A ponta de seu dedo trilhou lentamente a borda do copo, a unha de cor vermelha se refletia no líquido dourado do recipiente. Com o cotovelo apoiado no balcão e o punho ancorando o queixo, Milena deixou seus olhos vagarem perante os rostos felizes em plena agitação dos amigos que ainda estavam extasiados devido a comemoração recente; pudera, o casamento de Gabriel e Valentina foi uma data memorável, dois lindos jovens apaixonados prontos para iniciar suas vidas como uma família.
Valentina estava deslumbrante e exalando doçura em seu formoso vestido de noiva, tanto que o noivo quase caiu boquiaberto no meio do altar quando ela entrou. Todavia Gabriel não cometeria esse erro; não, aguentar uma avalanche emocional não era nada para alguém notavelmente emocionado por natureza, certo?
Todos pareciam tão felizes naquele dia, tal como agora, na festa noturna feita só para os amigos mais íntimos do casal. “Todos” dito de uma forma generosa, pois, apesar de se culpar por isso, Milena irremediavelmente não conseguia disfarçar a sombra daquela inveja rondando-a desde que a comemoração começou.
Ela pôde aguentar normalmente até agora sem nenhum problema, apoiando Valentina em cada coisa, mas o dia a deixou cansada e se tornou difícil manter um sorriso genuíno no rosto, principalmente vendo-se só naquele assento de bar, na companhia das luzes alaranjadas enquanto os casais dançavam.
Não que Milena fosse o tipo de pessoa que desejaria o mal dos seus amigos, porém vê-los em plena felicidade só a machucava mais. Se ao menos alguém pudesse estar ali com ela, mesmo que apenas estivessem sentados conversando enquanto as horas passavam... Não, o único que ela poderia desejar não estava ali ou perto dali. Ele nem mesmo veio para a cerimônia de casamento de seu melhor amigo, quem dirá para atender aos caprichos de sua... namorada? Milena não sabia dizer...
Roberto não deixava claro o que pensava dela, mesmo que tenha passado a tratá-la com um certo carinho, não lhe permitia se aproximar. Milena tentava tocar no assunto, porém o resultado não mudava. Ele atualmente estava ocupado com sua própria consciência e ela não via maneira de interrompê-lo para tratar dos seus sentimentos negligenciados.
Ele estava por aí, tentando viajando, sempre atarefado demais para voltar; enquanto isso, Milena lamentava-se por sua mente não ter nada para fazer além de mergulhar na melancolia de um copo de espumante.
Ao menos uma coisa era clara: ambos, Roberto e Milena, estavam sozinhos.
Um sorriso amargo pendeu de seus lábios ao conformar-se com essa piada, apanhando o copo negligenciado até então e levando-o até a boca para encerrar tudo com um gole; desceu menos doce do que ela gostaria, lembrava ferrugem.
Todavia, quando já estava pronta para se levantar e ir embora na surdina, alguém entoa seu nome no meio da música eletrônica — o gosto particular e agitado do noivo, Gabriel.
— Milena!
A moça se virou, reconhecendo de cara o timbre animado e cheio de energia de Vinicius. Ele ainda estava com sua camisa verde formal com fechamento lateral, um estilo que Milena não via com frequência, mas que combinava bastante com as feições dele, pelo que podia notar.
— Já está de saída? — perguntou — A festa mal começou, o Gabriel ainda está de pé, vamos comemorar até ele cair bêbado!
Milena lhe deu seu sorriso ensaiado de costume, fingindo um tom de brincadeira para despistar a pergunta:
— Que bom que estão se divertindo, mas não se esqueça do seu problema com bebidas, okay, Vinicius?
— Ah, não precisa se preocupar, não estou bebendo! Meus amigos me fizeram prometer que não beberia nada durante a festa.
Milena não poderia culpar os dois, ela sabia pouco sobre os incidentes em que Vinicius ficou bêbado, mas era sempre combinado com algum desastre. Ainda assim, a moça se permitiu distrair um pouco naquele assunto, afinal, agora que foi encontrada, não poderia simplesmente ir embora sem maiores explicações.
