A mesma menina que, dois anos atrás, havia deixado Benguela rumo a Luanda em busca de melhores condições de vida, de terminar o seu estágio de Medicina e, enfim, poder trabalhar como médica como sempre quis, para poder salvar todas as vidas que sofrem pelos mesmos problemas de saúde que matou seu pai.
Lá estava ela diferente, depois do beijo. O cheiro do perfume do jovem, que inalava bem perto das suas narinas, a fez sentir sua vida com mais perplexidade, deixando as cargas amargas que viveu durante dois anos no bordel. E o jovem também se perdeu no perfume que ela usava, só queriam ficar parados se beijando sem se importar com o que estava ao seu redor.
Após aquelas conversas que pareciam doces ao entrarem pelos seus ouvidos nos corredores do hospital — mas que, no fundo, eram amargas, já não tinham espaços na vida dela.
Pela primeira vez, Márcia sentiu-se jovem de novo.
O beijo, repartido entre seus lábios colados, davam a certeza que aquela vida carregada de humiliação estava prestes a terminar…
— Muito obrigado por teres vencido — sussurrou contra seu peito, olhos brilhando de emoção. — Você é a minha salvação, amo você.
O rapaz sorriu, surpreso, deslizando os dedos pelos cabelos dela com um carinho hesitante antes de responder, com inocência contrastando com a escuridão ao redor:
— Eu só queria te conhecer.
Dona Madalena, determinada a lembrar Márcia de sua posição, ordenou às outras meninas que a preparassem para a noite. Mas nem isso conseguiu apagar o brilho sereno em seu rosto.
Algumas observavam com inveja velada; outras, felizes por ela, ajudaram-na com mãos habilidosas e olhares cúmplices. Vestiram Márcia com um vestido rendado, ajustaram seus cabelos em ondas soltas e borrifaram sobre sua pele um perfume doce e envolvente. Pela primeira vez, ela se preparava para alguém que desejava. Pela primeira vez, seu corpo não era uma mercadoria, mas uma escolha.
O quarto estava impecável, com luzes suaves espalhando sombras delicadas pelas paredes.
Velas aromáticas misturavam o cheiro das rosas ao aroma amadeirado do ambiente. A cama, com lençóis de cetim carmesim, convidava ao toque e ao calor.
Helder, recostado contra os travesseiros, esperava em silêncio, sem a impaciência dos outros homens, mas com admiração sincera no olhar.
Quando Márcia entrou, seus passos foram lentos, hesitantes, como quem atravessa a fronteira entre o passado e um futuro incerto. Helder se levantou, tirou o paletó e caminhou até ela. Beijou levemente seus ombros nus e deslizou os dedos por seus cabelos, ajeitando-os com carinho silencioso.
Márcia não esperava tanta modéstia, mas ao observar tamanha calma e delicadeza no rapaz, seu coração ficou mas calmo, ela estava habituada a ser empurrada pelas paredes do quarto, maltratada, com nomes de xingamento durante as noites.
A madrugada chegou quando Helder e Márcia deixaram o bordel, envolvidos num silêncio cúmplice.
O vento morno da cidade acariciava seus rostos enquanto seguiam rumo à Maianga, onde o refúgio era a casa do irmão dele — um lugar que nunca havia significado tanto.Ao chegarem, Helder abriu a porta e, antes que Márcia pudesse entrar, a puxou para si e colou seus lábios aos dela num beijo lento, repleto de promessas.
Dentro da casa, a luz suave iluminava discretamente o ambiente. Ele pegou duas taças de vinho, entregou uma a ela e ergueu a própria em um brinde silencioso.
Márcia sorriu, mordendo levemente o lábio, e deslizou os dedos pelo peito nu de Helder.
— Você me prendeu. — Sua voz saiu rouca, carregada de desejo.
— E você me libertou. — Ela respondeu, os olhos brilhando.Os copos foram esquecidos quando Helder a puxou para seu colo, explorando cada centímetro da pele dela com os lábios.
Márcia arrepiou-se ao toque das mãos dele desenhando caminhos sobre sua cintura, coxas e nuca.
— Você é perigosa... — Ele sussurrou.
