Peter
"Ela acordou, senhor Calton." A voz no telefone era baixa, discreta. "Ainda está confusa, como previsto."
Desliguei o celular e olhei para os documentos espalhados em minha mesa. Três dias. Foram necessários apenas três dias para criar uma vida inteira para Amber Kane - certidão de nascimento, histórico escolar, fotos de família cuidadosamente manipuladas.
A tecnologia pode fazer milagres nas mãos certas.
"Tudo pronto?" perguntei ao homem sentado à minha frente.
"Sim, Calton. Os registros médicos foram alterados. Segundo o sistema, ela deu entrada sem documentos. Todo o incidente foi apagado."
"E quanto à investigação do acidente?"
"Sob controle. A placa era falsa, como ordenado. Sem câmeras funcionando no local. Sem testemunhas dispostas a falar." Ele hesitou. "Mas..."
"Mas?"
"Não conseguimos apagar as câmeras do hotel. Por mais que tentássemos, a segurança continua inviolável. E Martinucci viu a ambulância partir."
Meus dedos tamborilaram na mesa. Leonardo. Claro que ele estaria lá. Seu precioso hotel, sua preciosa... funcionária.
"Não importa. Ele não pode provar nada." Me levantei, ajustando o terno. "E logo ela será apenas uma memória distante."
Peguei a pasta com os documentos e as fotos que mandei preparar. Imagens dela com "os pais", na verdade, funcionários antigos da empresa que já haviam falecido. Fotos dela na suposta casa onde cresceu, a pequena casa dos fundos da minha propriedade, que mandei mobiliar às pressas.
"O médico foi instruído?"
"Sim. Dirá apenas o necessário. Amnésia dissociativa é conveniente, explica a falta de memórias sem levantar muitas questões."
Perfeito. Tudo estava saindo como planejado. Bem, quase tudo. O acidente deveria tê-la matado, não apenas apagado sua memória. Mas talvez isso fosse ainda melhor.
"E quanto aos arquivos da MGroup?"
"Ainda criptografados. Nem mesmo nossa melhor equipe conseguiu quebrá-los."
Claro que não. Amber não era a melhor à toa. Seus códigos eram praticamente inquebráveis. Era por isso que a queria morta inicialmente. Mas agora... agora eu tinha algo melhor. Tinha ela.
"Continuem tentado, sem ela na direção, as coisas vão começar a fraquejar."
"Talvez agora seja a hora de tentar subornar algum funcionário do departamento de segurança. Sem a diretora, eles irão cair rapidamente, e logo teremos o controle interno da empresa." Meu sócio falou.
"Ainda não. Se atacarmos agora, Leonardo vai desconfiar e logo chegará até mim. Preciso de tempo para arrancar cada detalhe da mulher. Cada mínima informação que ela me trouxer, será um dia mais próximo da ruína de Leonardo."
"Acha que isso será o suficiente?" Owen questionou.
"Depois da manchete do jornal, onde ele perdeu um contrato de 30 milhões, não tenho dúvidas, que outras quebras de contrato virão. Como descobrimos Amber não era apenas a Diretora, mas também a amante de Leonardo, quando ela se lembrar de tudo, ficará com tanta raiva que nos ajudará de boa vontade."
"É um plano arriscado, mas pode dar certo, Peter."
"Não pode, vai. Porque se não der, eu a mato, como era o plano inicial, e nunca ninguém nos ligará a ela." Meu sócio se levantou e fiz o mesmo.
"Faça o que tiver que ser feito, mas não deixe rastros. Se me perguntarem, nunca soube de nada disso." ele saiu da sala e sorri, ironicamente. No meu bolso um gravador registrava cada traço de nossa conversa. "Se eu cair, você cai, Owen."
Saí de minha sala e me virei para minha secretária.
"Mande preparar o carro imediatamente. Estou de saída."
No elevador, ensaiei minha expressão. Preocupação, alívio, amor, tudo precisava parecer genuíno. Amber podia estar sem memória, mas seu instinto ainda estava lá. Ela era esperta demais para baixar a guarda facilmente.
"A primeira impressão é crucial," murmurei para meu reflexo no espelho do elevador. "Seja o salvador, não o predador."
No carro, revisei mentalmente cada detalhe da história que criamos. Cada momento precisava ser consistente, cada informação precisava se encaixar perfeitamente. Uma única falha e todo o plano desmoronaria.
"Quanto tempo até o hospital?"
"Quinze minutos, senhor."
Tempo suficiente para uma última revisão. Abri a pasta novamente, estudando cada documento. A história era simples: seus pais trabalharam para minha família por anos. Quando morreram, a acolhemos. Nos apaixonamos. Éramos felizes até o acidente.
Simples. Claro. Acreditável.
O celular vibrou. Uma mensagem de texto: "Martinucci está furioso. Está vasculhando cada canto da cidade atrás da mulher."
Sorri. Que tente. Não encontrará nada. Em algumas horas, Amber Bayer deixará oficialmente de existir. Apenas Amber Kane permanecerá - minha Amber Kane.