— Nada? Não precisam ser tão extremos com você, um pouquinho não fará mal.
Ela pegou a garrafa transparente transbordando em liquido dourado, era apenas um espumante com um sabor doce e pouco álcool, ou seja, as chances de Vinicius ficar embriagado eram baixas.
— Ah, ma-mas eu prometi e... — ele parecia sem jeito, como um menino apurado para decidir entre uma coisa e outra, porém bastou ver o tom rosado encher os dois pequenos copos que Milena pegou e ele se esqueceu de qualquer promessa para seus companheiros. — Tudo bem, um só não deve fazer mal.
Os dois sentaram-se lado a lado no balcão alto que ficava um pouco afastado da pista de dança, Milena podia ver perfeitamente enquanto Gabriela, sua melhor amiga, dançava junto ao namorado e estava impressionada por Sergio saber dançar.
— Ah! É doce!
Milena olhou para Vinicius, que deu outro gole, este mais corajoso que o primeiro; a moça repensou se aquilo terminaria dando errado, mas o tagarela ao seu lado pareceu bem o bastante para olhar através da máscara dela.
— Você parece um pouco triste hoje, Milena. Aconteceu algo?
— Ah, não, eu estou bem — respondeu, tão rápido quanto puxava um sorriso para os lábios —, só fiquei cansada após toda a cerimônia.
— Se estiver se sentindo mal, poderia descansar um pouco no gazebo ali de trás, vi que tem alguns sofás.
— Não se preocupe, logo vou me animar. — Ela levou seu copo aos lábios e fingiu beber um pouco, mas na verdade só deixou seu batom vermelho mais úmido.
O silêncio recaiu sobre eles, pois desde o começo não havia muito o que conversar, nem clima para isso. Milena não estava bem, continuar bebendo ali enquanto via a alegria alheia parecia um castigo, mas ela sabia que seus amigos não tinham culpa disso, logo, sua raiva e inveja só a faziam se sentir mais medíocre.
Se pelo menos Roberto estivesse ao seu lado agora, talvez ela se sentisse menos abandonada.
Abandonada... Sim, essa era a melhor palavra para definir o que sentia. Ao mesmo tempo em que Roberto não a rejeitou, também não deixou claro o que sentia, talvez seja devido a ele precisar pensar sobre isso durante seu tempo de viagem, afinal Roberto também causou problemas emocionais para Milena. Por isso ela aguardava que ele voltasse para os seus braços, porém e se voltasse para cortar seu coração definitivamente? Mesmo que continuassem amigos, Milena teria esperado esse tempo todo para quê?
Como ela reagiria?
— ...-lena... Milena?
Num estalo, a voz de Vinicius a alcançou no fundo do poço no qual estava se afundando inconscientemente. Milena olhou para ele e este franziu as largas sobrancelhas, confundido.
— Ah, sim? O que foi, Vinicius?
— Você está...? — Em meio a frase dele, ela sentiu um rastro quente marcar sua bochecha direita e logo compreendeu, interrompendo-o.
— Eu estou bem! — sua voz saiu áspera e alta, fazendo o rapaz se sobressaltar, porém, logo depois, Milena apertou os dedos ao redor de seu copo e o virou de uma vez — Eu acho que quero beber um pouco mais, Vinicius. Você me acompanharia?
Esse convite surpreendeu a própria Milena, quem dirá Vinicius, todavia não houve tempo de reflexão; o rapaz ergueu seu copo e a moça serviu mais duas doses a eles.
Assim seguiram por alguns minutos, enquanto a música tocava, mudando às vezes para algo mais brega ou clássico e voltando para o ritmo popular — uma grande confusão. Gabriel e Valentina não se importavam muito, visivelmente, já que dançavam qualquer música de qualquer jeito; a moça parecia uma fada encantada com o vestido violeta mais simples que usava agora, o qual tinha camadas de tecido que chacoalhavam na altura dos joelhos. Seu sorriso era tão radiante que afastava as estrelas.
