Márcia gozava de um leve sono, já com o sorriso no canto do rosto, como quem teve uma boa noite de sossego, de repente sem animo foi acordada pelo barulho desagradável provocado pelo Roger quando se preparava para ir ao trabalho.
Roger ajeitou as cortinas do Quarto de um lado para outro permitindo que a luz do sol e o ar fresco entrassem ao quarto, num tom provocador quando o clima ainda estava fresco.
Márcia se escondia debaixo dos lençóis de um jeito como se não tivesse pressa para se levantar da cama, mas de forma desesperada levantou-se, espreguiçando os braços e bochechando de forma serena.
Levantou-se da cama, puxando a camisola, que deitava um cheiro de suor acumulado, mas não era assim tão ativo como o perfume que circulava entre os cantos do quarto, nocivo e esbelto. Márcia entrou para o banheiro, de frente ao espelho, escovou os dentes, soltou o cabelo no ritmo da canção que tocava.
Sem pressa desceu as escadas, lendo as mensagens que foram enviadas durante a noite, enquanto seguia para a cozinha preparar o pequeno almoço, arrumou a mesa preparando um banquete ótimo para se.
Roger desceu as escadas de forma lenta e abusada, deu uma olhada no relógio em seu pulso ao mesmo tempo ajeitou a gravata, mantendo o silencio e o quadro de gelo, tomou seu café sem dizer uma só palavra durante o matabicho.
Márcia confusa sem entender o comportamento repentino de Roger, enquanto ele andava as voltas pelos cómodos da casa, mantendo total silencio, afroixou as mangas da camiseta, batendo a chávena de café na bancada da cozinha, como quem tivesse a intenção de partir para chamar a atenção de Roger.
Roger preocupado com o comportamento espontâneo de sua namorada, deu meia volta para ouvi-la se lamentar.
-- Então, Cade o respeito? você não dormiu com uma cabra na cama, e ainda que fosse você tem o dever de alimentar a mesma com capim. – Quer me explicar qual o motivo deste comportamento?
Cruzou os braços em volta da cintura, esperando que o mesmo dissesse alguma coisa, prendeu o cabelo com um dos picos da cozinha, já com o rosto trancado.
Roger de costas, hesitou, dando só ouvido.
Com sentimento duvidoso se perguntou. – Vale a pena discutir isso?
Roger cerrou o pulso. Misturando a irritação ao remorso, querendo quebrar o gelo, acabar com a guerra silenciosa, mas a dor era tanta que ele hesitava, não conseguindo segurar, soltou logo a chamada de atenção.
-- Quer falar do telefonema de ontem?
Esperando resposta, deu meia volta olhando para os olhos de Márcia com rancor e também com medo de ouvir ela falar sobre o telefonema.
Ele se sentia inseguro, não sabia se ia aguentar ouvir novamente o que ele já havia ouvido quando estava por trás da porta., ele só queria que ela se justificasse.
Márcia com um olhar indiscreto, disfarçou com um sorriso maroto, tentando reduzir as duvidas de Roger, cheia de ironia e convicção, olhou bem nos olhos de Roger e disse.
-- Que telefonema? Descruzou os braços levando para o rosto, enquanto, Roger dava as costas e saía de casa
Márcia assutada e com o peito apertado puxou o telefone e ligou imediatamente.
-- Precisamos conversar… – Márcia resmungou, irritada. Mas por que ele não atende? O peito ardia de impaciência. -- Ainda bem que estou de folga." Ele que se prepare... vai aprender que brincar comigo tem preço!
“O Estacionamento da Universidade”
O relógio marcava 13h na Universidade Privada de Angola (UPRA). A saída das aulas transformava a universidade num formigueiro humano—passos apressados, risadas altas, grupos se espalhando pelo pátio. Uns corriam para os táxis, outros ficavam largados pelos bancos, e os mais abusados só observavam.
E então, no meio do caos, ela apareceu.
Márcia não andava. Ela desfilava. Não falava. Cantava.
A saia curta de pano colorido moldava suas ancas como se dançasse com ela. A barriga nua, riscada de tinta branca, reluzia ao sol. Os seios, cobertos apenas pelos traços tribais, subiam e desciam ao ritmo de sua respiração. Na cabeça, uma coroa de serapilheira, como se fosse uma rainha que havia descido de um outro tempo, de um outro mundo.