— Então me mantenha perto. — Márcia passou os dedos pelo rosto dele, como quem grava cada traço na memória.A noite seguiu entre beijos lentos e toques ávidos. Entre sussurros e gemidos abafados, renderam-se um ao outro, corpos entrelaçados sob o lençol macio.
Antes de fechar os olhos, Márcia deslizou a mão pelo peito de Helder e murmurou:
— Não me deixe acordar sozinha...
— Nunca. — Ele beijou sua testa, segurando-a firme.Márcia ainda estava assustada. Pela primeira vez em sua vida, teve relações sem preservativos, sem xingamentos, na cama. Pela primeira vez, depois de uma transa, foi acarinhada, recebeu uma rosa na orelha antes de acordar e foi beijada com leveza e cuidado.
Depois daquela e mais uma noite, no banheiro, os dois se tocavam com amor e desejo, como se o mundo fosse acabar, enquanto a água quente escorria sobre a pele arrepiada.
Entre beijos profundos e toques urgentes, Helder a segurava como quem temia perdê-la.
— Passei a vida toda procurando alguém como você... — murmurou. — E não aceito que seja tão rápido que vou te perder.
Márcia fechou os olhos, o coração disparado. Passou as mãos pelo rosto dele, querendo eternizar aquele momento.
— Para mim também, lindo rapaz... — sussurrou, mordendo o lábio. — A vida é curta. Obrigada por me fazer perceber que sou linda, que devo me amar… E que não importa meu passado, serei campeã um dia.
Helder segurou seu rosto com delicadeza.
— E eu gostaria muito de estar ao seu lado nesse dia. Sei que fui um bobo por trazer você para casa do meu irmão... Mas enfrento quem for só para ficar contigo. Só não me abandone.
As lágrimas de Márcia se misturaram à água morna do chuveiro. Seu peito apertado entre a felicidade e o medo.
— Estou toda borrifada de lágrimas... vais me fazer chorar mais ainda. — Ela sorriu e encostou a testa na dele. — Só me deixa feliz mais essa noite. Me beija... Para de falar e me faz acreditar que essa noite nunca vai acabar.
Helder roçou os lábios nos dela, selando a promessa:
— Não vai acabar nunca... Fomos feitos um para o outro.
Ao acordar, Márcia levantou-se cedo. Abriu o roupeiro e escolheu uma peça feminina que despertou um leve estranhamento. "Coisas de mulheres por aqui?" murmurou, sentindo-se deslocada. Suspirou, vestiu-se e saiu para correr.
O vento frio da manhã beijava seu rosto, mas nem isso dissipava a inquietação em seu peito. Havia algo estranho no ar, uma tensão que não sabia explicar.
Ao retornar, prestes a abrir a porta, vozes alteradas ecoaram pelo corredor. Márcia parou. O coração disparou ao reconhecer o tom ríspido da discussão. Imaginou, num susto, que fosse Helder e sua namorada brigando.
As palavras cortantes atravessaram o silêncio como lâminas:
— Me solta, seu cão! Achas que podes tratar as mulheres como bem entendes? — A voz de Daniela tremia de indignação. — Estou grávida, e tu me perguntas quem é o pai? Como fui estúpida ao me envolver contigo!
Na mente de Márcia, fluíam perguntas duvidosas. — Quantas garotas ele trás para casa com promessas de amor?
— Calma, Daniela, estás equivocada — respondeu Edson, irmão de Helder, tentando conter a voz. — Senta, bebe um copo de água e vamos conversar como adultos. Tem muita gente a descansar, vê se fecha essa tua boca. Ou esqueceste que foste tu quem abriu as pernas para qualquer homem que apareceu?
Márcia sentiu o chão sumir sob seus pés. O choque foi instantâneo. Cada palavra soava como um tapa em sua dignidade.
As memórias da noite anterior invadiram sua mente, embaralhando tudo. O toque delicado de Helder, o cuidado, os beijos... e agora aquilo.
As lágrimas vieram sem controle, escorrendo quentes, misturadas à vergonha e à desilusão. Queria acreditar que não era Helder, que não podia ser ele envolvido naquela cena. Mas a realidade ardia em sua pele como ferro em brasa.
— Sou apenas uma menina de programa... — murmurou. — Se ele tem coragem de negar um filho, o que fará comigo?