Via-se a alegria genuína daquele casal, o amor e o carinho, sendo rodeados pelos demais amigos e seus pares, os quais também faiscavam com as mesmas emoções sendo encubadas, amadurecendo lentamente.
— A Gabriela vai se casar ano que vem — disse Milena, virando outro copo —, ela quer que eu a acompanhe para escolher seu vestido na próxima semana.
— Uau, ela também vai se casar? Com quem?
— Com o Sergio, é claro! — ela riu, vendo que Vinicius realmente não sabia das fofocas que passavam entre seus companheiros.
Bem, ele era um rapaz de espírito vibrante, porém sempre foi um pouco ingênuo, além da personalidade respeitosa e cortes. Um homem forte, simpático, gentil e com caráter bondoso; Milena sabia que também seria uma questão de tempo até ele encontrar uma namorada.
Ela seria a única que continuaria a esperar por um príncipe encantado...?
— Pegarei outra bebida.
A moça começou a vasculhar nos armários do bar. Ela não se sentia nenhum pouco embriagada e já estava cansada daqueles muitos pensamentos ruidosos. Era hora de calá-los por algumas horas.
— Milena, tem certeza?
— Preciso de algo mais forte... — Suas mãos trouxeram uma garrafa de base quase arredondada cujo conteúdo reluzia num tom profundo de vermelho.
O rótulo se destacou para ambos: “Cherry”. Milena não perdeu tempo em encher seu copo, porém, antes de prosseguir, virou-se para o rapaz olhando-a com preocupação transbordando da face.
— Não precisa beber comigo se não quiser, Vinicius.
— E se você passar mal?
— Não irei, é só licor de cereja, tudo o que quero é beber um pouco mais e esquecer meus problemas...
Ela só notou o que estava dizendo após deixar escapar. Seus olhos verdes encararam Vinicius, aguardando sua reação e, para a surpresa dela, ele pegou seu copo e estendeu na direção da moça, aguardando um pouco da bebida também.
— Vamos para o gazebo que você falou, quero me afastar dessa música alta.
Vinicius apenas concordou e a jovem agradeceu por isso. Na verdade, ela agradeceu pela presença do rapaz, por ser ele e não outra pessoa barulhenta ou que tentaria fazê-la desabafar a força. Aqueles sentimentos presos em sua garganta não iriam a lugar nenhum, por isso Milena pretendia afogá-los com álcool.
Os goles agora eram mais exigentes, queimando o interior da garganta com seu leve sabor doce e enjoativo, mas agradável. O batom dela ficou na borda do copo enquanto os pensamentos escorriam entre os segundos de silêncio. A brisa noturna estava agradável se comparada ao crescente calor borbulhando por sua pele, que talvez fosse apenas resultado da cota alcoólica transbordando. Milena não se importava, por enquanto, apenas beberia um pouco e amanhã fingiria que nada aconteceu e prosseguiria com sua vida. Ela começaria a trabalhar em tempo integral no hospital logo, logo, ajudando sua professora nas suas operações. Seu sonho era assumir o local algum dia, como agradecimento pelo que aprendeu com ela, então daria o quão duro fosse necessário.
Sim, era melhor focar na sua vida daqui em diante, certo? Ela não precisava se apressar em casar, não precisava passar por todo o processo cansativo de preparar um casamento, não precisava ficar ansiosa, não precisava entrar num altar e olhar para o homem com quem compartiria sua vida... Milena não precisava disso, mas queria, queria tanto que mentir para si mesma se tornou insustentável.
Quando ela começou a chorar, tudo o que Vinicius pôde fazer foi ficar quieto como uma estátua, pois sabia que não era hora de ser curioso. Ele viu a garota beber cada vez mais e mais como se quisesse se perder no gosto doce do álcool para dissipar um pouco a amargura costurada em sua face. Era horrível não poder fazer nada, porém ele verdadeiramente não sabia como poderia ajudar a mulher que ele tanto amava.
