O cheiro do sangue era tão forte que parecia palpável no ar, misturando-se aos gritos intensos que ecoavam por toda a alcateia. Rosnados seguidos de rugidos aumentavam a sensação de caos:
— Estamos sendo atacados! — Gritou alguém ao longe.
Olhei para minhas mãos, tocando meu rosto assustada. Puxei alguns fios de cabelo para frente e vi as pontas roxas. Uma visão que me deixou perplexa.
— Minha Deusa, eu estou enxergando? — Olhei ao redor, vendo vários lobos caídos. Era uma carnificina. Não muito longe, avistei meu pai se aproximando em sua forma de lobisomem. Ele tirou a mão do local ferido, onde deveria estar o coração, havia um enorme buraco. Ele se arrastou até ficar a centímetros do meu rosto, pousando sobre meu pescoço.
— Tudo isso é culpa sua, da maldição que você carrega! — Rosnando fraco, Hunter me encarava com extremo ódio. — Vou levá-la junto comigo.
Apertando com mais força, encarei a barriga do meu pai e vi uma mão atravessá-la próximo ao meu corpo. Algo em suas costas chamou minha atenção, tremi, arregalando os olhos ao ver um enorme lobisomem negro de olhos amarelos sorrir com deleite pela vitória.
— Quem é você? — Sussurrei, impactada com a cena à minha frente.
Tirando o braço das entranhas de Hunter, a fera puxou meu pai para trás, rasgando mais de sua carne e decapitando-o, jogando a cabeça sobre os ombros peludos, onde o vermelho se mesclava com os tons negros.
— Seu novo destino! — A voz empoderada carregava uma enorme pressão de poder, tremendo o chão ao nosso redor.
Um ruído chamou minha atenção. Ao me mexer, gemi de dor, percebendo que havia despertado de uma visão direto para meu pesadelo.
— Quem está aí? — Perguntei, com medo de ser atacada novamente.
— Shiuu, fale baixo Callie... Sou eu! — A voz masculina disse.
Farejei o ambiente, reconhecendo quem estava comigo. Era meu amigo, talvez o único que realmente se importava comigo, já que sofria nas mãos da nossa alcateia.
— Orion, é você? — Indaguei, precisando confirmar, estava muito fraca devido às lesões internas. Mesmo em minha forma lupina, não conseguia cicatrizar rapidamente devido ao pouco tempo entre uma tortura e outra.
— Sou eu, pequena... — Um soluço escapou, sentindo o aroma salgado pairando no ar enquanto ele suspirava. — Droga, o que fizeram com você?
— Ei, você está chorando? — Me esforcei para levantar, em vão, a dor era demasiada.
— Não se esforce, vou passar um creme de ervas em suas feridas e iodo... — Orion explicou.
— Não faça isso, vão descobrir que alguém me ajudou... Podem descobrir que você esteve aqui, sabem o que fariam com você? — Rosnei, contendo o grito que se entalava na garganta quando senti algo gelado encostar em uma das feridas. — Por favor, me deixe morrer e fuja deste lugar!
— Acha mesmo que um Ômega como eu sobreviveria como lobo errante? — Com a voz embargada de tristeza, Orion rosnou de volta. — Aqui é um inferno, mas ao menos tenho você para tornar meus dias melhores.
— Como consegue ser tão tolo? — Abaixei mais o focinho voltando a deitar. — Como pode ter empatia por uma loba amaldiçoada?
— Eu não escolhi nascer ômega, assim como você não escolheu nascer sem visão... Não somos amaldiçoados, apenas somos, injustiçados! — Ele continuou passando ervas em todas as minhas feridas e limpando partes do meu pelo de forma gentil. — Me perdoe por não ter forças o suficiente para salvá-la deste monstro.
— Aiii... — Gemi com a dor antes de prosseguir — Você é um ótimo amigo, Orion, mas quero que me prometa que nunca mais irá se arriscar a vir aqui cuidar de mim, entendeu?
Busquei em volta sentir sua presença fraca, suspirando, senti uma carícia em meus pelos.
