Estavam sozinhos, mesmo com tantos transeuntes ao redor deles. Naquela mesa, só os dois conseguiam se ouvir e não existiam barreiras, como títulos ou conquistas, eram iguais, pois compartilhavam de um passado em conjunto. Afinal, quantas vezes já não estiveram naquela situação? Mesa de madeira, cerveja espumando — lacrimejando de tanta tentação —, um de cada lado e ambos tentando fugir da realidade.
Assim eram aqueles dois, Alessandra e Richard.
Alessandra, a diretora de uma grande empresa de marketing, era companheira de longa data de Richard, um escritor freelancer que ganhava a vida com histórias de romance apesar de que, em suas próprias palavras, ele nunca tivera um romance marcante em sua vida.
Aqueles dois se conheciam desde a infância e sempre andaram juntos até que a idade adulta teve que separá-los, agora, tudo o que lhes resta é desfrutar de momentos de embriaguez como aquele para afogar as magoas.
— Céus, eu realmente aceitei beber com você de novo? — questionou-se a mulher, mas notava-se que estava falando consigo mesma, repreendendo-se — Que poderes psíquicos você desenvolveu, ehn, Rick?
— Depois de tanto tempo estudando a mente feminina, aprendi exatamente o que dizer. — O homem fez uma pose galanteadora, mas depois riu de si mesmo. — Ou melhor, depois de tanto tempo convivendo com você, até um idiota como eu aprenderia algumas coisas.
— Tempo... nem me lembre dessa palavra. — Alessandra suspirou, secando seu copo novamente, o líquido alcoólico era uma das poucas coisas que conseguia prender a atenção dela. — Tanto tempo se passou e parecemos os mesmos de sempre, com algumas variações, é claro.
— É normal, né? Ou você queria que o Fabiano ficasse segurando vela para nós dois pelo resto da vida dele? — Richard riu, a outra fez uma careta.
— Sabe que ele já te salvou de boas surras, não é? "Dê um desconto, o Rick tem deficiência de neurônios", era o que ele me dizia antes de eu te bater...
— Ele sempre foi o mais controlado do grupo... — o leve sorriso que o homem mostrava simplesmente se fechou. —, mas, mesmo assim, ele acabou sendo o primeiro a morrer...
Eles ficaram alguns minutos em silêncio, envoltos em amargura. Fabiano havia falecido um mês atrás, mas seus amigos ainda pareciam não estar nem perto de superar o fato, eles ainda queriam por perto o homem ranzinza e frívolo com o qual compartilharam metade de sua infância. Naquele tempo, tudo era tão mais simples e colorido, mesmo que houvessem brigas, porque eles estavam juntos. Foi uma sensação estranha quando souberam sobre a morte de Fabiano, como se suas memórias estivessem se partindo.
Mas era assim que tudo funcionava, não? Uns morriam nos braços de quem amavam, outros se entregavam a honra e caíam em combate — seja lá o que a palavra “combate” possa significar hoje em dia —, alguns simplesmente nunca tiveram a oportunidade de viver e outra parcela optava pela vida louca e sem sentido que sempre levava a uma morte solitária.
Richard encarou seu copo, qual dessas opções ele era? Será que morreria sozinho também? Morreria junto a quem amava? Protegendo alguém como um verdadeiro herói? Não, como um destino tão nobre aguardava quem costumava espionar o banho feminino?
— Ei, ei, nada de ficar melancólico. — As mãos delicadas da loira agarraram as suas, ela tinha um sorriso compassivo no rosto, quase cansado. — Não foi sua culpa, entendeu?
Ele suspirou, sem graça por tê-la preocupado. Andressa sempre se preocupava com seus amigos, mesmo parecendo desinteressada, pois ela já perdera pessoas muito importantes. Richard era capaz de se lembrar perfeitamente da trágica morte do irmão menor dela, a loira ficou profundamente abatida por muitos dias, quiçá meses. Nem seus amigos conseguiam animá-la e vê-la daquele jeito era terrível, por isso eles ficaram tão agradecidos quando Daniel surgiu e conseguiu tirá-la daquela depressão. Bem, o Richard não ficou totalmente feliz, pois, mais uma vez, via um obstáculo para conquistar o coração da mulher que sempre amou em segredo.
Mas não tinha problema, pois Andressa estava feliz e só isso importava para ele.
Então, por conta de uma enfermidade, Daniel faleceu nos braços de quem amava...
