Foi apenas uma vez, nada mais que isso.
A culpa foi minha, certamente, estava sensível e queria esquecer das preocupações o quão rápido possível. Só isso...
Nada mais aconteceu entre nós, a prova disso é que me sinto mal agora, após minha mente se ajeitar de qualquer jeito e a consciência recair numa cama que eu não deveria estar dividindo com outro homem.
Leandro não está aqui — não estava e temo que também não estará aqui amanhã —, sua última mensagem de texto chegou dias atrás e o desconforto e a ansiedade se aglomeravam cada vez mais no meu peito. Ontem, tudo explodiu na minha cara, isso porque, após tanto tempo sozinha, alguém me estendeu palavras afáveis demais para resistir.
A culpa não é dele, seu jeito é este afinal. Sempre tratando todos de forma tão simpática que chega a coagir, dono de um positivismo inumano e de tão grande gentileza que não poderia simplesmente me ignorar e ir embora quando lhe pedi, pois eu já estava em lágrimas como uma tonta.
Roberto não é o tipo de pessoa que abandonaria alguém e, na minha frágil situação, acabei me aproveitando disso.
Agora, eis meu resultado triunfal, sentada de costas para a cabeceira da cama, com um lençol embrulhado ao redor do corpo como se pudesse me esconder o suficiente, olho o rosto ainda mergulhado em sono profundo do Roberto sem realmente ter ideia do que farei quando ele acordar.
Os primeiros raios alaranjados da manhã começam a se esgueirar pela janela e eu só desejo que eles aguardem mais algumas horas, quem sabe até minha consciência pesada aliviar o sermão que está recitando agora? Qualquer resolução para esse problema me parece incrivelmente cruel, não posso apenas pedir para o Roberto esquecer tudo e fingir silêncio absoluto sobre a noite que tivemos — também não acho que essa pessoa sincera demais conseguiria fazer isso —; além do mais, com que cara irei encarar o Leandro a partir de agora?
Meu Deus, que merda eu fiz?
— Só mais sessenta flexões e eu vou parar, prometo...
Acabo deixando um sorriso de canto escapar, é engraçado como o Roberto não muda nem dormindo. Bem, dizer que ele não mudou nada seria um pouco exagerado, afinal, todos nós crescemos, porém ainda consigo ver a mesma inocência e gentileza costuradas em cada fibra do seu semblante.
As sobrancelhas grossas que sempre foram motivos de chacota generalizada continuam ali e tenho minhas dúvidas se algo no mundo conseguiria incomodá-lo ao ponto de ele alterá-las, tal como seu corte de cabelo engraçado que lembra uma tigela de ponta cabeça. Eu sou o oposto, certo? Tudo o que os outros me diziam ser feio em mim foi mudado com o tempo, ou porque queria agradar as expectativas ou simplesmente poupar meu psicológico.
Eu não tenho a força do Roberto, na verdade, pelo visto não tenho nenhum tipo de força de espírito, pois, depois de aguentar tantos anos em um amor platônico, consegui estragar tudo quando as coisas começaram a melhorar.
Isso é hipocrisia? Sinto-me uma completa idiota.
Porém, mais do que tudo, outro sentimento está borbulhando pelas bordas do meu corpo e é exatamente ele que me incomoda tanto... O que é essa sensação? Como uma vitória mal ganha, um final bom, mas inconcreto... É suposto que eu deveria estar arrependida, todavia o que é essa outra emoção?
— Hmm... Bom dia, Marcela...!
Seus olhos escuros se abrem lentamente, tentando focar em mim ao mesmo tempo em que peleja para levantar. O corpo que geralmente fica coberto, agora, está resplandecente na minha frente e o faixo de luz que surge da janela faz a pele dele cintilar em um tom caramelado, ressaltando os detalhes que eu nunca me dei ao luxo de notar durante esses anos. Mas, independentemente da fisionomia escultural, o Roberto ainda sustenta um olhar alegre, jovial, isso até que sua cabeça parece conciliar os arredores, daí em diante, do nariz às orelhas, sua face se torna vermelha-escarlate e ele cobre os olhos com as mãos.
É como um menino, é adorável.
Alguns poucos segundos de silêncio se passam entre nós dois. Acho que eu deveria ser a única a me desculpar, porém pensamentos demais rodeiam minha cabeça no momento.
