Amber
A primeira coisa que senti foi dor. Uma dor lancinante que parecia partir minha cabeça ao meio. Tentei abrir os olhos, mas as pálpebras pesavam como chumbo. Um bipe constante ecoava ao meu lado, ritmado com as batidas do meu coração.
"Ela está acordando," uma voz feminina soou distante. "Chame o doutor Hans."
Forcei novamente meus olhos, conseguindo abri-los dessa vez. A luz branca e forte me fez fechá-los imediatamente. Tentei erguer a mão para proteger meu rosto, mas algo me impedia. Senti o puxão de agulhas e tubos em meu braço.
"Calma, querida. Não se mexa muito," a mesma voz, agora mais próxima. "Você está no hospital."
Hospital? Por quê? Tentei falar, mas minha garganta estava seca demais. Um gemido rouco foi tudo que consegui emitir.
"Aqui, tome um pouco de água." Um canudo tocou meus lábios e bebi devagar, sentindo o líquido gelado aliviar o desconforto. Abri os olhos novamente, dessa vez mais preparada para a claridade.
Uma enfermeira de meia idade sorria gentilmente para mim. Atrás dela, aparelhos médicos piscavam e apitavam. Meu braço direito estava engessado e vários fios saíam do meu corpo.
"O que..." minha voz saiu rouca, "o que aconteceu?"
"Você sofreu um acidente, mas vai ficar tudo bem." Ela ajustou algo no soro. "O médico já está vindo te examinar."
Acidente? Que acidente? Tentei me lembrar, mas era como se uma névoa densa cobrisse minha mente. Quanto mais eu tentava alcançar as memórias, mais elas pareciam fugir.
"Que dia é hoje?" perguntei, sentindo um início de pânico.
"Primeiro de novembro."
"De que ano?"
A enfermeira hesitou por um momento. "2021."
2021? Isso fazia sentido? Por que eu não conseguia ter certeza?
"Como é seu nome, querida?" ela perguntou suavemente.
Abri a boca para responder e... nada. O pânico cresceu. Meu nome. Qual era meu nome? Por que eu não conseguia me lembrar do meu próprio nome?
O monitor cardíaco começou a bipar mais rápido. Minha respiração acelerou.
"Eu não... eu não sei." As lágrimas começaram a escorrer. "Por que eu não sei meu nome?"
"Está tudo bem, é normal ficar confusa depois de um trauma." A enfermeira segurou minha mão. "O doutor vai explicar tudo."
Olhei em volta do quarto procurando algo familiar. Nada. Nem mesmo as roupas dobradas sobre a poltrona me diziam algo.
"Tem alguém... tem alguém me procurando?" perguntei, tentando encontrar alguma conexão com minha vida.
"Ainda não, querida. Você estava sem documentos quando chegou."
Sem documentos. Sem nome. Sem memórias. O que tinha acontecido comigo?
A porta se abriu e um médico entrou, seguido por outros dois homens de jaleco. "Bem-vinda de volta," ele sorriu, consultando uma prancheta. "Sou o doutor Hans. Você nos deu um susto e tanto."
"Por que não consigo me lembrar de nada?"
"Você sofreu um traumatismo craniano severo. É comum haver perda de memória nesses casos." Ele se aproximou, iluminando meus olhos com uma pequena lanterna. "Vamos fazer alguns exames para avaliar a extensão do dano."
As perguntas começaram. Que dia era hoje? Quem sou eu? Onde eu estou? Algumas eu conseguia responder, outras não faziam o menor sentido. Era como se parte do meu cérebro funcionasse perfeitamente, enquanto outra estava completamente apagada.
"Parece ser um caso de amnésia dissociativa," o médico explicou depois dos testes. "Você mantém suas memórias gerais, conhecimentos básicos, mas perdeu suas memórias pessoais."
"Isso... isso é permanente?"
"Cada caso é único. As memórias podem voltar aos poucos, ou..."
A porta se abriu novamente. Um homem alto, de terno escuro e cabelos perfeitamente alinhados entrou apressado.
"Graças a Deus você acordou!" Ele veio até minha cama, seus olhos brilhando de preocupação. "Estava tão preocupado."
Olhei para o médico, confusa. O homem percebeu minha hesitação e seu rosto ficou sério.
"Amber, sou eu, Peter." Ele segurou minha mão entre as suas. "Não se lembra de mim?"
Peter? O nome não significava nada. Puxei minha mão de volta, assustada.
"Desculpe, ela está com amnésia," o médico explicou. "Não se lembra nem mesmo do próprio nome."
"Oh, meu amor." Peter se sentou na beira da cama. "Sou seu namorado. Estava te procurando a dias. Nunca imaginei que poderia ter sofrido um acidente."
Namorado? Eu tinha um namorado?
"Como... como me encontrou?"
"Reconheci sua foto no sistema de pessoas desaparecidas." Ele sorriu gentilmente. "Vim assim que soube."
Estudei seu rosto procurando algo familiar. Nada. Mas ele sabia meu nome. Sabia quem eu era.
"Meu nome é Amber?"