Andressa se tornou inconsolável, não conversava com mais ninguém, afastou-se de todos até o dia que voluntariamente deixou a cidade, falando apenas que precisava ficar sozinha. Após aquilo, Richard a encontrava esporadicamente durante suas andanças. descobrira a hematofobia (fobia por sangue) que afligia a loira e suas preocupações só aumentaram, por isso, deu graças a Deus quando conseguiu convencê-la a estabelecer residência em uma cidade e procurar um emprego estável, pois, assim, poderia ver se ela estava realmente bem sempre que precisasse. Não que o homem pensasse que sua antiga companheira era incompetente e precisasse de proteção, porque Andressa nunca teria essas alcunhas, o caso era: Richard queria ainda poder ter contato com uma das últimas pessoas que sobraram de seu passado.
— Acho melhor parar de beber... — disse Richard, bufando, tentando disfarçar a melancolia com um forçado tom de voz embriagado. —, meu cérebro está começando a ser afetado.
— É bom, na sua idade eu não queimaria muitos dos poucos neurônios que me restam.
— Você está começando a falar igual ao Fabiano.
— É para você não sentir saudades. — A mulher se levantou, estava rindo para o vento, levemente corada. Ela olhou o companheiro cambaleando e sua expressão se suavizou.
Richard lhe inspirava um sentimento bom de alegria infantil, como se eles ainda fossem crianças. Mesmo após tantas coisas ruins, aquele homem continuava com os mesmos trejeitos de menino: era idiota na maioria das vezes, sempre dando um jeito de complicar a própria situação para, no final, resolvê-la magicamente, além daquele brilho jovial presente em seus olhos. Porém, agora, Richard era um homem responsável — ou tentava ser —, com simplórias aspirações, mas que possuía muita vivência; ele crescera, mesmo tentando proteger aquele garoto briguento e burrinho.
Andressa apreciava esse lado dele, talvez como forma de preservar aqueles dias felizes.
— Vamos para a minha casa? — a loira perguntou.
— Ora, você está me convidando para sua casa? Que bicho te mordeu?
— Tem algo lá que você vai gostar... E não pense em sacanagem, ou eu quebro um osso seu!
— Sacanagem? Eu? Nunca pensei em nada do tipo. Sou um santo!
— E eu sou uma sereia...
Eles caminharam trôpegos pelas avenidas, sempre buscando os locais menos movimentados, porque ninguém poderia ver a diretora de uma grande empresa cambaleando bêbada por aí. Agora, Andressa era um exemplo para muitos, mesmo ela nunca tendo desejado isso. No começo, todos — inclusive seus companheiros — achavam que Fabiano seria o grande exemplar que conquistaria tudo o que sempre sonhou, por razões óbvias, porém a vida era uma vadia ardilosa e mesquinha. Então as atenções se voltaram para Richard, quem correspondia a várias qualidades em geral, no entanto, ele queria se dedicar aos seus romances e à vida de peregrino. No final, a loira foi a única que sobrou como opção mais viável para recair sobre as atenções alheias. Agora, a mulher via o quão bom foi retornar ao seu lar, pois, assim, conseguiu reaver uma pequena parte dela.
— Então, o que tem de tão importante aqui? — Richard jogou-se no sofá enquanto Andressa revirava a casa.
Ela lhe trouxe uma lata de cerveja e um porta-retrato, estendendo-os. Na foto haviam três rostos nostálgicos, representando versões de Richard, Alessandra e Fabiano em tempos simples e felizes. Richard se lembrava muito bem daquela ocasião: eles haviam acabado de pescar alguns peixes no lago e ele acabou tropeçando em uma poça de lama, por isso estava todo sujo, porém ainda foi o motivo de seus amigos estarem sorrindo tão largamente na foto.
— Da onde você tirou isso? — Richard abriu um grande sorriso, inspecionando cada detalhe daqueles rostos. — Caramba, eu queria uma dessas faz tempo!
— Encontrei revirando as coisas do aqui de casa. — Ela sentou-se ao lado dele, alisando, com o polegar, os rostos daquelas figuras do passado. — Pode ficar com ela se quiser.
— Às vezes é bom lembrar de momentos bons do passado — O homem deu um sorrisinho de canto. — mesmo que isso inclua foras, sabe?
— Você que pedia por aqueles foras! Deveria simplesmente ter parado com as cantadas logo de início. Isso teria lhe poupado várias visitas ao hospital.