Mas foi quando ela ergueu a voz num cântico forte e ancestral que o tempo parou.
Os estudantes, que antes corriam, agora estavam estagnados. Uns riam, sem acreditar no que viam. Outros engoliam em seco. Ela parecia uma Mumuila saindo de um ritual sagrado para dominar a cidade.
E enquanto girava, enquanto cantava, enquanto prendia cada olhar em seu feitiço, um pensamento quente e certeiro queimava em sua mente:
"Garoto se prepare. Brincar comigo tem preço”
A entrada da universidade estava um caos. A enchente era tanta que ninguém entrava, ninguém saía. O batuque dos pés misturava-se aos risos exagerados, enquanto Márcia dançava no meio da estrada, provocante, acendendo olhares e inflamando desejos.
E então, ele surgiu.
Rompendo a multidão, com os braços cerrados e o rosto fechado. O ar preso nos pulmões, o olhar cravado nela.
Segurou-lhe a mão, firme, quente. O corpo de Márcia estremeceu, mas seu sorriso não vacilou.
— O que estás a fazer?
O silêncio caiu sobre todos.
— O que é isto, Márcia? Respeita-te! Tu és uma profissional, uma médica! Por que essa cena toda?
Ela riu, um riso curto e malicioso. Inclinou o rosto para ele e provocou:
— Desde quando te devo satisfações? És meu namorado por acaso?
O rapaz respirou fundo, tentando manter a compostura. Márcia estava brincando com ele, e ele sabia disso. Mas não ia recuar. Sem soltar seu pulso, puxou-a para o lado e seguiu em direção ao seu carro. A multidão reagiu com vaias e risadas. Um grupo ainda bateu palmas, lamentando o fim precoce do espetáculo.
Dentro do carro, a tensão entre eles era palpável. Márcia cruzou as pernas, deixando a saia subir ainda mais. O rapaz inseguro desceu do carro e a Márcia o seguiu.
— Queres me dizer agora por que fizeste tudo aquilo? Ou vais fingir que não foi por minha causa? — ele perguntou.
— Eu liguei para te mais cedo, você ignorou a minha chamada. Nós precisamos parar com isso, ou seja, você precisa parar de ligar para mim as madrugadas.
— Agora vais me dizer, que já se aborreceste de ouvir a minha voz. Peça tudo menos ligar para te, agora que estou ficando mais apaixonado por ti.
— Ah meu Deus. Não acredito nisso, ouvir isto prefiro estar numa sala de cirurgia, mais o que te deu? Sorriu depois de uma respiração funda.
Se aproximou dele, colocando sua mão envolta do seu pescoço, segurando os pés entre os dedos, os seios quase tocando o braço dele, disse em sua orelha, eu também estou louca por te, aproveitando a deixa deslizou os dedos pelo colarinho dele e, devagar, desceu até o zíper da calça.
Outra vez o rapaz inseguro, controlando os pulsos, a afastou, dizendo…
— Precisamos ter respeito, estamos num lugar publico. Agora eu não entendo porque não posso ligar se você sente a minha falta?
— O Roger está desconfiando da gente, parece que ele ouviu tudo que a gente falou pelo telefone. Eu coloquei no modo viva voz, as tuas palavras eram doces e ao mesmo tempo amargas. Aquelas palavras invadiam-me a alma, e me deixavam molhada e incapaz de segurar minha libido.
— O rapaz ouvindo o jeito que ela fica quando falam pelo telefone, segurou suas mãos, ajoelhou-se e abraçou seus pés. Márcia o levantou de um jeito provocador.
— Vamos conversar mais tarde, me encontre na Samba — disse o rapaz, sentindo o sangue circulando entre as veias.
Márcia riu de leve, pegou sua coroa e abriu a porta do carro. Antes de sair, virou-se para ele.
— Só saio contigo se me disseres o que rolou na noite passada. — E, inclinando-se mais uma vez, sussurrou: — Sabes onde me encontrar, Helder. Estou indo visitar umas amigas no bordel.
