Minha pata batia contra a poça de água fria da floresta, os sons de caça estavam cada vez mais altos e próximos. Com o coração disparado, o medo se instalava em meu âmago, o desespero tomava conta. Parei, no absoluto escuro, minha vida era assim, sem poder enxergar, precisei desenvolver meus outros sentidos para sobreviver aos ataques dos lobos de minha própria alcateia.
Farejei o ambiente. Já fui solta naquela fauna por meu pai, que me usava como presa viva para treinar seus guerreiros, aparentemente era a única forma que eu servia para contribuir com a alcateia.
Devido a minha condição de cega, era considerada um fardo para os lobos, ainda mais no momento delicado em que estávamos vivendo com a falta de recursos. Algo do qual foi atribuído a mim, como a renegada da Deusa Lua, minha alcateia julgava-me culpada pela falta de alimento e fome que sofríamos.
Mas eu sabia que isto era apenas uma desculpa do meu Rei e pai que por diversão, às vezes, se juntava à caçada apenas para me acuar e machucar.
— Deusa Lua, eu te imploro, seja meus olhos e minha proteção! — Clamei, erguendo o focinho para o céu em uma súplica — Ou acabe de vez com o meu sofrimento, eu não suporto mais tanta dor...
Um rosnado estrondoso ecoou, sinalizando que haviam localizado meu cheiro. Concentrei-me nos sons que ouvia: o barulho de patas raspando as garras ao chão. Farejando, pude identificar a quantidade de lobos que me caçavam. Eram cinco, um número menor do que da última vez.
A brisa singela acariciou meus pelos, acompanhada de um cheiro adocicado. Instintivamente, segui o aroma, com o focinho colado ao chão e, em tempo em volta, evitando que fosse machucada em alguma queda. Senti, entre as patas, algo pegajoso. Inalando e lambendo, notei ser lama.
— Lua, você não me abandonou... — Sussurrei, rolando sobre a lama fria, camuflando meu cheiro.
— Loba, vamos achá-la. — Rugia um lobo ameaçador.
— Sua vida não vale de nada, presa cega. Pare de jogos e apareça logo! — Brandou outra criatura em um assovio sombrio. — Estamos loucos para brincar com a sua carne.
Rindo, ouvi a voz fina da loba fêmea que os acompanhava:
— Que saco, achei que teríamos um desafio à altura... Por que temos que perder tempo com esta carcaça morta? — Desdenhou Esmeralda, filha do beta.
— Por que ela ainda não está morta? — Gargalhou Vicent, irmão gêmeo de Esmeralda. — Vamos parar de reclamar, precisamos achá-la e arrastá-la de volta para o nosso rei.
— Deveríamos fazer o favor e eliminá-la de uma vez, é só mais uma boca para alimentar! — Rosnou Esmeralda, impaciente.
— A regra da caçada é clara, temos até o anoitecer para localizar a presa cega, levá-la viva ao nosso Alfa. — Dante reforçou. — Além disso, não deixarei que matem minha futura noiva... Ela precisa estar viva, mas não inteira!
— Aí, Dante, por que se importa com isso? Sou uma candidata muito mais digna de seu tempo do que essa loba inútil. — Falou manhosa Esmeralda.
— Ah, minha linda loba, com toda certeza, preciso dela somente para fidelizar o título e ser o sucessor do Alfa, depois disso... — Ouvi o estralar da língua de Dante acompanhado da frieza de suas palavras. — Ela não terá nenhuma serventia. Vou matá-la lentamente e entregar seus restos mortais aos lobos que gostam de roer ossos.
Seu riso era demoníaco. Estremeci e voltei a correr. Eles não podiam me achar. Minhas pernas vacilaram, tremulas, me fazendo tropeçar em algo e cair de focinho no chão, grunhindo de dor.
— Mas nem para se esconder você presta! — Ouvi Esmeralda atrás de mim.
Senti a presença sombria de Dante, seu hálito repulsivo sobre meu focinho.
— Como conseguiu irritar tanto a Deusa a ponto dela te punir como uma aberração? — Ele disse, abocanhando em cima do meu pescoço e rasgando minha carne com suas presas. — Nem mesmo o seu gosto é bom!