Eu amo o Leandro, sempre amei. Desde o tempo em que éramos crianças, meu único sonho era que ele reconhecesse meus sentimentos em algum momento. Mas o tempo passou e, embora eu tenha tentado ferrenhamente me agarrar a esse amor, o turbilhão de coisas que aconteceram me fez apenas seguir adiante, insistindo que ainda o amava, é claro, mas... o quanto desse juramento interno era verdade? Nunca me permiti pensar por esse lado, afinal, se o que me manteve de cabeça erguida foi o meu amor pelo Leandro, caso eu o refutasse, o que me sobraria?
E quando tudo se passou e nós finalmente poderíamos ficar juntos, tentei reafirmar meus sentimentos e mantê-los aquecidos dentro do peito, sustentada pela possibilidade de ter a atenção dele por apenas alguns segundos a mais. Ou eu queria só o seu reconhecimento?
Quando Leandro ficava meses sem dar notícias, eu me sentia igual antes, um misto de preocupação e mágoa. Por quê? Supõem-se que, agora, tudo entre nós estivesse mais claro e pudéssemos começar uma vida juntos sem qualquer lembrança do passado...
Quando foi a última vez que o Leandro disse me amar mesmo?
— Marcela... — Quando volto meus olhos para o Roberto, ele está com a cabeça baixa, o rosto o quão sério suas feições lhe permitem, junto ao rubor. Seus punhos, os quais eu geralmente vejo embrulhados por luvas, estão cerrados contra o lençol, cicatrizes aparentes sobre a pele. — Desculpe-me! O que aconteceu entre nós... Bem... pode esquecer se quiser, eu não direi a ninguém, não quero que o Leandro fique chateado com você por um deslize meu...!
Seu deslize? Acho que há um equívoco aqui...
— A culpa não é sua, eu me lembro bem de ontem à noite — digo-lhe, a atenção voltada para qualquer outro lugar que não me feroe com culpa instantânea — Estava me sentindo solitária e arrastei você para esse problema, quem deve se desculpar sou eu, é claro. Não se preocupe com o Leandro, cuidarei disso sem precisar mentir ou te colocar em uma situação embaraçosa. Você não fez nada de errado, afinal...
O que eu estava pensando ontem? Afogar meu ressentimento contra esse amor unilateral em outra pessoa não me ajudaria em nada. Não foi apenas um momento de solidão, minha mente estava sã quando tudo começou. Aqueles beijos quentes que nós compartilhamos, cada movimento daquele corpo escultural, tudo estava bem explicito na minha mente, repassando como um filme no cinema. Eu só queria ter alguém que me colocasse em primeiro lugar pelo menos uma vez, pode parecer puro egoísmo, porém... acho que minhas noções de amor sempre foram um pouco distorcidas, no fim das contas.
— Na-na verdade... talvez a culpa seja minha sim, Marcela...
Agora, quando tomo coragem para encarar o Roberto novamente, já me preparando para refutá-lo mais uma vez — ele é tão persistente e benevolente como sempre —, porém o sentimento que vejo desenhado em seu rosto é algo como um pesar profundo, o suficiente para estragar suas feições gentis. Parece raiva, lembra remorso e dá a sensação de que não pode ser dissipado facilmente.
É igual o que me vem à mente neste momento, mas direcionado a mim mesma.
— Quando vim vê-la ontem, você estava com o mesmo rosto triste que vi várias vezes ao longo do tempo — ele prossegue, como se estivesse cuspindo uma confissão — Era por causa do Leandro, não é? Mesmo que agora não seja mais um como no ensino médio, ele continua te fazendo infeliz sem saber e isso me incomoda. — Seus olhos se concentram nos meus por um momento e posso ver uma débil fagulha de determinação no fundo deles. — Você se culpa por se sentir só? Então tudo bem eu me culpar por nunca ter conseguido dissipar essa solidão, mesmo alegando para mim mesmo que sempre te amei!
Sua frase ecoa entre as paredes do quarto, ressoando dentro da minha cabeça como algo que eu poderia ter dito em algum momento para o Leandro também. Essa reciprocidade entre sentimentos, ainda que destinada a pessoas diferentes, é quase um desfecho catártico para uma história romântica mal contada. O Roberto ainda me ama? Por quê? Nunca fiz nada para correspondê-lo até hoje e ele manteve esse amor guardado em segredo mesmo sabendo que eu gostava de outra pessoa?
Eu amo o Leandro ainda? Por quê? Ele nunca fez nada para me corresponder até hoje e venho mantendo esse amor...
HA! Sem dúvidas é uma história de amor mal contada.
— Está tudo bem se você não me amar, Marcela, mas... — ele envolve minhas mãos entre as suas, mesmo que os calos da sua pele sejam marcantes, ainda consigo distinguir o quanto elas estão tremendo. — Pe-pelo menos seja feliz de verdade! Eu já a perdi para o Leandro, mas ao menos pensei que poderia vê-la sorrir se estivesse com ele. Ainda assim, quando te vejo desamparada por culpa dele, isso me irrita, principalmente porque não posso fazer nada pela pessoa que gosto...!