Ainda por cima, vê-la daquele jeito era doloroso para ele também.
— Por que ele não está aqui? — ela perguntou para o vento, pois obviamente estava falando sozinha — Por que eu tenho que ficar sozinha para sempre? — Seu choro se tornou mais angustiante conforme as lágrimas rolavam pelo rosto corado. — Por que ninguém me ama?!
— Milena...! — Tornando-se insustentável apenas observar o sofrimento dela, Vinicius a segurou pelos ombros, encarando seus olhos marejados enquanto debatia internamente sobre abrir a boca para ousar uma tentativa de declaração platônica ou se simplesmente deveria ficar quieto e deixá-la desabafar. — E-eu... estou aqui com você! Eu te amo, Milena! Te amo muito! Então, po-por favor, não diga essas coisas sobre si, eu-...
Não houve tempo para que ele terminasse a frase, pois, para Milena cujo coração ansiava uma declaração cheia de inocência e paixão como aquela, as palavras do rapaz foram como uma flecha certeira. E a única forma que ela encontrou de devolver esses sentimentos foi com um beijo com gosto de licor de cereja.
Ao som de alguma música pop que Valentina provavelmente escolhera aleatoriamente, Milena derrubou Vinicius sobre o banco do gazebo onde estavam escondidos, suas bocas ainda conectadas firmemente, mesmo que o rapaz, por pura timidez, não conseguisse fazer nada além de se manter consciente enquanto seu coração acelerava cada vez mais.
Os lábios dela eram exigentes, ou melhor, carentes; eles tinham gosto da bebida forte de antes, mas também de solidão. O rapaz sabia que corresponder aqueles sentimentos confusos causados pela embriaguez não seria uma boa ideia, já que depois Milena provavelmente se arrependeria, porém ele também não estava em seu melhor juízo após beber tanto.
Então, apenas por causa da bebida, estaria tudo bem se entregar aquela carência mutua, não é?
Com um aperto firme, Vinicius agarrou os ombros da garota e a levantou levemente, conseguindo que ambos voltassem a se sentar no banco, encarando-se com lábios e rostos vermelhos. A respiração densa que rodopiava entre eles tinha o cheiro enjoativo de cerejas maduras.
Eles se olharam por alguns segundos confusos sem dizer ou pensar nada, apenas tentando avançar ou retroceder.
— Vo-você... tem certeza disso, Milena? — ele conseguiu perguntar, sua voz tão tremula quanto seu coração.
Milena não estava totalmente bêbada quando tomou a iniciativa, ela apenas deixou-se derreter perante a confissão do homem em sua frente, na falta do homem que ela queria. Parecia cruel agora, entretanto cada vez mais a jovem se perguntava quem ela realmente amava, se era o rapaz que estava ausente durante esse seu torpor emocional ou o rapaz gentil e emotivo que a acolheu nesse momento de fragilidade?
A resposta lhe parecia tão óbvia que ela se sentiu idiota por não ter compreendido tudo antes.
— Vinicius... — A garota olhou em seus olhos, agarrando-se aos seus ombros fortes. —, você me ama mesmo?
— É claro que sim! — Milena só pôde rir daquela afirmação tão certeira, apesar do rubor e da gagueira. — Eu a amo desde o dia em que a conheci, Milena...!
Com um beijo mais intenso, ela o calou novamente, exigindo contanto entre suas línguas, coisa que foi concedida, apensar do próprio Vinicius estar tremendo de nervosismo. Todavia isto não durou muito, pois lentamente o rapaz pareceu se acostumar com o sabor da boca que beijava tão mansamente, acabando por exercer mais pressão sobre os delicados lábios rosados de Milena, a qual não hesitou em correspondê-lo.