— Não posso prometer isto... — Ele suspirou. — Eu não consigo saber que não está bem, você sabe que eu te....
— Ora, ora, o que temos aqui? Dois pombinhos? — Dante rosnava com repúdio. — Que cena mais patética, o que faz aqui ômega insignificante?
— Senhor... — Senti a vibração do corpo de Orion mudar, o calor de seu corpo curva-se. — Eu vim...
— Limpar minhas fezes, Dante... Apesar de ser um lixo, você sabe que Alfa detesta odores de sujeira. — Tomei a frente, farejando em sua direção. — A menos que meu digníssimo noivo se proponha a fazer isto.
— Que nojo! — Ele gritou, rugindo. — Chega a ser uma ofensa ter que me unir com uma criatura como você que me dá náuseas, só para tirar o fardo do nosso rei e poder assumir o trono.
— Dante, o que faz aqui? — O rugido estrondoso de meu pai eriçou meus pelos lupinos, o cheiro dos lobos a minha volta mudou para medo e pavor.
— Meu rei... — Dante disse, ouvi sua leve reverência. — Vim apenas verificar se minha futura prometida precisava ir ao hospital.
— E quem te deu permissão para isso? — Brandou o rei Lycan. — Até parece que gastarei recursos tecnológicos com esta criatura indesejável.
— Perdão, meu Alfa, isso não irá mais se repetir. — Dizia Dante com a voz embargada.
Orion fingia limpar os cantos da cela enquanto eu vivia acorrentada como um verdadeiro animal, dormindo sobre meus dejetos; privada de alimento e higiene básica. Apenas era banhada quando tinha mais um treinamento, onde eu seria a presa caçada pela minha alcateia, pois precisava estar com cheiro singelo para dificultar minha localização.
— Ômega, ela fede a sangue impuro... Jogue água nesta vira-lata antes que minha ira recaia sobre você! — Rugiu o Alfa saindo do local.
— Tiveram sorte dessa vez... — Ameaçou Dante, seus passos se afastando da cela.
— Droga, essa foi por pouco... — Disse Orion com a voz trêmula.
— Você brinca com a sorte, faça logo o que meu pai ordenou antes que sua paciência acabe e ele volte aqui para nos punir! — Engoli o nó em minha garganta, receando ser ainda mais ferida.
— Acabei de passar as pomadas de ervas em você, jogar água não fará efeito. — Explicou meu amigo.
— Isso não importa, sou loba, esta alcateia aceitando ou não. Logo estarei recuperada. — Suspirei, sabendo que até mesmo para o lobo mais forte, isso seria impossível sem tratamento médico adequado. — Ande, jogue logo a água.
— Mas está fria... — Balbuciou triste Orion.
— Orion, agora! — Rosnei enfurecida, não querendo que meu único amigo fosse torturado por minha culpa.
Orion me lavou, tentando ser cuidadoso, mas até o mais singelo toque me fazia contorcer de dor, grunhindo. A todo momento, o ômega se desculpava, e ao finalizar, chamei sua atenção.
— Preciso que me prometa uma coisa, é importante. — Mantive o tom firme, sentindo as mãos dele acariciarem meus pelos lupinos, os escovando com os dedos.
— Não vou deixar de cuidar de você... — Ele respondeu triste. — Não me importo com as torturas.
— Deveria, você não tem noção da dor... Morrer é uma benção! — Falei cabisbaixa. — Preciso que você saia da alcateia e fuja para o mais longe possível.
— O que? Por que eu faria isso? — Orion perguntou inquieto. — Teve outra visão? Algo ruim está para acontecer, não está?— Não sei com clareza, mas preciso que você esteja seguro... Por favor, eu insisto que saia da alcateia hoje! — Supliquei, mesmo sem poder enxergar, senti que ele ponderava. — Orion?— Está bem..., Mas e você? — Suspirando, senti que ele se erguia.— Ficarei bem, apenas se mantenha seguro, você é como um irmão para mim. — Esforcei um sorriso.— Irmão... — Rosnou o ômega contra o gosto. — Acho bom estar viva quando eu retornar à alcateia!— Farei o meu melhor!Senti que ele havia saído. Em uma prece, clamei à Deusa:— Por favor, proteja o meu amigo e irmão de coração.Cedi novamente à exaustão dos ferimentos e despertei em minha escuridão com um forte chute em minha barriga. Gemi desesperada, sentindo as lágrimas se acumularem, e farejando a nuance dos cheiros, percebi de alguém conhecido que estava presente e furioso.— Maldita, me deixou mal na frente do Alfa hoje!