— Nem me fale, mas eu admiro a experiência que conquistei.
— Que experiência você poderia ter com tudo aquilo? E eu achando que o Fabiano que era um masoquista...
— Aprendi a ter perseverança, mesmo sem chances de vitória. — Richard olhou para ela com uma expressão genuína de ternura. — Não importa o quanto doíam seus foras, eu continuaria insistindo.
A loira corou, por que parecia que ele estava sendo tão sincero? Desde quando existia essa natureza tão romântica naquele idiota?
— Nã-não entendo a razão. Muitas mulheres gostariam de desposá-lo, sabia?
— Acredite, eu sei, hehe! — Ele esboçou um sorriso amarelo, desviando o olhar. — Durante minhas viagens, já estive na companhia de belíssimas mulheres, muitas me procuravam e eu até tentava aproveitar a presença delas, porém era impossível afastar totalmente minha mente de você...
Por rápidos segundos, Alessandra parou de respirar, encarando o companheiro com olhar interrogativo. No fundo, ela temia que aquilo fosse verdade. Depois de Daniel, criara medo de amar, então bloqueava qualquer aproximação... Parecia que ela conseguira superar todos os seus traumas, não? Porém existem cicatrizes que deixam vestígios inapagáveis.
— O caso é: sempre gostei de você, Andressa, desde criança, sem saber o motivo ou querer buscar explicação. Também não me importava se você não me amava, parecia que eu estava amortecido, torpe apenas em vê-la. — sua voz era repleta de sinceridade, um pouco rouca, talvez por causa da vergonha ou embriaguez, mas nada parecia conseguir detê-lo de concluir aquela declaração tão inesperada. — Treinava minhas cantadas, buscava novos meios de me aproximar de você, arriscava-me perto dos seus punhos e, mesmo com minúsculas respostas positivas, eu continuava religiosamente... — Aquele rubor em seu rosto era apenas por causa do álcool? — Isso tudo porque eu aprendi a não resistir aos encantos da garota que nunca caiu nas graças das minhas cantadas.
Alessandra enrubresceu levemente, a pele alva tornando-se rosada, sem conseguir tirar os olhos do companheiro. Ela sempre pensou que ele só brincava sobre gostar dela, sem qualquer sentimento genuíno, pois Richard parecia viver apenas para observar mulheres no banho e prosseguir com seus benditos romances, no entanto, lá estava ele, fazendo uma declaração tão explícita, porém simples, mas igualmente terna. Esse homem com comportamentos idiotas sempre guardou sentimentos pela loira, nutrindo-os de alguma forma misteriosa, mesmo achando que nunca conseguiria conquistá-la, como um sonhador pateta, e só hoje Andressa tomara pleno conhecimento disso.
— Ah, acho melhor eu ir embora antes de dizer algo pior... — Bem quando Richard ia se levantar, conformado com sua situação que, de certo, nunca mudaria, Alessandra segurou seu braço, ele virou e os lábios dela pressionaram os seus.
No início, foi só um selinho, um colar de lábios, porém quando a mulher começou a afastar-se, envergonhada, Richard despertou do transe inicial da surpresa, dando continuidade ao ato, agarrando os ombros dela. O contato gerou uma porção maior de calor para ser compartilhado entre eles, aumentando e se expandindo aos poucos. Era uma sensação calorosa — inicialmente tímida, mas que se tornava cada vez mais exigente. Lábios se amassando, buscando por melhor contato, enquanto as mãos, encorajadas pelo momento, começavam a vagar. O calor se espalhava por onde os dedos percorriam, esquentando a pele, percorrendo cada centímetro; a necessidade tornou-se impossível de ignorar.
Eles se sentiam um pouco estranhos estando naquela situação, como se a imagem original deles — daquelas crianças que viviam para fazer burrices — nunca quisesse desaparecer. Estavam contornando as memórias que tentaram tanto preservar, porque, caso continuasse como sempre foi, este momento nunca ocorreria, Richard continuaria nutrindo um amor platônico por Andressa que, por sua vez, evitaria se entregar para outra pessoa, temendo perdê-la.
No entanto não havia espaço para continuar seguindo o passado, principalmente com um futuro tão incerto. Logo Richard deixaria a cidade mais uma vez, iria rumo a outros lugares para divulgar seu trabalho, sem qualquer expectativa fantasiosa de voltar, ou seja, este poderia ser o último encontro daqueles dois. Andressa sabia bem disso, mas também conhecia seu amigo, seria impossível deter ele, pois era assim que funcionava seu espírito livre.