Não, ela não estava fazendo aquilo por pena e nem por não ter outra opção, tampouco atribuiria culpa ao álcool amanhã ao acordar do lado desse homem. Agora o coração de Milena parecia mais decidido.
Ela não queria mais Roberto e sim Vinicius.
E quando o amanhã cegasse, ela esperaria acordar nos braços fortes de quem ama para escolher um novo caminho para cruzar ao lado dele.
O gosto levemente apimentado borbulhando ao longo dos lábios, a respiração quente rodopiando entre nós dois, tão penetrante quanto o nosso ritmo cardíaco, o qual se equiparava em total agitação, assim como o céu noturno de fim de ano. Eu senti seus olhos fecharem-se fortemente, os cílios acariciando minha pele corada e febril. Senti gosto de barbecue, o molho que você tanto adora, perdendo apenas para a carne mal passada e cheia de tempero. Senti calor, um calor tão gigantesco que transbordava do meu peito, era diferente de qualquer coisa que já tinha experimentado antes; quase pude afirmar que meu corpo se derreteria naquele instante, escorrendo entre seus dedos e sujando suas roupas, mas, da mesma forma, eu ficaria impregnado em você, nos seus cabelos louros, na sua pele de pêssego, nos seus olhos de safira e no seu sorriso de menino sonhador... Porém outra coisa que senti naquele momento foi medo. Hoje, muitos a
— Eu gosto de você, Vitor. Foi uma frase apenas, poucas sílabas, mas suficientes para interromper a forma como o tempo transcorria. Bem, pelo menos para mim. Eu pisco para a pessoa ao meu lado, olho para cima, para baixo, tento supor se ouvi errado, abro e fecho a boca simultaneamente, tudo isso em um instante rápido. E ele continua me olhando casualmente, seu rosto tão simplório que custo a acreditar na verdade que sua voz carregava. Não, não foi uma piada, Miguel falou sério. E eu ainda estou calado, certo? Tenho que dizer alguma coisa agora, qualquer coisa... Ei, cérebro estúpido, não consegue bolar nada para eu falar? Vamos lá, não posso só ficar quieto com cara de idiota na frente de uma declaração amorosa, posso? Posso? Meu Deus, o que eu digo? — Ehrr... Você... E se eu disser algo errado agora? É mesmo necessário dar
O que há com esse olhar distraído? Suas pálpebras pareciam tão pesadas que mal conseguiam se manter abertas, ocultando quase completamente os olhos castanhos nebulosos. Havia um tom vermelho sobre sua face, forte o suficiente para se destacar na pouca luz da sala. Seu corpo talvez lhe parecesse mais leve? Bem, é de se esperar, após ignorar meus conselhos para não beber demais, algo assim iria acontecer, não? Jovens são previsíveis e patéticos. Como podia um adolescente que perturbou todo o campus da universidade cair perante um pouco de álcool? Bom, com toda a certeza guardarei qualquer bobagem que esse pirralho fizer hoje, poderei usar contra ele depois. Mas posso compreender os sentimentos de Danilo, não era todo dia que se gabaritava uma prova dificílima. Ele conseguiu belos resultados desta vez, depois de estudar como um condenado, por isso, após ele beber tanto, o trouxe para o nosso quarto no campus. Eu não bebi nada, é claro, só d
Cretino filho da puta, você acha isso engraçado, não é? Qual diabos é o seu problema? Fingindo se importar, olhando-me como se eu fosse uma miserável desolada... Para o inferno com seu jogo ridículo de manipulação, não me considere um de seus joguetes estúpidos! Eu vejo através da sua máscara, Fabiano, não há nada além de escárnio no seu olhar e nada além de pena no seu sorriso. Você já viu esse cenário tantas vezes, não é? Observando pessoas se quebrarem diante dos seus pés, cada uma com um passado pior, desesperadas para se agarrarem a algo. É do seu feitio apreciar o desastre, assim obtém sua diversão, certo? Deve ser hilário o que vê em sua frente agora, então. Esse projeto miserável de mulher revoltada com o mundo, uma adulta que quase se matou inúmeras vezes para sanar caprichos sentimentais esdrúxulos: eu — em termos simples —, que já tive um grande nome, agora, agarro-me as suas roupas, com o rosto afogado em seu peito, tentando me fazer entender no me