"Sim, Amber Kane." Ele acariciou minha mão. "E eu vou cuidar de você, prometo. Vou te ajudar a lembrar de tudo."
Kane. Amber Kane. O nome soava estranho, como se pertencesse a outra pessoa. Mas era tudo que eu tinha naquele momento.
"Tem mais alguém?" perguntei esperançosa. "Meus pais?"
Uma sombra passou pelo rosto de Peter. "Seus pais faleceram há alguns anos. Éramos só nós dois."
O vazio em meu peito aumentou. Sozinha. Eu estava sozinha no mundo, exceto por este homem que dizia ser meu namorado.
"Descanse agora," ele beijou minha testa. "Estarei aqui quando acordar."
"Preciso que nos tire algumas dúvidas, para que eu passe o caso dela para o senhor. Foram 3 dias desacordadas, acredito que..."
"Sim, claro. Eu mesmo dei queixa na polícia sobre o desaparecimento dela. Eu trouxe todos os documentos, doutor." Ele me olhou de novo e desviei o olhar, com medo do que podia encontrar ali.
Minha cabeça latejava, enquanto a enfermeira aplicava algo em meu soro. Olhei novamente para o homem e ele sorriu para mim, de forma atenciosa, mesmo prestando atenção no médico.
"Descanse agora querida, seu namorado irá resolver tudo. Você não está mais sozinha."
Fechei os olhos, exausta. Em algum lugar, enterrado no fundo da minha mente, algo gritava que havia algo errado. Mas eu estava confusa demais, assustada demais para ouvir.
Naquele momento, Peter era minha única conexão com quem eu era. Minha única chance de recuperar minha vida.
Peter"Ela acordou, senhor Calton." A voz no telefone era baixa, discreta. "Ainda está confusa, como previsto."Desliguei o celular e olhei para os documentos espalhados em minha mesa. Três dias. Foram necessários apenas três dias para criar uma vida inteira para Amber Kane - certidão de nascimento, histórico escolar, fotos de família cuidadosamente manipuladas.A tecnologia pode fazer milagres nas mãos certas."Tudo pronto?" perguntei ao homem sentado à minha frente."Sim, Calton. Os registros médicos foram alterados. Segundo o sistema, ela deu entrada sem documentos. Todo o incidente foi apagado.""E quanto à investigação do acidente?""Sob controle. A placa era falsa, como ordenado. Sem câmeras funcionando no local. Sem testemunhas dispostas a falar." Ele hesitou. "Mas...""Mas?""Não conseguimos apagar as câmeras do hotel. Por mais que tentássemos, a segurança continua inviolável. E Martinucci viu a ambulância partir."Meus dedos tamborilaram na mesa. Leonardo. Claro que ele estar
Amber"Não, não e não! Esse vestido está horrível," Peter arrancou o vestido verde de minhas mãos. "É o evento mais importante do ano, não pode usar qualquer coisa."Observei através do espelho enquanto ele revirava meu guarda-roupa, jogando peças no chão com desdém. Em três anos, era a primeira vez que me levaria a um evento social."Aqui," ele jogou um vestido dourado na cama. "Use este. E pelo amor de Deus, faça algo com esse cabelo." Olhei para meu cabelo preto na altura dos ombros, que pareciam rebeldes demais."Peter, as crianças...""Já falei com a babá. Ela ficará a noite toda," ele checou o relógio pela terceira vez em cinco minutos. "Não me faça me arrepender de te levar, Amber. É o Baile Anual de Caridade do Setor Hoteleiro, todos os grandes nomes estarão lá. Ou quase..." eu não entendi o que ele quis dizer com isso, mas não iria perguntar. Sabia que ele não responderia.Mordi o lábio, pegando o vestido. Era lindo, tinha que admitir. O tecido cintilante parecia líquido entr
Leonardo"Ouvi dizer que Peter Calton trouxe uma acompanhante," Martina comentou, ajustando seu vestido vermelho. "Dizem que é sua noiva."Ignorei o comentário, como fazia com a maioria das coisas que ela dizia. Meus olhos percorriam o salão automaticamente, avaliando cada rosto, cada contrato em potencial. Era isso que eu deveria estar fazendo, networking, política, jogos de poder. Não pensando em Calton, meu principal concorrente."Que bom para ele. Estava na hora." ela riu sem graça, tentando chamar minha atenção, mas eu não queria saber dela."Léo, não vai me convidar para conhecer alguns de seus fornecedores?" ela me olhou interessada."E por que eu faria isso?" falei sério a encarando."Pare de me tratar assim , Martinucci. Eu sei que ainda está bravo, mas já passou." ela fala, e sinto o ódio subir em minha garganta."Se acha que vou aparecer naquele casamento, está completamente errada. Temos um acordo, e isso não faz parte dele." ela riu, alisando meu terno, e me olhando com g