Ele fechou os punhos, frustrado e excitado ao mesmo tempo. Márcia bateu a porta do carro, caminhando com a mesma segurança de quem sabe que dominava a situação. Os estudantes que ainda estavam na entrada da universidade explodiram em palmas e assobios.
Helder passou a mão pelo rosto, balançando a cabeça com um sorriso sarcástico.
— Feliz Março, mulher! — gritou ele. — Estás fofa! Adorei a dança.
Márcia ergueu uma mão, sorriu de canto sem olhar para trás, de forma lenta, enviou uma mensagem curta para o Helder e seguiu seu caminho.
Helder suspirou lendo a mensagem e passou a mão ao cabelo. — Essa história estava longe de terminar. Até breve, Helder.
“Residência de Márcia”
Já se fazia tarde, o sol desfalecendo e a escuridão renascendo, as luzes em cima apagadas e as de baixo acesas, tudo estava tão calmo, Márcia ao telefone nas conversas típicas das jovens de Angola, fofoca rolando, enquanto o batom marron passava nos lábios.
— Não atrase então médica dos meus sonhos, disse uma das amigas ao telefone.
— Eu não tenho as vossas vidas garotas, chau me deixem se prepara à-vontade, sonsas!
Márcia estava linda, pronta para sair, com um vestido branco cobrindo as ombreiras, cabelo caprichado, preto e pintado loiro nas pontas, seu vestido era colado, marcando os quadris, os brincos feitos com fios prateados e com pedrinhas cinza, o colar de missangas preta jogando com as cores do salto e a cinta, até o momento seus olhos brilhavam antes de Roger entrar pela porta já bagunçando tudo que via.
— Vamos conversar… — disse ele, a voz arrastada, arranhada pelo álcool.
Márcia, sem desviar o olhar do espelho, respondeu seca:
— Não agora. Estou atrasada.
Roger franziu a testa. Um nó de raiva se formou em sua garganta. Ele deu dois passos à frente, agarrou o braço dela com força e tentou beijá-la.
Márcia se afastou bruscamente.
— Me larga, Roger!
Um estalo cortou o silêncio. Um tapa seco atingiu o rosto de Márcia, fazendo sua cabeça virar de lado. Ela piscou, tentando absorver o choque. Seus olhos marejaram, mas sua voz manteve a firmeza.
— Vamos conversar mais tarde. Agora preciso ir.
Roger olhou para ela com olhos vazios, mas sentiu o peso do arrependimento bater de leve contra seu peito. Ele afrouxou os dedos, deixando o braço dela escorregar livre. Márcia saiu sem olhar para trás.
No celular, Roger abriu o chat de mensagens. Seus dedos trêmulos digitaram rapidamente:
"Já sabes o que fazer."
A mensagem foi enviada.
“Bordel Viúvas Negras”
Passou-se um ano e o clima no bordel mudou, a estrutura, clientes jovens, mesas de jogos, pista de dança e musica ao vivo, ainda haviam clientes velhos, mas reformados, elegantes, não tão deitados ao álcool, o cheiro do perfume já não se sentia barato, agora refletia o aroma caríssimo.
Dona Madalena, vendo Márcia linda como estava, soltou aquele sorriso admirável.
— Aí, minha querida. Tanto tempo, como estás? Deu dois beijinhos em sua bochechas e com sarcasmo tentando puxar assunto perguntou…
— Atrás De um enfermeiro novo ou desejas mesmo só prazer?
Edna, uma das éx colegas de Márcia do Bordel, amante do primeiro ministro, linda, preta, com cabelos compridos, passeava aos arredores do bordel, puxou Márcia no pulso e levou ela ao camarim e já puxando assunto.
— Quando é que tu casas menina? Inclinando a cabeça e olhando direitamente nos olhos de Márcia!
Elena, a Puta mais paga em todo Bordel, filha de Dona Madalena, e uma das estagiárias de Márcia, curiosa e metida já saiu dizendo.
— Casar é como bordel no começo, paga pela emoção… depois, pela obrigação!
Assustadas ela com a situação, deixando Márcia sem palavras, a mesma questiona entre olhares curtos e objectivos.
Rebeca saiu respondendo, com arrogância e de forma sarcástica.
