— O que mais tenho para fazer hoje, Mari? — Amanda perguntou enquanto caminhava de volta à sua sala.
Era um dia agitado para a jovem CEO. Quando chegou à reunião com o setor comercial, não esperava demorar tanto.
— Luke quer falar com você. — Mariana a respondeu. — Disse não ser nada sério, mas me pareceu preocupado.
Amanda parou de andar, olhando para a secretária.
— Terei com ele…
— Se me permite sugerir, reservo o almoço para vocês.
— Você é um anjo na Terra, Mari! — Amanda a elogiou.
A secretária apenas lhe sorriu e a cumprimentou para ir aos seus afazeres enquanto Amanda se apressou para a sala.
Observou os documentos da reunião onde estavam estratégias bem traçadas e seus planos estavam a um passo.
“Franco & Silva Exportações”, dizia o logo no computador. Amanda o observou, motivando-se a continuar.
“Almoço?”, ela mandou mensagem ao seu CFO.
“Mariana já me avisou… posso te buscar”, Luke se ofereceu.
“Agradeço… não estou bem para dirigir hoje!”
Indo ao banheiro, retocou a maquiagem. Mesmo que a pele negra não evidenciasse cansaço, era vaidosa e cuidadosa.
Umedeceu seus cachos; ajeitou o terno e pronto! Estava quase nova, pronta para sair e não demonstrar tanto cansaço.
Os pés incomodavam por muito andar no dia anterior, mas era obstinada e não se deixaria abater facilmente.
Deixando o banheiro, Luke já estava no escritório.
De ascendência árabe, ele não era tão alto; tinha barba bem feita e idade aproximada à Amanda. Os olhos tinham cor de mel e o sorriso com covinhas era encantador.
— Cedo… — Amanda falou.
— Pernoitou? — Ele levantou uma sobrancelha, analisando-a. — Deveria tirar uma folga… isso vai te matar, habibti…
— Veio me dar sermão ou almoçar comigo? — Ela deu de ombros. — Não se preocupa! Está tudo indo muito bem.
— Vamos? — Luke optou por não estender o assunto.
Amanda assentiu e eles saíram, rumo ao carro do rapaz.
— Soube da reunião com o comercial… é bem ambicioso. O que seu pai acha? — Ele puxou assunto enquanto dirigia.
— Ele está tão confiante quanto eu! — Amanda sorriu largo. — Quero muito conseguir conquistar novos lugares… novos patamares e tudo parece conspirar positivamente.
— Alhamdulillah! — bem-disse. — Estamos estudando as possíveis expansões… observando o cenário dos próximos cinco anos… e, não mentirei, você ficará feliz com o que verá.
— Assim me deixa mais ansiosa! — A moça o repreendeu.
Luke riu e voltou a se ater à direção. Muito cavaleiro, ajudou Amanda a sair do carro e eles foram à sua mesa.
Mariana tivera o cuidado de reservar um espaço num restaurante que atendia às restrições alimentícias de Luke.
A moça o acompanhou nos pratos, habituada a lidar com a culinária árabe dado o tempo de convivência com Luke, amigo de infância e filho de uma grande amiga de seu pai.
Não o acompanhou com as formalidades pré-refeição, afinal, não era religiosa; mas guardou o silêncio, lhe respeitando. A refeição se deu com muita tranquilidade.
Amanda realmente tinha fome. Teve um café da manhã corrido para não se atrasar à reunião após o pernoite.
— Então… o que está acontecendo? — Amanda o indagou.
— São dois eventos que o pai soube e reverberarão na exportadora. — Luke pareceu preocupado. — Primeiro, Nazari.
Amanda franziu o cenho. Antes que Luke iniciasse sua dissertação, pediu uma taça de vinho para ambos — apesar de ele nunca passar da primeira taça, não negava acompanhá-la.
— Você já sabe que o patriarca deles é bem velho… o pai lidou com um rumor que o segundo filho, Farhad, é quem assumirá os negócios… e provavelmente reverá os contratos.
— Ele está doente? — Amanda se preocupou.