O carro parou em frente ao hospital.
"Senhor?" O motorista me olhou pelo retrovisor. "Chegamos."
"Ótimo." Ajeitei a gravata uma última vez. "Hora do show."
Caminhei pelos corredores do hospital com a expressão estudada de preocupação. Cada passo me aproximava mais do meu objetivo. Cada movimento era calculado.
Parei em frente ao quarto dela, respirei fundo. Era hora de conhecer minha "namorada".
"Graças a Deus você acordou!"
O resto, como dizem, é história. Uma história que eu mesmo escrevi, linha por linha, mentira por mentira.
Observei-a adormecer, o medicamento que pedi à enfermeira para administrar fazendo efeito rapidamente. Toquei seu cabelo vermelho. Não que não combinasse com ela, mas era chamativo e evidente demais, teria que mudar.
"Durma bem, meu amor." Sussurrei, um sorriso frio nos lábios. "Quando acordar, começaremos sua nova vida. A vida que eu escolhi para você."
Saí do quarto para encontrar o médico. Havia ainda muitos detalhes a acertar, muitos rastros a apagar e dinheiro a pagar.
Mas ela era minha agora. E em breve, muito em breve, usaria seus talentos para destruir Leonardo Martinucci de uma vez por todas.
Amber"Não, não e não! Esse vestido está horrível," Peter arrancou o vestido verde de minhas mãos. "É o evento mais importante do ano, não pode usar qualquer coisa."Observei através do espelho enquanto ele revirava meu guarda-roupa, jogando peças no chão com desdém. Em três anos, era a primeira vez que me levaria a um evento social."Aqui," ele jogou um vestido dourado na cama. "Use este. E pelo amor de Deus, faça algo com esse cabelo." Olhei para meu cabelo preto na altura dos ombros, que pareciam rebeldes demais."Peter, as crianças...""Já falei com a babá. Ela ficará a noite toda," ele checou o relógio pela terceira vez em cinco minutos. "Não me faça me arrepender de te levar, Amber. É o Baile Anual de Caridade do Setor Hoteleiro, todos os grandes nomes estarão lá. Ou quase..." eu não entendi o que ele quis dizer com isso, mas não iria perguntar. Sabia que ele não responderia.Mordi o lábio, pegando o vestido. Era lindo, tinha que admitir. O tecido cintilante parecia líquido entr
Leonardo"Ouvi dizer que Peter Calton trouxe uma acompanhante," Martina comentou, ajustando seu vestido vermelho. "Dizem que é sua noiva."Ignorei o comentário, como fazia com a maioria das coisas que ela dizia. Meus olhos percorriam o salão automaticamente, avaliando cada rosto, cada contrato em potencial. Era isso que eu deveria estar fazendo, networking, política, jogos de poder. Não pensando em Calton, meu principal concorrente."Que bom para ele. Estava na hora." ela riu sem graça, tentando chamar minha atenção, mas eu não queria saber dela."Léo, não vai me convidar para conhecer alguns de seus fornecedores?" ela me olhou interessada."E por que eu faria isso?" falei sério a encarando."Pare de me tratar assim , Martinucci. Eu sei que ainda está bravo, mas já passou." ela fala, e sinto o ódio subir em minha garganta."Se acha que vou aparecer naquele casamento, está completamente errada. Temos um acordo, e isso não faz parte dele." ela riu, alisando meu terno, e me olhando com g
Amber"Por favor, está me machucando." Minhas costas pressionadas contra a parede começavam a doer, mas o homem não se afastou. Seus olhos, tão parecidos com os de meus filhos, queimavam de ódio.A sala VIP do Plaza Royal, que momentos antes me pareceu elegante com sua decoração em dourado e vermelho, agora mais parecia uma prisão. O segurança, Magnus, como o outro o chamara, bloqueava a única saída."Você não entende," tentei novamente, lutando contra as lágrimas. "Eu realmente não sei quem vocês são. Se me deixarem ligar para o meu noivo...""Noivo?" O homem riu, um som frio que me fez tremer. "Ainda não terminou sua atuação? Quer continuar fingindo que não se lembra de nada?"Tentei me desvencilhar, mas ele era muito mais forte. O perfume dele, uma mistura de hortelã com algo amadeirado, me deixava tonta, despertando sensações que eu não compreendia.A porta se abriu e outro homem entrou apressadamente. Aproveitei a distração para tentar correr, mas não fui rápida o suficiente. Mag