Cuspindo, Dante me lançou contra uma árvore. Arfei com dificuldade para respirar, sentindo os pulmões encherem de sangue e as costelas se quebrarem.
— Por favor... — Choraminguei, mas implorar os excitava mais.
— Além de cega, é muda? Fale mais alto, lixo! — Esmeralda fincou as garras em minhas costas quando tentei me levantar, rugi em desespero com a dor dilacerante. — Isto, é assim que se faz.
— Por favor... — Voltei a falar com dificuldade, ofegante com a boca carregada com o gosto de sangue e o cheiro de ferrugem me nauseando.
— O que foi, criatura repulsiva? Irá implorar por sua vida? — Zombou Zeek, um dos lobos que me caçava.
— Não... — Rosnei firme entre soluços, deixando as lágrimas lavarem meus pelos. — Por favor, me matem!
Os lobos ficaram em silêncio, talvez em choque com o meu pedido. Seus passos pesados ecoavam pelo ambiente, sua aura poderosa e maligna era sentida à distância. Rugindo estrondoso, farejei os caçadores se curvando. Mesmo diante da dor e sofrimento, me forcei a fazer o mesmo... As punições do rei Lycan eram piores do que a morte, tão cruéis quanto suas caças. Meu pai era um verdadeiro sádico!
— Optando pela saída mais fácil, Callie? — Ele brandou em desgosto. — Ao menos tentou se esconder ou lutar?
Agarrando meu pescoço, notei que o Alfa vinha em sua forma de lobisomem, sufocando-me com suas enormes garras.
— Me perdoe, pai... — Sussurrei, tentando respirar.
Deferindo um soco em meu focinho, fui lançada com força ao chão, suas patas pressionando minha cabeça contra a fauna fria, esmagando meu crânio.
— Nunca mais me chame de pai, eu não tenho prole amaldiçoada, loba desagradável! — Hunter rugiu em minha orelha, mordendo a ponta e arrancando um pedaço.
Gritei em desespero.
— Me mate, eu suplico! — Funguei, sentindo o sangue escorrer por entre minhas presas, perdendo os sentidos.
Arrancando-me do chão, pelos do meu corpo começaram a ser arrancados, as garras brincando por minha pele lupina, causando cortes profundos.
— Vou te punir até não sobrar mais nada de seu couro, por ter feito a Deusa amaldiçoar nossa família dessa forma, loba cega! — A promessa carregada de ódio de Hunter fez um último tremor percorrer minha espinha até que, enfim, perdi a consciência.
Acordava de tempos em tempos, sendo arrastada pela floresta adentro, batendo em cada pedra e raiz, desejando que a cada caçada fosse meu último dia de vida. Em minha mente, clamei à Deidade Lua:
— Vossa Deusa, não sei que mal fiz para merecer tamanho castigo. Imploro por seu perdão, mesmo que não seja merecedora de sua benevolência. Eu suplico, me liberte deste destino cruel, leve minha vida e prometo que minha alma a servirá por toda a eternidade!
Uma corrente forte de vento rodopiou nossos corpos, acariciando meus pelos ensanguentados.
— Não tema, minha criança, em breve o prometido ressurgirá... — A voz Divina dizia.
— O prometido? Não, eu não desejo mais viver neste mundo com estas condições.
Cedi à dor e ao cansaço, apagando de vez.