— Não está, mas eles não querem esperar chegar um momento delicado para lidar com isso. Muito sábio! — deu de ombros. — Isso significa que deve se preparar.
— Muitos dos nossos lançamentos estão ligados a eles… — A moça ficou pensativa. — Enfim, estamos prontos para lidar… não imagino que isso será um problema tão grande.
— Pode se tornar.
Preocupada, Amanda deu um gole no vinho.
— Rumores dizem que a Suprema Corte do Irã está revisitando uma matéria que pode afetar o consumo de carnes e exigir mudanças drásticas em toda a indústria halal.
— Hm? Do que exatamente falamos? — indagou.
— Dependendo de sua resolução, podem exigir que outras etapas do processo também sejam halal… o que significaria mudar hábitos nos principais pilares da cadeia de produção.
— Isso é impossível! — A moça ficou nervosa de imediato. — Como fazemos isso? Demissão em massa e recontratação? Educação dos nossos executivos e funcionários? Droga!
— Ainda é só um rumor, mas é bom se preparar. Falei com Amir, do Jurídico; ele ficará atento às novidades sobre e moverá o resto do corpo jurídico, se necessário.
— Droga! — A moça continuou maldizendo.
— Dependendo de como for, para não afetar tão drasticamente, é possível que não sejam tão exigentes… não sei… eles são bem ortodoxos… é difícil presumir!
— Isso ajuda bastante… pela sua experiência, o que acha? — Amanda tentou enxergar uma luz no fim do túnel.
— Pelo que estudei da matéria nos últimos dias, há uma exigência que, além da forma de cuidado e abate, também haja uma espécie de arcabouço halal nas outras etapas.
— Mesmo que atinja apenas o corpo executivo, isso significa… eu, sabe!? — Amanda riu, meneando a cabeça.
— Sim, eu sei disso — riu. — É ainda mais complicado… você é, ao menos considerada por eles, kafir… é muito difícil mudar isso e… eu nem sei como seria.
— Kafir é o passado deles! — incomodou-se.
— Calma! — Luke riu. — Sabe que é assim. Não segue a fé, não é casada… é tudo que um iraniano entende como errado!
Amanda deu um gole mais generoso no vinho e se recostou na cadeira. Colocou uma das mãos na cabeça, extremamente preocupada com o cenário.
— Conta comigo. — Luke tentou tranquilizá-la. — Continuarei te atualizando conforme souber mais. Ainda não falei com seu pai, mas é bem provável que a mãe o faça.
— Poderei conversar com ele amanhã… ou depois, sei lá — deu de ombros. — Pode me encaminhar o que tem sobre?
— Sem problemas. Eu acompanharia para te poupar.
— Amável! Mas, não sossegarei enquanto não entender do que isso se trata. — Só faltaram os olhos brilharem de tanta obstinação. — Isso não pode nos afetar!
— Não quero que se torne uma desculpa para você trabalhar ainda mais… entendeu? — Preocupado, ele terminou sua taça de vinho e a colocou na mesa.
— Impossível, não?
— Fará o quê? Irá até o Irã? Terminará presa e eu não poderei fazer muito para te ajudar! — criticou. — Acalme-se… nós só podemos esperar e orar… Salah! — suspirou.
— Odeio esperar!
— Mas, deve aprender. Se os rumores acertam, devem começar a debater esse assunto nessa semana. Manterei você atualizada sempre que puder. Se precisar, busque Amir.