— Só as filhas da Dona da casa têm o direito de comer sem fazer trabalho.
Márcia recebeu uma mensagem de seguida, e entendendo a guerra que existia entre elas saiu, entrando num dos quartos do bordel pago por Helder.
Helder estava de forma simples, deitado na cama, com uma boina branca na cabeça, camisa azul bebe, dentro da calça cinza arranjada entre os suspensores azul-escuros e os sapatos pretos brilhando, a meia branca acompanhando com a boina na sua cabeça, tirando os óculos do rosto elogiou a entrada de Márcia.
— Em meio caos do dia, teres se vestido assim de branco, mostra como tu entendes que dois corpos podem ser fogo e brisa, mas quando se encontram, dançam como um só.
Márcia ouvindo aquilo tirou o vestido ficando seminua perante a face dele.
— Hoje eu vim para ser toda sua meu Herói, seu rosto estava pasmado de brilho.
Helder abrindo a sacola que carregava tirou a lingerie da cor de vinho que ela havia deixado em sua casa, um ano atrás, depois da noite que tiveram. Márcia se despiu completamente e colocou a lingerie.
— Em meio aquele clima de ternura e prazer as conversas rapidamente mudaram. — Temos mais trinta minutos, dez para me contares o que rolou na noite em que estivemos em sua casa, dez para tu tiras a tua roupa e dez para abusares do meu corpo, não me faças perder tempo.
Ele respirou fundo, prendendo a respiração, fixou o seu olhar no dela, firme, intenso, mas sem pressa. Passou a língua pelos lábios secos, deixando um pequeno sorris escapar.
— Dez minutos para contar a verdade? — sua voz saiu calma, controlada, como se estivesse pesando cada palavra antes de soltá-las. — Tudo bem... mas eu espero que estejas mesmo pronta para ouvi-la.
— Na verdade, não houve nada entre nós. Peguei-te e fomos ao Kikagil, no Morro Bento, onde bebemos um pouco além da conta—mas tu exageraste.
Começaste a tirar a roupa, abraçaste-me e reclamaste sobre o dia difícil. Eu apenas te ouvi, até que vomitaste no meu ombro e na minha calça. Foi por isso que, ao acordares, me viste sem roupas ao teu lado.
Levei-te para casa, e lá passaste a noite cantando de forma linda. Depois, foste à cozinha, fritaste um ovo e engoliste outro cru. Voltaste para perto de mim, tiraste o blusão e a calcinha, tentando me forçar a algo que não seria prazeroso nem justo, pois estavas inconsciente.
Sentaste-te no meu colo, tocaste em mim, passaste a mão no meu cabelo e adormeceste nos meus braços. Deixei-te na cama, mandei o motorista buscar teu carro e dormi no tapete. Só subi na cama às cinco da manhã, porque a tentação era grande...
Ao ouvir tudo, Márcia não hesitou—deixou-se levar pelo desejo e fez amor com ele.
Antes, porém, as palavras de Helder ecoaram no quarto, Márcia sentiu o chão vacilar sob seus pés. O calor que antes queimava seu peito se transformou em um frio inesperado, um nó apertando sua garganta.
Seu olhar, antes carregado de desejo, agora oscilava entre confusão e vergonha. Ela piscou algumas vezes, desviando o rosto, sentindo o rubor tomar conta de sua pele.
— Eu… — tentou dizer algo, mas sua voz falhou. Engoliu seco.
Com um movimento hesitante, passou as mãos pelo próprio braço, como se tentasse se proteger de um frio que não vinha do quarto, mas de dentro dela.
— Então… eu inventei tudo isso na minha cabeça?
Márcia respirou fundo, virou-se de costas por um instante, mordendo o lábio, e então, quando voltou a encará-lo, a hesitação se dissolveu no desejo de apagar aquela sensação de tolice.
— Se naquela noite eu não fui sua… hoje, eu sou.
Na despedida, marcada por uma dor silenciosa, vestiu-se lentamente, como se cada peça fosse um adeus, e partiu sem olhar para trás, sentindo ainda cada toque dele no seu corpo, hesitou voltar para casa, mas no final foi embora.