Passaram-se um ano e seis meses desde o misterioso desaparecimento de Márcia, a jovem que despertara em Helder uma paixão intensa e incontrolável. Ele havia se entregado a ela sem reservas, corpo e alma ardendo em um desejo que não se apagou sequer com o amanhecer.Mas quando o sol nasceu naquela manhã, Márcia já não estava. Nenhum bilhete, nenhuma explicação, apenas o vazio e as promessas sussurradas que agora ecoavam em sua mente como uma melodia inacabada.Desde então, Helder vagava por Luanda, arrastado por um misto de esperança e desespero, procurando por ela em cada esquina, em cada sombra, em cada olhar desconhecido.Mas a cidade grande parecia zombar de sua dor, engolindo qualquer vestígio de Márcia sem deixar rastros. O tempo passou, e o que antes era determinação se transformou em exaustão. Será que tudo não passara de uma ilusão? Uma noite intensa e nada mais?Naquela tarde, obrigado pelas ordens irritantes do irmão mais velho, ele seguiu rumo ao distrito urbano da Samba par
Num belo dia, dentro do carro, a sensação gelada do ar-condicionado contrastava com o calor abrasador que dominava a cidade. O trânsito caótico e o engarrafamento incessante tornavam a viagem exaustiva. Depois de enfrentar o trajeto desgastante, Márcia estacionou numa esquina, em frente ao IMS da Maianga, e seguiu a pé pelos corredores do hospital Jorgina Machel (Maria Pia).Até aquele momento, tudo corria bem. O dia estava tranquilo, sem frustrações na Ala de Geriatria. As conversas das novas estagiárias ecoavam pelos corredores, despertando a curiosidade das enfermeiras e de algumas médicas que ali passavam.Márcia respirou fundo, apreciando a calma rara daquele dia. Sentia-se leve, até que seu telemóvel vibrou, trazendo-a de volta à realidade. Uma mensagem de Roger, seu namorado. "Desculpa pela discussão de madrugada."Roger Lopes… Jovem de personalidade forte, ciumento, mas também delicado. Formado em Administração Pública, trabalhava como contabilista financeiro num dos hotéis da
O dia começou já com clima diferente em torno de mistérios e perguntas que apareceram nos momentos errados, sons de pássaros cantando, no cume das arvores que repousavam sobre a varanda do quarto de Helder.Os vidros fixados entre os vãos da porta corrida, não disfarçavam as luzes que invadiam o quarto pela manhã, e um conjunto de cores brilhando sobre o rosto de Márcia que foi traída ao anoitecer pelo calor deitando o chão os lençóis da cama.Ao som barulhento do alarme, Márcia desperta do sono, já despida e sem cueca, tomou um susto entre alma e o corpo, quando percebe que o Helder está dormindo ao seu lado, reagindo com duvidas no seu interior e questionando-se, se por ventura haveria rolado algo, entre eles na noite passada.Márcia apanha o lençol se forra ao mesmo tempo com a mão no rosto, julgando-se.— O que será que eu fiz, Meu Deus! – murmurou entre suspiros aflitos.Admirou uma tantas vezes, seu coração tomou conta da sua mente, quando desesperadamente percebe que o Roger hav
Márcia gozava de um leve sono, já com o sorriso no canto do rosto, como quem teve uma boa noite de sossego, de repente sem animo foi acordada pelo barulho desagradável provocado pelo Roger quando se preparava para ir ao trabalho.Roger ajeitou as cortinas do Quarto de um lado para outro permitindo que a luz do sol e o ar fresco entrassem ao quarto, num tom provocador quando o clima ainda estava fresco.Márcia se escondia debaixo dos lençóis de um jeito como se não tivesse pressa para se levantar da cama, mas de forma desesperada levantou-se, espreguiçando os braços e bochechando de forma serena.Levantou-se da cama, puxando a camisola, que deitava um cheiro de suor acumulado, mas não era assim tão ativo como o perfume que circulava entre os cantos do quarto, nocivo e esbelto. Márcia entrou para o banheiro, de frente ao espelho, escovou os dentes, soltou o cabelo no ritmo da canção que tocava.Sem pressa desceu as escadas, lendo as mensagens que foram enviadas durante a noite, enquanto
