o que isso trouxe? Divisão, enfraquecemos.
— Sim.
— Então, caro irmão, onde exatamente você sugere que eu encontre essa Ômega? — Farejei ao redor. — Elas não estão exatamente por aí, esperando para se unir a qualquer Alfa. Não em um raio de 50km.
— Precisamos da pedra da lua, dentro da montanha. — Draven encolheu os ombros.
— Os Spinelli e nossos irmãos traidores do sangue destruíram todas as passagens para o coração da montanha, você sabe que a única forma de entrarmos é pela velha casa dos Esposito.
— Eu sei.
— Aquele lugar está cheio de encantamentos que até mesmo o meu poder não alcança. Precisamos de permissão para entrar e ela nos restringiu.
— O que sei, meu irmão, é que se não a encontrarmos logo, os Spinelli vão tomar mais do nosso território. Eles têm vários Ômegas, e você sabe muito bem como isso fortalece uma Alcateia.
Balancei a cabeça em silêncio.
— Só uma Ômega fértil é capaz de atrair outras Ômegas. É assim que os Spinelli estão expandindo, Arturo.
E não vão parar até tomar tudo o que é nosso. Andei pelo escritório, meu corpo tenso. Draven estava certo, é claro. Não era só a questão de um herdeiro, era o poder que uma Ômega era capaz de trazer para a Alcateia. Somente a ligação ancestral entre um Alfa e uma Ômega podia restaurar o equilíbrio de tudo, fortalecer os laços do nosso clã e nos proteger da ameaça que crescia para além das sombras das montanhas. Apenas a presença dela seria uma declaração de poder e domínio. E, m*****a seja, eu precisava disso.
A carta repousava em cima da impressora, como se desafiasse minha capacidade de ignorá-la. Enquanto eu me acomodava na cadeira para mais um dia de trabalho, minha cabeça não conseguia se concentrar nos tecidos do século XVIII, apenas na propriedade na encosta da montanha em Port Angeles. Kira e eu passamos um tempo pesquisando tudo sobre e tentando entrar em contato com alguma autoridade da cidade, sem sucesso.Tudo isso era o tipo de coisa que eu via em filmes, não na minha vida monótona e presa a um escritório abafado, cercada por documentos esquecidos e projetos que ninguém se importava em ler. Kira olhou para mim, ansiosa. Eu sabia que ela queria que eu dissesse algo sobre o assunto, qualquer coisa que mostrasse que eu tinha um plano ou pelo menos uma ideia do que fazer a seguir.Mas a verdade era que eu não tinha.Essa notícia havia caído como um raio em um dia já chuvoso, e minha mente se recusava a processá-la completamente.— O que decidiu?— Nada, ainda, mas falei com a minha
A cidade estava ficando menor à medida que os dias passavam. Os mesmos prédios, as mesmas pessoas, os mesmos trajetos para o trabalho – e os mesmos artigos enfadonhos. De repente, cada pequena coisa na minha vida parecia sufocante. Mas o que realmente me empurrou para tomar uma decisão foi uma conversa que tive com a minha mãe, depois de finalmente contar sobre a propriedade e quão valiosa era.“Às vezes, a vida te dá oportunidades disfarçadas de obstáculos. Cabe a você descobrir o que elas realmente são”.E foi assim que dei o sinal verde para Naomi comprar a passagem.“Qualquer lugar menos aqui” parecia exatamente o que eu precisava. E quem sabe? Talvez uma pausa para recarregar as energias e uma vida em uma cidade pequena pudesse me oferecer a paz que o barulho incessante da capital nunca poderia.Pelo menos, era o que eu esperava.Empacotei minha vida em duas malas e uma caixa de sapatos cheia de pendrives, porque, claro, você nunca sabe quando vai precisar de um backup do artigo
O cheiro dela estava em toda parte, mesmo antes de vê-la. Doce, fresco, intenso, como uma flor silvestre recém-desabrochada.Era... Humano. Algo que, normalmente, seria insignificante para mim. Mas aquele aroma despertou não apenas o meu lobo, mas um instinto primitivo que eu não sentia havia muito tempo. Não consegui ignorar, não queria ignorar.Era cheiro humano, mas diferente. E essa diferença estava bagunçando todos os meus sentidos. Enquanto me encostava no carro de Draven que havia tentado acompanhar minha corrida animalesca até a fonte do meu desejo, cruzei os braços, observei a casa de sua família. A casa que deveria ser minha. Precisava ser minha. A névoa da manhã envolvia a propriedade, dançando como um véu protetor. E, naquele instante, eu senti que o poder da montanha estava mais forte do que nunca.E então, ela espiou pela janela.Quando a vi pela primeira vez, fiquei surpreso com o contraste entre seu cheiro capaz de dominar meus sentidos e ela. Era uma mulher jovem de c