De Volta Para Casa – O Confronto Final
Márcia girou a maçaneta e entrou. O silêncio da casa parecia diferente. Assim que deu dois passos para dentro, viu as malas de Roger junto à porta. O coração dela falhou uma batida.
Roger estava ali, parado no meio da sala. Mas seu olhar não era mais de raiva ou embriaguez. Era de puro desprezo.
Antes que Márcia pudesse falar, ele deu um passo à frente e, com um movimento lento e cheio de nojo, cuspiu no chão, bem próximo a ela.
Então, com um sorriso de escárnio, tirou o telefone do bolso e girou a tela em direção a ela.
Imagens.
O sangue de Márcia gelou. Ela abriu bem os olhos, sentindo o estômago se contrair.
— Essa é a tua outra vida? — A voz de Roger era cortante.
Ela abriu a boca, mas nada saiu.
— Puta. — A palavra foi dita com desprezo. — Tu és uma puta.
O ar pareceu sumir da sala.
— Com ele que falavas à noite pelo telefone? Aquelas palavras doces, serenas… — Ele riu, amargo. — E ainda tiveste a coragem de dizer: "Roger está dormindo num ótimo sono, sonhando com os pássaros." Agora entendo.
Márcia levou a mão à boca, os olhos marejados.
— Ontem… — continuou Roger, sua voz carregada de mágoa. — Ontem, enquanto eu te beijava no banheiro, tu dizias aquelas frases sobre o toque dele…
A dor transbordava nas palavras dele.
— Tu não mereces homem nenhum.
Ele ergueu novamente o celular.
— Quer ouvir o áudio também? A tua voz, toda manhosa, toda entregue… Tu me dás nojo. Fiz bem de nunca ter pedido tua mão aos teus pais.
Márcia caiu de joelhos.
— Roger…
— Fica com tua casa grande. Aposto que veio da prostituição. Vais lá sempre, não é? Agora estás livre. Já não precisas esconder-te.
Os soluços começaram a escapar da garganta dela.
— Sua vadia ingrata.
Roger pegou as malas, abriu a porta com brutalidade e saiu sem olhar para trás. A porta permaneceu escancarada. O vento frio da madrugada invadiu a sala.
Márcia tremia. Sentia-se vazia, destruída.
Levantou-se devagar, os olhos turvos pelas lágrimas. Seus pés mal sentiam o chão enquanto subia as escadas. Mas, ao alcançar o terceiro degrau, um deslize. O corrimão escorregadio.
Ela caiu para trás, batendo o tornozelo com força. A dor rasgou sua perna, e ela gritou.
Arrastando-se até o topo, ofegante, estendeu a mão e puxou o telefone fixo da mesinha.
Seus dedos tremiam ao discar.
O sinal chamou uma vez. Duas. Três.
— Atende… por favor… — sussurrou, a voz embargada.
Mais um toque.
— Estou precisando de ajuda…
O silêncio do outro lado da linha a sufocava.
Então, finalmente, a voz do outro lado atendeu.
Márcia respirou fundo e disse, entre lágrimas:
— Alô… preciso te ver agora.
O telefone caiu de sua mão.