O relógio marcava 7:30 da Manhã. O quarto parecia vazio, envolta um silêncio quase palpável tendia se mover sobre o espaço, mas lá vinha o barulho do balão de soro, as gotas pingando lentamente e o ruído da máquina do oxigénio era constante.Entre as laterais do quarto, lá estava Márcia no meio, forrada na cama com um pano branco, a sua cabeça repousava em uma almofada aconchegante, as luzes brancas acesas dificultando a sua visão.Ao seu lado esquerdo havia um armário que sobre ela repousava um vaso com buquê de flores girassol, os aromas espalhados pelo quarto junto com o cheiro áspero do perfume da acompanhante no quarto coligavam de tal forma que era impossível não se apaixonar. No meio daquela energia abstrata, Márcia abriu os olhos, o seu espelhar perdido e estranho deu de cara com um rosto simpático e familiar, naquele instante seu sentido dorido voltou ao lugar levando a se acomodar como se estivesse em sua própria casa.E de repente soou aquela voz baixa bem próximo do seu ou
A manhã fria estava prestes a começar, carregada de energia, enquanto as luzes dos semáforos piscavam incessantemente. O trânsito, caótico como sempre, tornava a travessia ainda mais difícil. Em um piscar de olhos, todos ativaram os para-brisas. A chuva começou a cair com brutalidade, tornando a circulação quase impossível.No pulso de Márcia, o relógio marcava 8h. O clima tornou-se insuportável; a temperatura mudara drasticamente. O que antes era um frio sutil no estômago transformou-se em um calor sufocante. Somente aqueles com o ventilador do carro funcionando corretamente escapariam do desconforto.O transito não facilitava a travessia, Márcia ficava cada vez mais irritada diante aquele cenário que não queria se fechar perante o seu olhar. Passava a mão na cabeça e tornava a voltar no volante. Márcia abriu os olhos e vendo uma oportunidade para sair daquele obstáculo, um automobilista fez uma travessia incorreta deixando Márcia fecha em contramão.A sua irritação fluiu despertando
Chegou mais cedo a sexta-feira santa. O dia começando como sempre, cheio de esperança e harmonia. Uma divina sintonia que combinava com a paz que se movia sobre o quintal de Márcia. O zelador da casa ao lado limpando a piscina por descuido, o senhor tropeçou no jardineiro e acabaram jorrando água no quintal de Márcia.A água jorrava sem parar, se espalhando por todo canto como se fossem gotas de um pequeno sereno causando aqueles ruídos minuciosos, que sem querer despertaram Márcia do sono.Ainda tonta, Márcia abriu os olhos, o quarto estava escuro, mas mesmo assim aquela luzinha vindo de fora atravessava a janela, passando entre as aberturas das cortinas mal fechadas.— Que horas são? Ai, Cadê o relógio e os meus óculos. Perguntou-se a si mesma com uma voz baixa e delicada para não acordar quem já não estava na cama.Olhou a sua volta tentando encontrar um abrigo nos braços de quem passou noite consigo, mas não encontrou nada, apenas sentiu o vazio no colchão, palpando a mão, além do
Márcia acaba de chegar ao Hospital de forma natural, ajustando o vestido de maneira sensual. Ela gostava de atrair olhares no hospital, sentindo-se confiante em cada passo.Chegou ao hospital em passos rápidos, a ligadura havia sido retirada do pé, que facilitava a sua circulação normal envolta do hospital, entrou ao hospital confiante e determinada para vencer. Só não sabia o que lhe aguardava pela frente,Passou pelo departamento de emergência acenando a mão direita para os seus pacientes de Oncologia, com aquele sorriso lindo na ponta dos lábios, ela estava diferente e muito feliz, parecia até que os seus problemas haviam desaparecido.O clima estava tranquilo ao redor do Hospital, sem pressão e sem correria, passando ela entre o corredor de Anestesiologia e pelo corredor que dá acesso a área da dermatologia, arqueando bem o olhar observou estagiários da equipe do Doutor Miguel Lanzote nas macas tirando uma soneca enquanto que os seus estivam a preenchendo prontuários. Doutor Mig