Quando a onda de sentimentalismo atinge o mais profundo do meu coração, eu abaixo o rosto para tentar deter minhas lágrimas. Roberto é sincero demais, ah... Quem dera eu tivesse essa coragem para confrontar meus sentimentos.
— Eu posso aguentar uma derrota... — Com uma das mãos, ele ergue meu queixo, seu rosto está tão perto do meu que posso ver a mesma maresia refletida em seus olhos, ainda que a determinação que tanto admirei nele por anos também esteja presente. — Mas não posso aguentar vê-la infeliz para sempre... Eu ainda te amo muito, Marcela.
Agora tenho plena certeza de que a noite de ontem foi um erro, mas se apaixonar também faz parte de errar, cometer erros e encará-los, e, pelo que parece, eu tenho experiência nisso. Ainda assim, caso tudo se trate de uma competição na qual meu coração esteja no controle e eu não, acho que não tem problema ter ocorrido um erro na eleição do vencedor até agora.
— Do que está falando? — Mesmo com o rosto molhado de lágrimas, no instante em que meus lábios tocam os dele, eu revivo o gosto da noite de ontem, o mesmo sentimento confortável de estar mergulhada no abraço mais gentil e sincero de todos. E, ao fim, não me sobrou a sensação de derrota que me perseguia sempre que via as costas do Leandro, mas sim a exata emoção satisfatória e calorosa que se reflete no olhar do homem em minha frente. — Você venceu, Roberto.
A ponta de seu dedo trilhou lentamente a borda do copo, a unha de cor vermelha se refletia no líquido dourado do recipiente. Com o cotovelo apoiado no balcão e o punho ancorando o queixo, Milena deixou seus olhos vagarem perante os rostos felizes em plena agitação dos amigos que ainda estavam extasiados devido a comemoração recente; pudera, o casamento de Gabriel e Valentina foi uma data memorável, dois lindos jovens apaixonados prontos para iniciar suas vidas como uma família. Valentina estava deslumbrante e exalando doçura em seu formoso vestido de noiva, tanto que o noivo quase caiu boquiaberto no meio do altar quando ela entrou. Todavia Gabriel não cometeria esse erro; não, aguentar uma avalanche emocional não era nada para alguém notavelmente emocionado por natureza, certo? Todos pareciam tão felizes naquele dia, tal como agora, na festa noturna feita só para os amigos mais íntimos do casal. “Todos” dito de uma forma generosa, pois,
O gosto levemente apimentado borbulhando ao longo dos lábios, a respiração quente rodopiando entre nós dois, tão penetrante quanto o nosso ritmo cardíaco, o qual se equiparava em total agitação, assim como o céu noturno de fim de ano. Eu senti seus olhos fecharem-se fortemente, os cílios acariciando minha pele corada e febril. Senti gosto de barbecue, o molho que você tanto adora, perdendo apenas para a carne mal passada e cheia de tempero. Senti calor, um calor tão gigantesco que transbordava do meu peito, era diferente de qualquer coisa que já tinha experimentado antes; quase pude afirmar que meu corpo se derreteria naquele instante, escorrendo entre seus dedos e sujando suas roupas, mas, da mesma forma, eu ficaria impregnado em você, nos seus cabelos louros, na sua pele de pêssego, nos seus olhos de safira e no seu sorriso de menino sonhador... Porém outra coisa que senti naquele momento foi medo. Hoje, muitos a
— Eu gosto de você, Vitor. Foi uma frase apenas, poucas sílabas, mas suficientes para interromper a forma como o tempo transcorria. Bem, pelo menos para mim. Eu pisco para a pessoa ao meu lado, olho para cima, para baixo, tento supor se ouvi errado, abro e fecho a boca simultaneamente, tudo isso em um instante rápido. E ele continua me olhando casualmente, seu rosto tão simplório que custo a acreditar na verdade que sua voz carregava. Não, não foi uma piada, Miguel falou sério. E eu ainda estou calado, certo? Tenho que dizer alguma coisa agora, qualquer coisa... Ei, cérebro estúpido, não consegue bolar nada para eu falar? Vamos lá, não posso só ficar quieto com cara de idiota na frente de uma declaração amorosa, posso? Posso? Meu Deus, o que eu digo? — Ehrr... Você... E se eu disser algo errado agora? É mesmo necessário dar