Depois de uma gandaia congruente, num período de estágio no hospital David Bernardino, Márcia e suas colegas saíram para relaxar."Viúvas Negras"— era esse o nome que se destacava na cabeceira da porta do espaço lúdico onde Márcia e suas amigas costumavam se apresentar. Não eram clientes, mas dançarinas, garotas que assumiam identidades fictícias para esconder suas vidas fora dali.— Tenente Márcia, já reparaste como o ambiente mudou ultimamente? — comentou uma das amigas, cruzando os braços com desdém.Márcia suspirou, observando a movimentação ao redor.— Nem tanto. Continua a mesma coisa… homens casados, mais velhos, procurando algo passageiro. Nunca aparece alguém diferente, alguém que realmente queira ficar com uma de nós.A outra soltou uma risada curta, quase cética. Ela era a mais prática do grupo, sempre reduzindo tudo à realidade nua e crua.— Ah, Márcia… esperavas o quê? — disse, com um toque de ironia. — A maioria chega aqui cheio de dívidas, cansados da vida… No final, só
Márcia queria se livrar do bordel, mas cada ausência sua era cobrada em olhares inquisitivos e perguntas cortantes de Madalena, como se a casa a puxasse de volta para suas garras; ainda assim, com os dólares acumulados nos meses em que se vendeu para desconhecidos, ela podia enfim respirar e sonhar, e embora o dinheiro fosse suficiente para uma década de vida confortável em Angola—ou até para cruzar o oceano e estudar medicina—havia algo que o dinheiro não comprava.O peso dos toques que nunca quis, o gosto amargo das noites vazias e a lembrança do único homem cujo olhar não a fazia sentir suja, um amor nunca dito, um desejo de recomeço misturado à dor de tudo o que ficou para trás.Uma ultima noite, sombria, escura e calma, desfalecendo-se dos eróticos vestidos que circulavam entre os cantos do bordel “Viúvas Negras” garçons passando com suas bandejas, de um lado para outro servindo whisky e vinho, branco e tinto ao mesmo tempo.A casa estava mais abarrotada, em relação aos outros di
Passaram-se dois meses desde o misterioso desaparecimento de Márcia, a jovem que despertara em Helder uma paixão intensa e incontrolável. Ele havia se entregado a ela sem reservas, corpo e alma ardendo em um desejo que não se apagou sequer com o amanhecer.Mas quando o sol nasceu naquela manhã, Márcia já não estava. Nenhum bilhete, nenhuma explicação, apenas o vazio e as promessas sussurradas que agora ecoavam em sua mente como uma melodia inacabada.Desde então, Helder vagava por Luanda, arrastado por um misto de esperança e desespero, procurando por ela em cada esquina, em cada sombra, em cada olhar desconhecido.Mas a cidade grande parecia zombar de sua dor, engolindo qualquer vestígio de Márcia sem deixar rastros. O tempo passou, e o que antes era determinação se transformou em exaustão. Será que tudo não passara de uma ilusão? Uma noite intensa e nada mais?Naquela tarde, obrigado pelas ordens irritantes do irmão mais velho, ele seguiu rumo ao distrito urbano da Samba para entreg
Num belo dia, dentro do carro, a sensação gelada do ar-condicionado contrastava com o calor abrasador que dominava a cidade. O trânsito caótico e o engarrafamento incessante tornavam a viagem exaustiva. Depois de enfrentar o trajeto desgastante, Márcia estacionou numa esquina, em frente ao IMS da Maianga, e seguiu a pé pelos corredores do hospital Jorgina Machel (Maria Pia).Até aquele momento, tudo corria bem. O dia estava tranquilo, sem frustrações na Ala de Geriatria. As conversas das novas estagiárias ecoavam pelos corredores, despertando a curiosidade das enfermeiras e de algumas médicas que ali passavam.Márcia respirou fundo, apreciando a calma rara daquele dia. Sentia-se leve, até que seu telemóvel vibrou, trazendo-a de volta à realidade. Uma mensagem de Roger, seu namorado. "Desculpa pela discussão de madrugada."Roger Lopes… Jovem de personalidade forte, ciumento, mas também delicado. Formado em Administração Pública, trabalhava como contabilista financeiro num dos hotéis da
O dia começou já com clima diferente em torno de mistérios e perguntas que apareceram nos momentos errados, sons de pássaros cantando, no cume das arvores que repousavam sobre a varanda do quarto de Helder.Os vidros fixados entre os vãos da porta corrida, não disfarçavam as luzes que invadiam o quarto pela manhã, e um conjunto de cores brilhando sobre o rosto de Márcia que foi traída ao anoitecer pelo calor deitando o chão os lençóis da cama.Ao som barulhento do alarme, Márcia desperta do sono, já despida e sem cueca, tomou um susto entre alma e o corpo, quando percebe que o Helder está dormindo ao seu lado, reagindo com duvidas no seu interior e questionando-se, se por ventura haveria rolado algo, entre eles na noite passada.Márcia apanha o lençol se forra ao mesmo tempo com a mão no rosto, julgando-se.__ O que será que eu fiz, Meu Deus! – murmurou entre suspiros aflitos.Admirou uma tantas vezes, seu coração tomou conta da sua mente, quando desesperadamente percebe que o Roger h