— Levante-se e corra... — Outra corrente de vento se fez presente, ecoando a voz da Deidade em minha mente.— Eu não consigo, não suporto mais... — Respondi mentalmente.— LEVANTE-SE! — A ventania se tornou mais intensa como um redemoinho, e a rajada empurrou Hunter, tirando-o de cima de mim.Comecei a me arrastar floresta adentro em uma tentativa desesperada de agradar à Deusa Lua antes de morrer e ter minha alma perdoada por qualquer coisa que tenha feito.— Você não vai fugir, presa! — O Alfa brandou, fincando as garras em minhas patas traseiras.Gemi, grunhindo e ainda tentando me arrastar, deixando um rastro de sangue e lágrimas, até que bati a cabeça em algo. Farejando, o aroma que guiava meu caminho estava à minha frente, seu cheiro mesclava-se ao predatório e assassino. Tremi ainda mais, seria mais um predador que brincaria com a minha vida?O chão vibrava diante de seu poder, e até as nuances de pressão de poder alteraram, emanando uma áurea que, mesmo sem poder enxergar, era
— Ele sofreu? — Respondi rapidamente e com firmeza, almejando que aquele maldito tivesse sentido a pior dor imaginável.— Sou conhecido por minha impiedade, loba... Não ouviu os gritos de desespero de seu pai? — Notei um leve tom divertido na voz do lobo misterioso.— O que ouvi foi pouco perto do que aquele monstro já me fez, ele não era meu pai! — Rosnei irritada, sentindo a fraqueza se instalar e cedendo o corpo ao chão, mas não antes de desejar saber. — Ele sofreu?— Magnificamente muito! — A vibração mudou, farejei, notando que ele se agachou à minha frente. — Agora, o que farei com você?— Mate-a, meu rei, uma loba cega não tem serventia para nossa alcateia. Não precisamos de um peso morto! — O odor repulsivo de um lobo chamou minha atenção em sua direção.— Cale-se, Beta! — A voz empoderada do lobisomem era temível, até minha loba queria curvar-se a ele em respeito e temor. — Onde estávamos?— Lobo negro, seu beta tem razão... Ceife minha vida e livre o mundo de minha presença
Ri sombriamente, atravessando sua barriga com as mãos e rasgando suas entranhas. O maldito seguia guiado pelo ódio até a criatura ferida ao chão, onde agarrou seus ombros, culpando-a por toda sua maldição. Um verdadeiro covarde!Parei às suas costas, predatório, olhando diretamente para a loba, que notei ser cega. Os rumores eram verdadeiros; este lobo era desprezível e repulsivo. Tirei minhas garras de sua barriga, atravessando a carne de seu peito e arrancando o coração pulsante, apertando cada vez mais até suas batidas diminuírem e o órgão estourar em minhas mãos. Hunter sucumbiu, deslizando o corpo sobre a loba frágil até ceder em seus pés!A imagem, mesmo que borrada, se desenhava em meio à escuridão. Senti minha mente retornar ao ambiente onde estávamos e encarei surpreso a loba que havia amparado em meus braços lupinos.— O que foi isso? — Sussurrei surpreso, avaliando que aquela criatura tinha algo a mais além de sua fraqueza e deficiência. — Deusa, o que espera com tudo isso?