A sensação de estar sozinha naquele lugar me abalava. Eu sabia que Naomi estava na cozinha preparando chá, mesmo assim, a casa parecia respirar ao meu redor, como se estivesse me cercando em um abraço fantasmagórico. Tomei um banho quente, vesti roupas limpas e confortáveis, mas a sensação de algo fora do lugar não desaparecia. Tinha algo nesse lugar.Algo que eu não conseguia entender, mas que parecia me chamar de maneira inquietante. Caminhei até a janela novamente, procurando por qualquer sinal daquele homem misterioso. Ele havia desaparecido, mas sua presença ainda pairava no ar, como um calor que se recusava a desaparecer.Era estranho.Eu podia jurar que senti o toque de sua respiração quando me olhou, uma onda de calor que atravessou a distância entre nós e se alojou sob minha pele. Um arrepio percorreu minha espinha, e meus lábios formigaram com a memória de um toque que nunca aconteceu. Como se ele estivesse ali, tão próximo que o espaço ao meu redor parecia ter encolhido.Qu
Segui o conselho de Kira e fui explorar a cidade.Port Angeles tinha um charme peculiar, suas ruas estreitas e prédios antigos pareciam ter sido arrancados de um livro de histórias, e a neblina que pairava no ar dava um toque quase mágico ao lugar. Após passar pela livraria-café, mercado e um dos restaurantes tradicionais da cidade comecei a compreender por que minha tia-avó havia amado este lugar.Mesmo assim, a inquietação não me deixava.Passei algumas horas perambulando, tentando absorver um pouco do que a cidade tinha a oferecer. Passei no cartório para assinar os papeis e assumir titularidade da casa, me aventurei em uma loja de antiguidades que parecia ter séculos de poeira acumulada e comprei alguns suprimentos em outro mercadinho.Tudo ali era diferente do que eu conhecia. Ainda assim, por mais que tentasse, a sensação de pertencimento que senti na casa não se repetia aqui. Era como se a cidade, de alguma forma, estivesse me testando.— Por que existe esse símbolo em quase to
As árvores ao lado da estrada passavam como vultos enquanto eu corria de volta para casa, em minha forma animal. Havia uma pressão em meu peito, como um incêndio que recusava a ser apagado. Quem ela pensava que era, me desafiando daquela maneira? Ela nem tinha ideia do que estava em jogo.Ainda assim, não consegui tirá-la da minha cabeça desde o momento em que a vi. E isso só piorava as coisas.“Eu vou decidir o que fazer com ela.” As palavras ecoaram na minha mente, irritantes como um zunido constante. Como se ela tivesse algum tipo de controle sobre a situação. Sobre mim.Não, eu não podia permitir isso. Eu precisava de controle, manter a ordem. Desde que assumi a liderança após a morte do meu pai, tudo o que fiz foi garantir a integridade da minha Alcateia e das nossas terras. Agora, com ela aqui, parecia que tudo estava prestes a ruir. Cheguei à porta de casa em um salto poderoso, os músculos das patas impulsionando meu corpo com força.O ar da noite cortava meus pulmões, um lembr
A noite tinha se instalado, trazendo consigo uma quietude que eu não conseguia encontrar em mim mesma. Após ligar para minha mãe e contar como havia sido o meu dia, preparei um chá de camomila, peguei um livro para ler, mas não consegui me concentrar, as palavras se misturaram, ficaram borradas e então cochilei.Minha mente retornou ao encontro de mais cedo.Arturo Pellegrini. Alto, poderoso, e incrivelmente irritante. E ao mesmo tempo... instigante.Meu corpo ainda carregava os resquícios da energia que ele trouxe consigo, um arrepio subindo pela espinha quando lembro da forma como me olhou. Senti um calafrio na espinha e acordei assustada.— Pare de pensar nisso, tire-o da sua cabeça e foque em resolver suas coisas e voltar para sua vida — me repreendi.Deixei o livro na poltrona, fui até a janela e encarei a floresta lá fora. A escuridão parecia densa, a neb
Eu podia sentir cada fibra do meu ser tensionada, como se estivesse conectada a tudo o que acontecia lá fora. A respiração ficou presa em minha garganta quando Arturo recuou, os flancos arfando, o sangue escorrendo por sua pelagem escura.— Não, não, não... —sussurrei, minhas mãos apertando a cortina até meus dedos ficarem brancos.Ele estava sendo empurrado para trás, para fora do portão, e algo nele parecia estar quebrando, como se cada passo fosse um fardo insuportável. Mas então ele parou. Ficou imóvel por um segundo que pareceu uma eternidade. Os lobos ao redor recuaram levemente, rosnando baixo, aguardando seu próximo movimento. A tensão no ar era sufocante, e eu podia sentir meu coração batendo tão forte que ecoava em meus ouvidos. E então, ele avançou.Com um rugido que parecia surgir das profundezas da terra, Arturo se lançou para frente, e o som de sua investida foi como o de uma onda se quebrando contra rochedos.Os lobos se dispersaram, tentan