Amber"Por favor, está me machucando." Minhas costas pressionadas contra a parede começavam a doer, mas o homem não se afastou. Seus olhos, tão parecidos com os de meus filhos, queimavam de ódio.A sala VIP do Plaza Royal, que momentos antes me pareceu elegante com sua decoração em dourado e vermelho, agora mais parecia uma prisão. O segurança, Magnus, como o outro o chamara, bloqueava a única saída."Você não entende," tentei novamente, lutando contra as lágrimas. "Eu realmente não sei quem vocês são. Se me deixarem ligar para o meu noivo...""Noivo?" O homem riu, um som frio que me fez tremer. "Ainda não terminou sua atuação? Quer continuar fingindo que não se lembra de nada?"Tentei me desvencilhar, mas ele era muito mais forte. O perfume dele, uma mistura de hortelã com algo amadeirado, me deixava tonta, despertando sensações que eu não compreendia.A porta se abriu e outro homem entrou apressadamente. Aproveitei a distração para tentar correr, mas não fui rápida o suficiente. Mag
AmberA primeira sensação foi de desorientação. Minha cabeça latejava e minha boca estava seca, com um gosto amargo. Tentei abrir os olhos, mas as pálpebras pesavam como chumbo."Ela está acordando," ouvi uma voz masculina dizer. Magnus, reconheci.Forcei meus olhos a se abrirem e pisquei várias vezes, tentando focar minha visão. O ambiente era amplo e elegante, decorado em tons de cinza e azul. Uma suíte, percebi, maior que qualquer quarto que já tinha visto. E ainda assim... familiar."Onde..." minha voz saiu rouca. "Onde estou?""Em um lugar que você conhece bem," a voz dele respondeu de algum lugar à minha direita.Me sentei lentamente, segurando a cabeça que ainda girava. Estava deitada em uma cama king size, ainda usando o vestido dourado da festa, agora amarrotado. O perfume dos lençóis, um toque de lavanda, despertou algo em minha memória, mas a lembrança nunca vinha completa."Por favor," tentei me levantar, mas minhas pernas tremiam. "Preciso voltar para festa. Peter deve es
LeonardoAndei de um lado a outro enquanto ela descobria sua história."Acha mesmo que é verdade o que ela diz?" Magnus me questionou."Não sei. Espero qualquer coisa dessa mulher." parei e me virei para ele. "Ainda assim, procure por Amber Kane e veja o que descobre. Procure também entender como Peter entrou nessa história. Não acredito que seja por acaso." Ele concordou, puxando o celular e começando a digitar.Voltei para o quarto depois de 15 minutos a encontrando sentada no chão, com várias fotos e relatos espalhados a sua volta."Eu não me lembro de nada disso." sua voz soou firme."Percebo que não. Mas eu posso te ajudar com isso, se você me devolver o que roubou."Ela se levantou e me aproximei perigosamente dela. Por mais que eu negasse, meu corpo ainda a desejava e em um movimento rápido, a puxei pela nuca, a trazendo bem perto do meu corpo."Eu só quero as minhas informações de volta, Amber...e pelo que eu vejo, você quer sua vida. É uma troca justa." Sua boca se moveu sedu
AmberMinhas mãos tremiam enquanto colocava os brincos. Pareciam normais, elegantes até, mas carregavam o peso da minha nova prisão. Deslizei o celular para dentro da bolsa, tentando escondê-lo entre o estojo de maquiagem e a carteira."Quando eu mandar mensagem, você responde em no máximo cinco minutos," Leonardo falou sem tirar os olhos do próprio celular. "Se demorar mais que isso, considerarei uma quebra do acordo."O silêncio que seguiu era sufocante. O som dos dedos dele deslizando pela tela do celular parecia ensurdecedor no espaço confinado do carro."Que horas são?" perguntei de repente, um novo tipo de pânico me atingindo."Quase meia-noite," ele respondeu sem me olhar. "Ficamos fora por pouco mais de uma hora.""Uma hora?" Minhas mãos voaram para o rosto. "Não, não, não..."Abri a bolsa freneticamente, procurando um lenço. O rímel devia estar todo borrado, minha maquiagem arruinada. Peter odiava quando eu não estava impecável. Odiava quando eu desaparecia.Uma risada seca m
AmberO motor do carro roncou quando Peter pisou no acelerador. Me encolhi contra a porta, sentindo o cheiro de uísque em seu hálito, ele devia ter bebido após meu "desaparecimento". Minhas mãos tremiam tanto que as prendi entre os joelhos, tentando disfarçar.As luzes da cidade passavam em borrões pela janela enquanto ele dirigia em silêncio. Era sempre assim antes de suas explosões, primeiro o silêncio sufocante, depois..."Onde você estava?" Sua voz cortou o ar, baixa e controlada. Perigosa."Já disse," engoli em seco, rezando silenciosamente para que Leonardo tivesse pensado em tudo, "estava na enfermaria. Pode checar se quiser, eu-"O carro freou bruscamente no semáforo, me jogando para frente. Peter virou-se em minha direção, seus olhos brilhando de uma forma que eu conhecia bem demais."Você realmente," ele alcançou meu rosto, seus dedos apertando meu queixo com força, "acha que eu sou idiota?""Peter, você está me machucando," tentei me soltar, mas ele apenas apertou mais."Ma