Por isso, aquele toque se tornou mais desesperado por parte da mulher, porque, talvez, ela perderia mais uma pessoa querida em breve.
A loira o empurrou contra o sofá, mãos embrulhadas no cabelo negro, lábios carmesim de tanto moerem contra os do outro, respiração arfante, rosto em brasa, a mais profunda e indiscriminada cor de carne. Andressa segurou o rosto de Richard, olhando no fundo dos olhos dele, como se quisesse investigar sua alma e passado. Só encontrou o menino que vivia aguentando seus socos e, mesmo assim, retornava a fazer as mesmas coisas, persistindo em irritá-la.
Não, persistindo naquele amor infantil e sem explicação.
— Podemos parar agora... — disse o homem, sua respiração subia em nuvens entre eles, os olhos estavam cravados na mulher loira, carinho, afeto e paixão escorriam deles. — você não precisa corresponder ao que sinto, Andressa.
— E se eu quiser? — Ela sorriu, habilmente livrando-se de seu casaco, começando a se despir enquanto falava. — Posso escolher isso, não? Se eu quiser, posso tentar finalmente te dar uma chance e você pode tentar me perdoar por todos os foras que te dei até hoje.
As roupas dela se foram, Andressa sempre teve um belo corpo com curvas estravagantes, mas seus lábios eram o mais atrativo, eles voltaram a beijá-lo, intensificando as emoções de outrora. Richard cumpriu com os pedidos da mulher, não por luxúria ou em prol de suas pesquisas: ele só estava obedecendo aqueles sentimentos inocentes que guardou durante a vida toda.
— Nunca vou odiá-la pelos foras que me deu. — disse, por fim. — Mas também nunca irei deixar de amá-la, Andressa. — Ele viu a lágrima desamparada escorrendo pelo rosto da mulher em seus braços, colhendo-a com o polegar antes de sorrir. — Eu não posso prometer que estarei ao seu lado para sempre, mas posso prometer nunca mudar essas palavras: eu te amo, Andressa.
— Eu também o amo, Richard — dizendo isso, ela plantou outro beijo sobre os lábios dele enquanto o Sol baixava lá fora e a cidade se acalmava, entregue a noite. — Então, trate de me fazer sentir amada hoje.
Richard livrou-se de sua camisa, pegando a mulher em sua frente pela cintura carnuda, as pernas dela envolveram seu corpo enquanto o beijo continuava a inflamar mais ainda seus corpos. O contato da pele com pele gerou uma chama incandescente que englobou os dois num segundo arrebatador. Logo aquele beijo se aprofundou, tornando-se uma batalha entre línguas agitadas e muita saliva. Cada lugar onde Richard tocava no corpo daquela mulher parecia ficar mais quente e, por fim, vieram seus gemidos necessitados e ofegantes.
— Para o seu quarto... — Richard disse entre um arfo e outro, sendo respondido apenas por um aceno de cabeça, os olhos de avelã de Andressa estavam hipnotizados demais para raciocinar naquele momento.
Richard ergueu a mulher e deixou seus braços escorrerem pelas suas costas enquanto caminhava tropego até o quarto de Andressa. A cama arrumada se tornou caótica em um instante quanto aqueles corpos caíram sobre ela. Andressa se esparramou pelos cobertores enquanto observava o homem em sua frente se livrar de suas calças e voltar a beijá-la.
O membro já ereto de Richard marcou a coxa de Andressa, fazendo-a suspirar. A noite seria longa, tão longa quanto eles esperariam, mas era o desejo mutuo deles que as coisas seguissem aquele rumo, assim, quem sabe, poderiam deixar de se imaginar como crianças arteiras e passar a olhar um para o outro como adultos cheios de amor.
O Sol o acordou, acariciando delicadamente sua face com o singelo calor matinal. Richard se levantou, estava na cama, o corpo despido embrulhado nos cobertores amassados, cada dobra do tecido trazia novamente as lembranças do que foi dito entre aquelas paredes. Ao lado dele, jazia a mulher que amava, ainda imersa no sono profundo. A noite trouxera o acalanto das verdades, palavras amorosas e sons explícitos de paixão, porém, hoje, ele precisava deixá-la.