O cheiro do sangue era tão forte que parecia palpável no ar, misturando-se aos gritos intensos que ecoavam por toda a alcateia. Rosnados seguidos de rugidos aumentavam a sensação de caos:— Estamos sendo atacados! — Gritou alguém ao longe.Olhei para minhas mãos, tocando meu rosto assustada. Puxei alguns fios de cabelo para frente e vi as pontas roxas. Uma visão que me deixou perplexa.— Minha Deusa, eu estou enxergando? — Olhei ao redor, vendo vários lobos caídos. Era uma carnificina. Não muito longe, avistei meu pai se aproximando em sua forma de lobisomem. Ele tirou a mão do local ferido, onde deveria estar o coração, havia um enorme buraco. Ele se arrastou até ficar a centímetros do meu rosto, pousando sobre meu pescoço.— Tudo isso é culpa sua, da maldição que você carrega! — Rosnando fraco, Hunter me encarava com extremo ódio. — Vou levá-la junto comigo.Apertando com mais força, encarei a barriga do meu pai e vi uma mão atravessá-la próximo ao meu corpo. Algo em suas costas cha
— O que? Por que eu faria isso? — Orion perguntou inquieto. — Teve outra visão? Algo ruim está para acontecer, não está?— Não sei com clareza, mas preciso que você esteja seguro... Por favor, eu insisto que saia da alcateia hoje! — Supliquei, mesmo sem poder enxergar, senti que ele ponderava. — Orion?— Está bem..., Mas e você? — Suspirando, senti que ele se erguia.— Ficarei bem, apenas se mantenha seguro, você é como um irmão para mim. — Esforcei um sorriso.— Irmão... — Rosnou o ômega contra o gosto. — Acho bom estar viva quando eu retornar à alcateia!— Farei o meu melhor!Senti que ele havia saído. Em uma prece, clamei à Deusa:— Por favor, proteja o meu amigo e irmão de coração.Cedi novamente à exaustão dos ferimentos e despertei em minha escuridão com um forte chute em minha barriga. Gemi desesperada, sentindo as lágrimas se acumularem, e farejando a nuance dos cheiros, percebi de alguém conhecido que estava presente e furioso.— Maldita, me deixou mal na frente do Alfa hoje!
— Levante-se e corra... — Outra corrente de vento se fez presente, ecoando a voz da Deidade em minha mente.— Eu não consigo, não suporto mais... — Respondi mentalmente.— LEVANTE-SE! — A ventania se tornou mais intensa como um redemoinho, e a rajada empurrou Hunter, tirando-o de cima de mim.Comecei a me arrastar floresta adentro em uma tentativa desesperada de agradar à Deusa Lua antes de morrer e ter minha alma perdoada por qualquer coisa que tenha feito.— Você não vai fugir, presa! — O Alfa brandou, fincando as garras em minhas patas traseiras.Gemi, grunhindo e ainda tentando me arrastar, deixando um rastro de sangue e lágrimas, até que bati a cabeça em algo. Farejando, o aroma que guiava meu caminho estava à minha frente, seu cheiro mesclava-se ao predatório e assassino. Tremi ainda mais, seria mais um predador que brincaria com a minha vida?O chão vibrava diante de seu poder, e até as nuances de pressão de poder alteraram, emanando uma áurea que, mesmo sem poder enxergar, era
— Ele sofreu? — Respondi rapidamente e com firmeza, almejando que aquele maldito tivesse sentido a pior dor imaginável.— Sou conhecido por minha impiedade, loba... Não ouviu os gritos de desespero de seu pai? — Notei um leve tom divertido na voz do lobo misterioso.— O que ouvi foi pouco perto do que aquele monstro já me fez, ele não era meu pai! — Rosnei irritada, sentindo a fraqueza se instalar e cedendo o corpo ao chão, mas não antes de desejar saber. — Ele sofreu?— Magnificamente muito! — A vibração mudou, farejei, notando que ele se agachou à minha frente. — Agora, o que farei com você?— Mate-a, meu rei, uma loba cega não tem serventia para nossa alcateia. Não precisamos de um peso morto! — O odor repulsivo de um lobo chamou minha atenção em sua direção.— Cale-se, Beta! — A voz empoderada do lobisomem era temível, até minha loba queria curvar-se a ele em respeito e temor. — Onde estávamos?— Lobo negro, seu beta tem razão... Ceife minha vida e livre o mundo de minha presença
Ri sombriamente, atravessando sua barriga com as mãos e rasgando suas entranhas. O maldito seguia guiado pelo ódio até a criatura ferida ao chão, onde agarrou seus ombros, culpando-a por toda sua maldição. Um verdadeiro covarde!Parei às suas costas, predatório, olhando diretamente para a loba, que notei ser cega. Os rumores eram verdadeiros; este lobo era desprezível e repulsivo. Tirei minhas garras de sua barriga, atravessando a carne de seu peito e arrancando o coração pulsante, apertando cada vez mais até suas batidas diminuírem e o órgão estourar em minhas mãos. Hunter sucumbiu, deslizando o corpo sobre a loba frágil até ceder em seus pés!A imagem, mesmo que borrada, se desenhava em meio à escuridão. Senti minha mente retornar ao ambiente onde estávamos e encarei surpreso a loba que havia amparado em meus braços lupinos.— O que foi isso? — Sussurrei surpreso, avaliando que aquela criatura tinha algo a mais além de sua fraqueza e deficiência. — Deusa, o que espera com tudo isso?