— Procurarei, procurarei…
Ainda era uma terça-feira e Amanda não poderia estar se sentindo mais pressionada, tentando presumir como ficariam os negócios com a tal mudança entre os iranianos.A exportadora era um grande nome do mercado halal e poderia se recuperar, mas precisaria começar a galgar novos nomes para assumir as posições dos clientes que perderiam.O grupo iraniano Nazari era o maior cliente e não ter a receita advinda dos negócios com eles seria muito impactante para a empresa, exigindo criatividade para driblar a crise.Luke a dirigiu de volta à empresa e seguiu ao seu escritório enquanto Amanda também foi à sua sala e se trancou, deixando um único recado para sua secretária:— Estou indisponível pela próxima hora!Mariana lhe alertaria sobre as próximas reuniões, mas a CEO apenas a ignorou e conseguiu ficar só por uma longa hora, que usou apenas para tentar se tranquilizar.Era muito ansiosa comumente e isso seria demais.Voltando ao trabalho, foi objetiva, como sempre. Precisou de novos contatos
— Sigamos observando. Quero atualizações de cada avanço ou novo rumor — dizia Luke ao estagiário. — Sei estar fora do nosso escopo, mas posso poupá-lo de outros trabalhos por ora.— Sim, senhor! — O jovem assentiu rapidamente.O tempo de Luke durante o dia era escasso. Na ligação com sua mãe, fora avisado de um almoço com o pai e um homem, que o rapaz já sabia ter alguma filha.Mesmo que conseguisse usar o trabalho como desculpa para não se prolongar nesse tipo de conversa, sabia que logo não conseguiria justificar o porquê de ser solteiro.Seu pai fora muito paciente e isso estava acabando. Mesmo com a ajuda de sua mãe, a validade estava chegando…Foi uma manhã de muito trabalho, principalmente lidando com as expectativas dos números nos próximos dias.O cenário não era positivo e o mercado já conhecia o rumor da corte iraniana, o que fazia a exportadora perder um pouco mais de valor de mercado que ele gostava de ver.Moveu-se com alguns dos seus para atenuar os impactos das notícias
Foi um resto de semana agitado para Amanda.O bairro residencial onde morava, Vila Yolanda em Foz do Iguaçu, tinha um ar pacífico e agradável. A volta para casa ocorrera na sexta-feira e o trânsito colaborou muito.Amanda marcou com Mariana para sair no dia seguinte, mas a noite de sexta seria reservada apenas para se cuidar.As ruas largas e arborizadas já tinham o suave trânsito animado de mães com seus filhos começando a fazer as compras para a Páscoa, o que fez Amanda sorrir ao ver.Acabou lembrando dos bons dias onde seu pai cumpriu com aquele papel e lhe levou para escolher chocolates e presentes para distribuírem aos empregados da casa.Abraçada pela boa sensação, voltou para a casa que não era tão grande, condizendo com o conforto que Roberto gostava e os poucos luxos que se permitiu em sua vida.A moça estacionou ao lado do carro do pai na garagem e seguiu à entrada. Os saltos permitiram olhar pela janela da sala e ela o fez, antes de entrar, avistando os cabelos grisalhos de
Foi cedo quando Luke saiu de sua casa. O clima não estava tão bom com seu pai e ele decidiu não pressioná-lo, obrigando-o a olhar para o filho solteiro.Amanda acordou cedo e, com ajuda das domésticas, preparou um bom café da manhã para receber o amigo. Escolheu ingredientes e pratos com cuidado.Com ajuda do jardineiro, que pouco trabalho tinha, conseguiu organizar um espaço na mesa que ficava às costas da casa no quintal para servir tudo.Tinha um plano, mas não teve tempo de redigi-lo, logo, era uma das poucas vezes em que a mesa teria uma pequena pilha de papéis e eles estariam em branco.Luke vestia um esporte social, seu visual mais casual.— Salaam aleikum, habibti! — Ele sorriu largo ao vê-la.— Essalam… — A moça retribuiu. — Como está?— Melhorando devagar — riu. — O que tem em mente?— Ai! Comemos primeiro — repreendeu.Ele riu, assentiu com a cabeça e eles foram ao jardim.Amanda já conhecia o que ele gostava de comer e foi justamente a refeição matinal que serviu. Acompanh