AmberA primeira sensação foi de desorientação. Minha cabeça latejava e minha boca estava seca, com um gosto amargo. Tentei abrir os olhos, mas as pálpebras pesavam como chumbo."Ela está acordando," ouvi uma voz masculina dizer. Magnus, reconheci.Forcei meus olhos a se abrirem e pisquei várias vezes, tentando focar minha visão. O ambiente era amplo e elegante, decorado em tons de cinza e azul. Uma suíte, percebi, maior que qualquer quarto que já tinha visto. E ainda assim... familiar."Onde..." minha voz saiu rouca. "Onde estou?""Em um lugar que você conhece bem," a voz dele respondeu de algum lugar à minha direita.Me sentei lentamente, segurando a cabeça que ainda girava. Estava deitada em uma cama king size, ainda usando o vestido dourado da festa, agora amarrotado. O perfume dos lençóis, um toque de lavanda, despertou algo em minha memória, mas a lembrança nunca vinha completa."Por favor," tentei me levantar, mas minhas pernas tremiam. "Preciso voltar para festa. Peter deve es
LeonardoAndei de um lado a outro enquanto ela descobria sua história."Acha mesmo que é verdade o que ela diz?" Magnus me questionou."Não sei. Espero qualquer coisa dessa mulher." parei e me virei para ele. "Ainda assim, procure por Amber Kane e veja o que descobre. Procure também entender como Peter entrou nessa história. Não acredito que seja por acaso." Ele concordou, puxando o celular e começando a digitar.Voltei para o quarto depois de 15 minutos a encontrando sentada no chão, com várias fotos e relatos espalhados a sua volta."Eu não me lembro de nada disso." sua voz soou firme."Percebo que não. Mas eu posso te ajudar com isso, se você me devolver o que roubou."Ela se levantou e me aproximei perigosamente dela. Por mais que eu negasse, meu corpo ainda a desejava e em um movimento rápido, a puxei pela nuca, a trazendo bem perto do meu corpo."Eu só quero as minhas informações de volta, Amber...e pelo que eu vejo, você quer sua vida. É uma troca justa." Sua boca se moveu sedu
AmberMinhas mãos tremiam enquanto colocava os brincos. Pareciam normais, elegantes até, mas carregavam o peso da minha nova prisão. Deslizei o celular para dentro da bolsa, tentando escondê-lo entre o estojo de maquiagem e a carteira."Quando eu mandar mensagem, você responde em no máximo cinco minutos," Leonardo falou sem tirar os olhos do próprio celular. "Se demorar mais que isso, considerarei uma quebra do acordo."O silêncio que seguiu era sufocante. O som dos dedos dele deslizando pela tela do celular parecia ensurdecedor no espaço confinado do carro."Que horas são?" perguntei de repente, um novo tipo de pânico me atingindo."Quase meia-noite," ele respondeu sem me olhar. "Ficamos fora por pouco mais de uma hora.""Uma hora?" Minhas mãos voaram para o rosto. "Não, não, não..."Abri a bolsa freneticamente, procurando um lenço. O rímel devia estar todo borrado, minha maquiagem arruinada. Peter odiava quando eu não estava impecável. Odiava quando eu desaparecia.Uma risada seca m
AmberO motor do carro roncou quando Peter pisou no acelerador. Me encolhi contra a porta, sentindo o cheiro de uísque em seu hálito, ele devia ter bebido após meu "desaparecimento". Minhas mãos tremiam tanto que as prendi entre os joelhos, tentando disfarçar.As luzes da cidade passavam em borrões pela janela enquanto ele dirigia em silêncio. Era sempre assim antes de suas explosões, primeiro o silêncio sufocante, depois..."Onde você estava?" Sua voz cortou o ar, baixa e controlada. Perigosa."Já disse," engoli em seco, rezando silenciosamente para que Leonardo tivesse pensado em tudo, "estava na enfermaria. Pode checar se quiser, eu-"O carro freou bruscamente no semáforo, me jogando para frente. Peter virou-se em minha direção, seus olhos brilhando de uma forma que eu conhecia bem demais."Você realmente," ele alcançou meu rosto, seus dedos apertando meu queixo com força, "acha que eu sou idiota?""Peter, você está me machucando," tentei me soltar, mas ele apenas apertou mais."Ma
AmberCada movimento era uma agonia. Me arrastei pelo corredor, usando a parede como apoio, guiada pelos gritos das crianças. Meu corpo inteiro protestava, mas o medo pelo que Peter poderia fazer era maior que qualquer dor física."FAÇA ESSAS PESTES CALAREM A BOCA!" A voz dele trovejava do quarto dos gêmeos."Senhor, eles só estão assustados," ouvi a babá tentando acalmar a situação. "Se o senhor pudesse...""CALE A BOCA VOCÊ TAMBÉM!"Quando finalmente alcancei a porta do quarto, a cena me gelou o sangue. Louis, meu pequeno príncipe corajoso, caminhava em direção ao pai com os braços estendidos, como sempre fazia quando queria colo."Papai..."O empurrão foi brutal. Meu filho caiu sentado, seus olhos arregalados em choque antes do choro explodir ainda mais forte. Bella se encolheu em seu cantinho, abraçando o ursinho com força.Vi a mão de Peter se erguer, pronta para descer sobre Louis."NÃO!"Não sei de onde tirei forças, mas me joguei entre eles, empurrando Peter com toda energia q