Vestiu-se sem fazer barulho, como um ladrão que tenta escapar após o roubo perfeito. Em parte, sabia que Andressa tentaria convencê-lo a ficar, ainda mais agora, então não queria deixar a situação doce de ontem simplesmente se quebrar com discussões, optando por não se despedir da mulher formalmente. Ao invés disso, ele beijou-a calmamente no rosto, nos lábios havia aquele sorriso vitorioso e infantil de menino e os olhos ansiavam pelo futuro que dividiria com aquela mulher. Afinal, Richard era um sonhador e nunca se permitiria esquecer de seus sonhos.
Quem sabe um dia os dois poderiam ficar juntos, ter uma bela casa com vista para o mar, um filho que ela provavelmente escolheria o nome sozinha e alguns cães para alegrar o ambiente? Isso não era uma de suas histórias de romance, porém Richard torceu para que se tornasse realidade.
O primeiro passo eles já tinham dado, já haviam cruzado a linha tênue entre a amizade e o romance, agora estava nas mãos do destino resolver o que aconteceria com suas vidas. Pela primeira vez, Richard estava esperançoso pelo futuro e, mesmo que este trouxesse algumas adversidades, sempre que pudesse olhar para o sorriso da mulher que ama, para ele, estaria tudo ótimo.
Eu não sabia por quanto tempo estive observando aquela cena que já conhecia tão bem; horas lânguidas vendo os movimentos quase coreografados dele se reverberando contra o vento, jogando para cima apenas poeira e folhas enquanto a bola de vôlei quicava de um lado para o outro da quadra. A grama alta ricocheteava para lá e para cá e as mínimas gotículas de suor que escorriam por sua pele eram arremessadas ao ar, irradiando os raios fortes do Sol. Tornou-se parte da minha rotina olhar para Nathan imerso em seu treinamento exaustivo quase todas as manhãs. Eu apenas me sentava próxima — mas em uma distância segura, claro — e, com os cotovelos apoiados nos joelhos e queixo sobre as palmas das mãos, deixava-me perder totalmente em seus movimentos. Uma gama de devaneios remexia minha mente nesses momentos, mas nenhum fazia realmente sentido ou era marcante o suficiente para eu me devotar a ele. Não, o único que realmente prendia minha atenção er
Foi apenas uma vez, nada mais que isso. A culpa foi minha, certamente, estava sensível e queria esquecer das preocupações o quão rápido possível. Só isso... Nada mais aconteceu entre nós, a prova disso é que me sinto mal agora, após minha mente se ajeitar de qualquer jeito e a consciência recair numa cama que eu não deveria estar dividindo com outro homem. Leandro não está aqui — não estava e temo que também não estará aqui amanhã —, sua última mensagem de texto chegou dias atrás e o desconforto e a ansiedade se aglomeravam cada vez mais no meu peito. Ontem, tudo explodiu na minha cara, isso porque, após tanto tempo sozinha, alguém me estendeu palavras afáveis demais para resistir. A culpa não é dele, seu jeito é este afinal. Sempre tratando todos de forma tão simpática que chega a coagir, dono de um positivismo inumano e de tão grande gentileza que não poderia simplesmente me ignorar e ir em
A ponta de seu dedo trilhou lentamente a borda do copo, a unha de cor vermelha se refletia no líquido dourado do recipiente. Com o cotovelo apoiado no balcão e o punho ancorando o queixo, Milena deixou seus olhos vagarem perante os rostos felizes em plena agitação dos amigos que ainda estavam extasiados devido a comemoração recente; pudera, o casamento de Gabriel e Valentina foi uma data memorável, dois lindos jovens apaixonados prontos para iniciar suas vidas como uma família. Valentina estava deslumbrante e exalando doçura em seu formoso vestido de noiva, tanto que o noivo quase caiu boquiaberto no meio do altar quando ela entrou. Todavia Gabriel não cometeria esse erro; não, aguentar uma avalanche emocional não era nada para alguém notavelmente emocionado por natureza, certo? Todos pareciam tão felizes naquele dia, tal como agora, na festa noturna feita só para os amigos mais íntimos do casal. “Todos” dito de uma forma generosa, pois,