Fora uma segunda-feira cansativa onde Amanda não conseguiu descansar, pensando na reunião do dia seguinte.Os preparativos para a feira estavam indo muito bem.A comitiva da empresa já estava preparada, mas se comprometeram em ajudar Amanda na inclusão de Luke.Como já era habitual, a CEO pernoitou no escritório. Banhou-se num hotel e, cedo, estava pronta para a reunião.De volta ao edifício, organizou uma boa recepção, esperando que o enviado Nazari fosse alguém acostumado a lidar com viagens ao exterior.Por volta das sete, Mariana lhe notificou:— Senhora, seu convidado Nazari chegou…A voz de Mariana estava um pouco diferente, apreensiva; mas Amanda não a indagou. Apenas seguiu à recepção para ser quem receberia e guiaria o convidado à sala de reunião.O homem era alto e magro, tinha uma barba longa bem cuidada e cabelos escuros levemente ondulados até os ombros. Ele tinha postura ereta. Não abdicou das vestes típicas de casa, usava um chapéu redondo branco e longo manto escuro.A
“Droga! Estraguei tudo…”, era o que a culpa vivia repetindo na mente de Amanda que não se contentava com a resolução da reunião com o sucessor Nazari.Enquanto na reunião dos diretores, a moça não conseguiu prestar atenção em absolutamente nada. Estavam todos reunidos e ela estava avoada.— Amanda? — Luke a chamou.Estava de pé, falando do que traçou como estratégia do setor financeiro conforme os diferentes cenários que poderiam se apresentar no decorrer do ano.— Hm? — Ela o olhou. — D-desculpa! Não me sinto bem.A visão da moça embaçou enquanto o olhava.— O que está sentindo? — Roberto se preocupou.— E-eu… não tenho…A moça silenciou, pondo as mãos na cabeça.Devagar, seu corpo começava a perder forças e ela não pôde fazer nada para combater tal sensação.Mais jovem, Luke foi quem correu para ampará-la.Chamou-lhe pelo nome algumas vezes, mas Amanda apenas desfaleceu. Preocupando todos os reunidos à mesa.Roberto acionou a emergência sendo acompanhado pelo CFO até o hospital. Luk
Os dias seguintes à alta de Amanda contaram com Luke assumindo parte de suas responsabilidades. Roberto não se eximiu de voltar ao cargo na ausência da filha.O velho homem não perdera o jeito e cuidou para manter as estruturas da presidência conforme os gostos de sua CEO.Os dois dias de descanso de Amanda foram inquietos, mas, considerando a preocupação de seu pai, ela suportou.Dispensou o telefone, rádio e até a televisão. Assim, evitou receber notícias do mercado que lhe incitariam a trabalhar.Procurou médicos, mas dispensou os medicamentos; receando viver os terríveis efeitos colaterais que já vivera na infância enquanto lidando com a saúde mental.Na noite de sexta-feira, Roberto voltou para casa com alguns relatórios de Luke. Era o dia de folga do CFO, mas ele cuidou para entregá-lo na quinta-feira, pedindo que Amanda apenas recebesse tais documentos ao fim do descanso.Após o jantar com seu pai, Amanda foi ao quarto para observar os papéis que tinham muito detalhadamente cad
Suaves batidas à porta soaram e Luke foi quem atendeu.Do outro lado, Mariana arregalou os olhos ao vê-lo, quase derrubou a xícara de café que levava consigo para Amanda.— B-bom dia! — cumprimentou sem jeito. — D-desculpa…Constrangido, Luke a cumprimentou silenciosamente.— E-eu vim- vim- Tem café! — sorriu amarelo.— Calma! — riu. — Eu já pedi a refeição e logo acordarei Amanda. Pedi aspirinas para a tal ressaca, acertei? — arguiu.— S-sim… ela sempre toma… Ehrr… eu- — Não sabia o que falar. — Hm… pode entregar o café para ela? Nem trouxe outro… — repreendeu-se, meneando a cabeça.Era muito comum correrem rumores pelos corredores da empresa sobre um suposto caso da CEO com o CFO, contudo era uma surpresa para Mariana confirmar dessa forma.— Eu a entrego. — Luke pegou o café. — Também agradeço por ela… infelizmente, precisamos conversar e isso exige privacidade, então não a convidarei. Perdão! — justificou-se.Mariana assentiu com a cabeça, dispondo, e saiu o mais rápido possível,