— Sou Ryan, pequena loba. — O timbre de sua voz era suave e genuíno, algo raro nos cheiros. Apenas em minha mãe e Orion havia sentido esses aromas.Apaguei por completo, encontrando-me diante de um riacho de águas cristalinas onde carpas saltavam tentando subir a cachoeira violenta.— Veja só, apesar de a força da água ser muito maior do que a dos peixes, e a correnteza determinar o fluxo de seus caminhos, as carpas insistem em lutar contra em busca de seus próprios destinos, — uma voz angelical ecoou atrás de mim.Virei, surpresa ao constatar que não havia ninguém ali. Voltei a fitar a água, surpreendendo-me com o reflexo. Cenas se desenrolavam, revelando a imagem de um homem com uma aura de poder e beleza, possuindo uma fisionomia marcante e um porte físico impressionante. Seus traços eram esculpidos, com um maxilar forte e olhos expressivos que transmitiam determinação e intensidade. Seu cabelo, talvez escuro e espesso, caía com uma selvageria controlada sobre sua testa, adicionand
POV: AARONUm sussurro ao longe chamou minha atenção para um ponto da sala durante a reunião com meus lacaios, onde elaborávamos um plano de ataque às outras alcateias. Sentia os olhos pousados sobre mim, o medo palpável, as incertezas e a necessidade de proteção. Meu lobo rugia em meu peito, rasgando-me por dentro com um instinto impulsivo de correr em direção à loba cega e ficar ao seu lado.— Rei Lycan? — Chamou o Beta, olhando para o ponto onde eu fixei meu olhar. — Está tudo bem?Rosnei, fazendo a mesa estremecer e todos os lobos se encolherem, abaixando suas cabeças.— Tracem um bom plano, apresentem-me seus motivos para atacar a alcateia; não estou certo sobre este. — Apontei no mapa, sentindo um alarde do meu lobo.— Para onde o senhor vai? — Indagou Jaxon.Rugir, fazendo-o ceder alguns passos, agachando-se em sua forma humana em reverência.— Perdoe-me, meu rei... — Ele sussurrou entre as presas.Saí do local a passos largos, Kemilly vinha em minha direção com um largo sorris
— Venha, loba, daremos um passeio! — Inclinei a cabeça para o doutor, que tirou seus acessos. Peguei-a no colo, ela se remexia nervosa. Notei que suas orelhas se moviam em vários sentidos, junto com o focinho que farejava sem parar. Talvez esse fosse o seu jeito singelo de enxergar através de outros sentidos.— Você vai me matar? — Ela sussurrou, tremula.— Se eu fosse, o que faria? — Respondi seco, avaliando suas reações.— Sorrirei diante do meu destino, mas não antes de lhe implorar para que seja algo rápido, quase indolor... — Pegando-me de surpresa, seu focinho pousou em meu pescoço, descarregando ondas de choque por todo meu corpo.— Qual é o seu nome, loba?— Meu nome? — Erguendo a cabeça, seus pelos fizeram meu nariz coçar. Mexi-me, e ela pareceu notar, abaixando a cabeça novamente. — Perdão, eu não quis incomodá-lo...— Você tem um nome, não tem? Ou devo chamá-la de cega? Tola? Loba? — Rosnei impaciente. — Pare de pedir perdão, é irritante!— Perdão... — Limpando a garganta,
POV: CALLIECogitei em fugir, conhecia aos arredores e tinha isto como vantagem... Anos sendo caçada como uma presa ajudaram a treinar meus instintos de sobrevivência, meu olfato era meus olhos e cada árvore daquela floresta eu recordava bem o cheiro.Minha mãe era uma loba sábia, Hunter havia capturado de outra cidade, não sei com precisão de qual alcateia que ela pertencia... Em um momento de fúria do meu pai, ao rasgar minha carne em uma de suas caçadas e arremessar-me contra uma rocha, o ouvir rugir:— Eu achei que com o sangue raro da Lyra teria filhotes como descentes fortes, mas não, a Deusa resolveu nos punir e derramar sobre nós uma maldição graças a você... Desgraça da alcateia! — Brandou ele arrancando com as presas um pedaço do meu coro da barriga.— Eu não sei se você está divagando ou bolando um plano de fuga. — A voz de Aaron me trouxe de volta ao momento.— Eu.... — Murmurei, engolindo o nó na garganta incerta sobre o quanto deveria falar. — Não sei te explicar como fi