O gosto levemente apimentado borbulhando ao longo dos lábios, a respiração quente rodopiando entre nós dois, tão penetrante quanto o nosso ritmo cardíaco, o qual se equiparava em total agitação, assim como o céu noturno de fim de ano. Eu senti seus olhos fecharem-se fortemente, os cílios acariciando minha pele corada e febril. Senti gosto de barbecue, o molho que você tanto adora, perdendo apenas para a carne mal passada e cheia de tempero. Senti calor, um calor tão gigantesco que transbordava do meu peito, era diferente de qualquer coisa que já tinha experimentado antes; quase pude afirmar que meu corpo se derreteria naquele instante, escorrendo entre seus dedos e sujando suas roupas, mas, da mesma forma, eu ficaria impregnado em você, nos seus cabelos louros, na sua pele de pêssego, nos seus olhos de safira e no seu sorriso de menino sonhador... Porém outra coisa que senti naquele momento foi medo. Hoje, muitos a
— Eu gosto de você, Vitor. Foi uma frase apenas, poucas sílabas, mas suficientes para interromper a forma como o tempo transcorria. Bem, pelo menos para mim. Eu pisco para a pessoa ao meu lado, olho para cima, para baixo, tento supor se ouvi errado, abro e fecho a boca simultaneamente, tudo isso em um instante rápido. E ele continua me olhando casualmente, seu rosto tão simplório que custo a acreditar na verdade que sua voz carregava. Não, não foi uma piada, Miguel falou sério. E eu ainda estou calado, certo? Tenho que dizer alguma coisa agora, qualquer coisa... Ei, cérebro estúpido, não consegue bolar nada para eu falar? Vamos lá, não posso só ficar quieto com cara de idiota na frente de uma declaração amorosa, posso? Posso? Meu Deus, o que eu digo? — Ehrr... Você... E se eu disser algo errado agora? É mesmo necessário dar
O que há com esse olhar distraído? Suas pálpebras pareciam tão pesadas que mal conseguiam se manter abertas, ocultando quase completamente os olhos castanhos nebulosos. Havia um tom vermelho sobre sua face, forte o suficiente para se destacar na pouca luz da sala. Seu corpo talvez lhe parecesse mais leve? Bem, é de se esperar, após ignorar meus conselhos para não beber demais, algo assim iria acontecer, não? Jovens são previsíveis e patéticos. Como podia um adolescente que perturbou todo o campus da universidade cair perante um pouco de álcool? Bom, com toda a certeza guardarei qualquer bobagem que esse pirralho fizer hoje, poderei usar contra ele depois. Mas posso compreender os sentimentos de Danilo, não era todo dia que se gabaritava uma prova dificílima. Ele conseguiu belos resultados desta vez, depois de estudar como um condenado, por isso, após ele beber tanto, o trouxe para o nosso quarto no campus. Eu não bebi nada, é claro, só d
Cretino filho da puta, você acha isso engraçado, não é? Qual diabos é o seu problema? Fingindo se importar, olhando-me como se eu fosse uma miserável desolada... Para o inferno com seu jogo ridículo de manipulação, não me considere um de seus joguetes estúpidos! Eu vejo através da sua máscara, Fabiano, não há nada além de escárnio no seu olhar e nada além de pena no seu sorriso. Você já viu esse cenário tantas vezes, não é? Observando pessoas se quebrarem diante dos seus pés, cada uma com um passado pior, desesperadas para se agarrarem a algo. É do seu feitio apreciar o desastre, assim obtém sua diversão, certo? Deve ser hilário o que vê em sua frente agora, então. Esse projeto miserável de mulher revoltada com o mundo, uma adulta que quase se matou inúmeras vezes para sanar caprichos sentimentais esdrúxulos: eu — em termos simples —, que já tive um grande nome, agora, agarro-me as suas roupas, com o rosto afogado em seu peito, tentando me fazer entender no me
— Eu sou egoísta, não sou? — Não, não é. — Eu me sinto como um egoísta se sentiria... — Está enganado então. — Todos os dias eu pareço ter problemas mais insignificantes... Dar atenção a eles é ser egoísta, certo? — Acho que não. — Mas veja... Ela continua balbuciando coisas sem sentido, verdadeiramente posso dizer que não estava se escutando, talvez só queira ouvir a própria voz e ter respostas para questões pequenas. Tudo bem, eu vou dar atenção a cada sílaba, como sempre. Gabriela encara o teto, fazendo caretas para seus próprios pensamentos, eu a olho atentamente, pois se tornou um passatempo divertido acompanhar suas linhas de raciocínio confusas. Deitados um ao lado do outro, sobre o chão frio do meu quarto, horas se passam, dobradas por divagações simples e superficiais. É