O que há com esse olhar distraído? Suas pálpebras pareciam tão pesadas que mal conseguiam se manter abertas, ocultando quase completamente os olhos castanhos nebulosos. Havia um tom vermelho sobre sua face, forte o suficiente para se destacar na pouca luz da sala. Seu corpo talvez lhe parecesse mais leve? Bem, é de se esperar, após ignorar meus conselhos para não beber demais, algo assim iria acontecer, não? Jovens são previsíveis e patéticos. Como podia um adolescente que perturbou todo o campus da universidade cair perante um pouco de álcool? Bom, com toda a certeza guardarei qualquer bobagem que esse pirralho fizer hoje, poderei usar contra ele depois. Mas posso compreender os sentimentos de Danilo, não era todo dia que se gabaritava uma prova dificílima. Ele conseguiu belos resultados desta vez, depois de estudar como um condenado, por isso, após ele beber tanto, o trouxe para o nosso quarto no campus. Eu não bebi nada, é claro, só d
Cretino filho da puta, você acha isso engraçado, não é? Qual diabos é o seu problema? Fingindo se importar, olhando-me como se eu fosse uma miserável desolada... Para o inferno com seu jogo ridículo de manipulação, não me considere um de seus joguetes estúpidos! Eu vejo através da sua máscara, Fabiano, não há nada além de escárnio no seu olhar e nada além de pena no seu sorriso. Você já viu esse cenário tantas vezes, não é? Observando pessoas se quebrarem diante dos seus pés, cada uma com um passado pior, desesperadas para se agarrarem a algo. É do seu feitio apreciar o desastre, assim obtém sua diversão, certo? Deve ser hilário o que vê em sua frente agora, então. Esse projeto miserável de mulher revoltada com o mundo, uma adulta que quase se matou inúmeras vezes para sanar caprichos sentimentais esdrúxulos: eu — em termos simples —, que já tive um grande nome, agora, agarro-me as suas roupas, com o rosto afogado em seu peito, tentando me fazer entender no me
— Eu sou egoísta, não sou? — Não, não é. — Eu me sinto como um egoísta se sentiria... — Está enganado então. — Todos os dias eu pareço ter problemas mais insignificantes... Dar atenção a eles é ser egoísta, certo? — Acho que não. — Mas veja... Ela continua balbuciando coisas sem sentido, verdadeiramente posso dizer que não estava se escutando, talvez só queira ouvir a própria voz e ter respostas para questões pequenas. Tudo bem, eu vou dar atenção a cada sílaba, como sempre. Gabriela encara o teto, fazendo caretas para seus próprios pensamentos, eu a olho atentamente, pois se tornou um passatempo divertido acompanhar suas linhas de raciocínio confusas. Deitados um ao lado do outro, sobre o chão frio do meu quarto, horas se passam, dobradas por divagações simples e superficiais. É
Quantas horas se passaram desde que comecei a olhar para esses blocos de madeira? Talvez dias, pois, para mim, o tempo é tão significante quanto uma folha que cai de uma árvore qualquer. Acho que vi o céu se colorir de azul, laranja, roxo e preto consecutivamente por intermédio das portas da varanda, então presumo já ter se passado um tempo considerável, porém de nada me adiantou, pois nem uma única fagulha de inspiração surgiu. Antigamente era tão simples para mim criar esculturas com uma vasta gama de materiais, afinal, não é à toa que me consideravam um gênio. Porém, agora, olhar minhas ferramentas enfileirados a minha frente não é o suficiente para me animar. Antes eu adorava a textura da madeira e a variedade notável dos muitos tipos que se pode encontrar por aí, até mesmo o cheiro levemente incômodo da serragem era bem-vindo. Eu me orgulhava de ter sempre as melhores ferramentas e em perfeito estado; claro, era um pouco ciumenta com minhas coisas também,
— Vai sim!— Já disse que não!— Não seja estraga prazeres, essa é sua grande chance de ser notada por algum garoto.— Eu já disse que não tenho interesse nisso!De um lado, estava Mirela, nitidamente emburrada enquanto mastigava alguns palitinhos de queijo, do outro, escancaradamente irritada, Luiza continuava olhando com desprezo as folhas de papel em sua frente, organizadas ao lado de envelopes bonitinhos, adesivos e canetas coloridas.Em plena véspera de Dia dos Namorados, após conseguir fugir várias vezes de Mirela, Luiza acabou ficando sem desculpas e agora estava presa naquela situação. Na verdade, conhecendo a amiga, ela sabia que Mirela realmente só queria companhia, mas exigir que Luiza fizesse uma carta de amor para alguém estava fora de cogitaç&ati