— Sou Ryan, pequena loba. — O timbre de sua voz era suave e genuíno, algo raro nos cheiros. Apenas em minha mãe e Orion havia sentido esses aromas.Apaguei por completo, encontrando-me diante de um riacho de águas cristalinas onde carpas saltavam tentando subir a cachoeira violenta.— Veja só, apesar de a força da água ser muito maior do que a dos peixes, e a correnteza determinar o fluxo de seus caminhos, as carpas insistem em lutar contra em busca de seus próprios destinos, — uma voz angelical ecoou atrás de mim.Virei, surpresa ao constatar que não havia ninguém ali. Voltei a fitar a água, surpreendendo-me com o reflexo. Cenas se desenrolavam, revelando a imagem de um homem com uma aura de poder e beleza, possuindo uma fisionomia marcante e um porte físico impressionante. Seus traços eram esculpidos, com um maxilar forte e olhos expressivos que transmitiam determinação e intensidade. Seu cabelo, talvez escuro e espesso, caía com uma selvageria controlada sobre sua testa, adicionand
POV: AARONUm sussurro ao longe chamou minha atenção para um ponto da sala durante a reunião com meus lacaios, onde elaborávamos um plano de ataque às outras alcateias. Sentia os olhos pousados sobre mim, o medo palpável, as incertezas e a necessidade de proteção. Meu lobo rugia em meu peito, rasgando-me por dentro com um instinto impulsivo de correr em direção à loba cega e ficar ao seu lado.— Rei Lycan? — Chamou o Beta, olhando para o ponto onde eu fixei meu olhar. — Está tudo bem?Rosnei, fazendo a mesa estremecer e todos os lobos se encolherem, abaixando suas cabeças.— Tracem um bom plano, apresentem-me seus motivos para atacar a alcateia; não estou certo sobre este. — Apontei no mapa, sentindo um alarde do meu lobo.— Para onde o senhor vai? — Indagou Jaxon.Rugir, fazendo-o ceder alguns passos, agachando-se em sua forma humana em reverência.— Perdoe-me, meu rei... — Ele sussurrou entre as presas.Saí do local a passos largos, Kemilly vinha em minha direção com um largo sorris
— Venha, loba, daremos um passeio! — Inclinei a cabeça para o doutor, que tirou seus acessos. Peguei-a no colo, ela se remexia nervosa. Notei que suas orelhas se moviam em vários sentidos, junto com o focinho que farejava sem parar. Talvez esse fosse o seu jeito singelo de enxergar através de outros sentidos.— Você vai me matar? — Ela sussurrou, tremula.— Se eu fosse, o que faria? — Respondi seco, avaliando suas reações.— Sorrirei diante do meu destino, mas não antes de lhe implorar para que seja algo rápido, quase indolor... — Pegando-me de surpresa, seu focinho pousou em meu pescoço, descarregando ondas de choque por todo meu corpo.— Qual é o seu nome, loba?— Meu nome? — Erguendo a cabeça, seus pelos fizeram meu nariz coçar. Mexi-me, e ela pareceu notar, abaixando a cabeça novamente. — Perdão, eu não quis incomodá-lo...— Você tem um nome, não tem? Ou devo chamá-la de cega? Tola? Loba? — Rosnei impaciente. — Pare de pedir perdão, é irritante!— Perdão... — Limpando a garganta,