— Eu sou egoísta, não sou? — Não, não é. — Eu me sinto como um egoísta se sentiria... — Está enganado então. — Todos os dias eu pareço ter problemas mais insignificantes... Dar atenção a eles é ser egoísta, certo? — Acho que não. — Mas veja... Ela continua balbuciando coisas sem sentido, verdadeiramente posso dizer que não estava se escutando, talvez só queira ouvir a própria voz e ter respostas para questões pequenas. Tudo bem, eu vou dar atenção a cada sílaba, como sempre. Gabriela encara o teto, fazendo caretas para seus próprios pensamentos, eu a olho atentamente, pois se tornou um passatempo divertido acompanhar suas linhas de raciocínio confusas. Deitados um ao lado do outro, sobre o chão frio do meu quarto, horas se passam, dobradas por divagações simples e superficiais. É
Quantas horas se passaram desde que comecei a olhar para esses blocos de madeira? Talvez dias, pois, para mim, o tempo é tão significante quanto uma folha que cai de uma árvore qualquer. Acho que vi o céu se colorir de azul, laranja, roxo e preto consecutivamente por intermédio das portas da varanda, então presumo já ter se passado um tempo considerável, porém de nada me adiantou, pois nem uma única fagulha de inspiração surgiu. Antigamente era tão simples para mim criar esculturas com uma vasta gama de materiais, afinal, não é à toa que me consideravam um gênio. Porém, agora, olhar minhas ferramentas enfileirados a minha frente não é o suficiente para me animar. Antes eu adorava a textura da madeira e a variedade notável dos muitos tipos que se pode encontrar por aí, até mesmo o cheiro levemente incômodo da serragem era bem-vindo. Eu me orgulhava de ter sempre as melhores ferramentas e em perfeito estado; claro, era um pouco ciumenta com minhas coisas também,
— Vai sim!— Já disse que não!— Não seja estraga prazeres, essa é sua grande chance de ser notada por algum garoto.— Eu já disse que não tenho interesse nisso!De um lado, estava Mirela, nitidamente emburrada enquanto mastigava alguns palitinhos de queijo, do outro, escancaradamente irritada, Luiza continuava olhando com desprezo as folhas de papel em sua frente, organizadas ao lado de envelopes bonitinhos, adesivos e canetas coloridas.Em plena véspera de Dia dos Namorados, após conseguir fugir várias vezes de Mirela, Luiza acabou ficando sem desculpas e agora estava presa naquela situação. Na verdade, conhecendo a amiga, ela sabia que Mirela realmente só queria companhia, mas exigir que Luiza fizesse uma carta de amor para alguém estava fora de cogitaç&ati
Toda a noite ele estava ali, sentado em frente aquela branquidão, horas perdidas a esmo só observando atentamente um pedaço de linho cru. Nada, nem uma única nesga de criatividade lhe dava as boas-vindas. Por fim, seus olhos começavam a arder, pedindo descanso, mas a mente continuava tentando buscar cenas ou motivos que preenchessem aquela tela como sempre fez com naturalidade. Seu erro era continuar no habitual? Seria bom desenhar apenas alguma banalidade? Florestas? Animais? Pôr do sol? Nada, nada lhe apetecia o paladar, deixando apenas a indigestão de um estômago vazio. E ele vagava, em loop, do quarto à pia do banheiro, do quadro branco ao espelho, do pincel à água gelada; até que seu corpo não soubesse mais outro caminho. Movimentando-se como uma espécie de zumbi, ele só iria parar quando alguém — aquela pessoa — chegasse novamente, igual fazia todas as tardes, também tão robótica quanto o próprio rapaz. Seus