Passaram-se dois meses desde o misterioso desaparecimento de Márcia, a jovem que despertara em Helder uma paixão intensa e incontrolável. Ele havia se entregado a ela sem reservas, corpo e alma ardendo em um desejo que não se apagou sequer com o amanhecer.
Mas quando o sol nasceu naquela manhã, Márcia já não estava. Nenhum bilhete, nenhuma explicação, apenas o vazio e as promessas sussurradas que agora ecoavam em sua mente como uma melodia inacabada.
Desde então, Helder vagava por Luanda, arrastado por um misto de esperança e desespero, procurando por ela em cada esquina, em cada sombra, em cada olhar desconhecido.
Mas a cidade grande parecia zombar de sua dor, engolindo qualquer vestígio de Márcia sem deixar rastros. O tempo passou, e o que antes era determinação se transformou em exaustão. Será que tudo não passara de uma ilusão? Uma noite intensa e nada mais?
Naquela tarde, obrigado pelas ordens irritantes do irmão mais velho, ele seguiu rumo ao distrito urbano da Samba para entregar uma encomenda. O sol castigava a cidade sem piedade, e Helder, protegido por óculos escuros e um guarda-chuva, atravessava a rua quando algo fez seu coração parar por um segundo.
Do outro lado, entre risos e conversas animadas, lá estava ela. Márcia.
O tempo pareceu desacelerar. Seus olhos não podiam estar enganados. Aquela pele iluminada pelo sol, aquele jeito de jogar os cabelos para trás… era ela. Mas ela não estava só. Paula e Luísa, suas amigas, a acompanhavam, e juntas pareciam tão leves, tão felizes, como se nada houvesse acontecido. Como se aquela noite nunca tivesse existido.
Helder sentiu os pés vacilarem no asfalto quente. Parte dele gritava para ir até ela, perguntar o que havia acontecido, entender por que ela sumiu sem uma palavra sequer. Mas… e se ele estragasse aquele sorriso que agora adornava os lábios dela? E se sua presença trouxesse algo que ela queria esquecer?
Helder hesitou. O momento perfeito escorria por entre seus dedos, e ele sabia disso. Mas, mesmo assim, virou o rosto e seguiu seu caminho.
Quando chegou ao encontro do irmão, levou uma bronca pela demora. Mas isso já não importava. Dentro de si, a batalha estava apenas começando.
— Por que demoraste tanto? — Edgar questionou, cruzando os braços com impaciência. — Outra vez pensando naquela garota do bordel? Quando vais entender que aquilo foi apenas um momento? Toda puta assustada faz promessas que nunca vai cumprir. Esquece essa história, maninho. Foca nos estudos, está bem?
Aquelas palavras cortaram Helder como uma lâmina afiada. Seu peito ardeu, e seus punhos se cerraram involuntariamente.
— Ela não é uma puta! — retrucou, sua voz carregada de indignação. — Ela é diferente de todas as mulheres daquele lugar. Não é uma dessas bandidas com quem tens se deitado!
O ar pareceu congelar entre eles. Num instante, Edgar avançou sem pensar, sua mão estalando no rosto do irmão mais novo. O tapa ecoou no ambiente, deixando um silêncio pesado no ar.
Helder piscou algumas vezes, o rosto ardendo, mas não recuou. Não desviou o olhar. Edgar, por sua vez, respirou fundo, a expressão se desmanchando num lampejo de arrependimento.
— Não tive intenção... — murmurou, esfregando a própria mão, como se o peso do que fizera também o ferisse. — Mas mereceste. Não quero ter que fazer isso outra vez, por isso esquece essa garota. Aliás, mais tarde vamos a uma festa do Ministério da Saúde. Vão coroar as novas médicas residentes do Hospital Maria Pia.
Helder permaneceu imóvel por alguns segundos, sentindo o gosto amargo da humilhação misturado ao fervor da raiva. Mas então ergueu o rosto, recompondo-se.
Apesar do turbilhão de incertezas que martelavam seu peito e apertavam seu coração, Helder não conseguiu simplesmente deixar aquele momento escapar. O medo de descobrir uma verdade dolorosa lutava contra o desejo incontrolável de entender o que realmente aconteceu.
Por um instante, hesitou, mas a dúvida era um fardo pesado demais para carregar sozinho. Com um suspiro profundo, decidiu se agarrar à única chance que tinha.
Virando-se para o motorista, com um olhar carregado de urgência e esperança, ordenou em voz baixa, quase como um segredo:
— Descubra onde uma delas mora.
O motorista, sem hesitar por um segundo sequer, captou a urgência no tom de Helder e, movido pela lealdade e curiosidade, pôs-se em ação imediatamente. Com um olhar atento e passos ágeis, seguiu o rastro das jovens, determinado a cumprir a ordem de seu jovem patrão o mais rápido possível.
“Salão de premiação do Maria Pia”
A noite estava repleta de contrastes, embaçada em um véu de luzes alvas que adornavam o salão de gala, onde transcorria a majestosa cerimônia de coroação das novas residentes do hospital "Maria Pia".
Diante da entrada do salão, desdobrava-se um espetáculo de cores abstratas e concretas, refletidas nos luxuosos trajes que deslizavam graciosamente sobre o tapete vermelho estendido ao chão
Diante daquele cenário, um arrepio percorreu a pele das jovens residentes, e a hesitação apertou-lhes o peito ao desfilarem perante a majestade das ilustres presenças. O rosto de Márcia, marcado por uma beleza singular e autêntica, refletia perplexidade. Mesmo envolta no austero uniforme de médica, estava deslumbrante O uniforme apertado delineava suas curvas, destacando suas ancas de forma imponente.".
Enquanto a Ministra da Saúde discursava, um vulto inesperado fez a sala prender a respiração. Uma comitiva de jovens imponentes, trajando ternos azul-escuro, adentrou o recinto, atraindo olhares intrigados e olhares demorados.
Helder, um deles, aproveitou o momento de distração — enquanto seu irmão conversava com o Secretário de Estado — para sair discretamente. Lá fora, inalou o ar fresco da noite, tirou o blazer e recostou-se contra o retrovisor de seu carro, perdido em pensamentos.
As luzes no estacionamento, não eram assim muito claras, que quase não dava para ver nada, mas ainda assim o jovem Helder conseguiu observar a beleza exprimida na pele do rosto de Márcia quando a mesma passava com a Elisa, indo para o WC retocar a maquiagem.
Helder vendo ela passar de principio hesitou em chama-la, a conversa que teve mais cedo com seu irmão fazia um tanto de confusão em sua mente, ora pensava apesar de tudo continua sendo uma puta, ora duvidava de sua palavras, com amargura e desdenho, ora acreditava que ela é diferente e que as promessas feitas naquela noite foram verdadeiras.
Apesar de tudo que sufocava sua alma, mesmo com indecisão, com palavras vacilantes entre os lábios, libertou-se, ainda que temesse qual seria a reação de Márcia!
— Jovem, podes nos deixar a sós? — pediu Helder, firme, mas sem pressa, os braços cruzados atrás do corpo, aguardando a reação de Márcia.
Elisa inclinou levemente a cabeça, lançando um olhar interrogativo para Márcia. O silêncio foi suficiente como resposta. Com um aceno discreto, afastou-se sem necessidade de palavras.
— Nem no meu próprio local de trabalho eu tenho paz? Estás me seguindo? — disparou Márcia, a voz carregada de amargura, o peito arfando. Os olhos, pesados de emoção, evitaram os dele. Diante daquele que amava e odiava com a mesma intensidade, sentia-se vulnerável.
Helder arqueou levemente a sobrancelha, um sorriso irônico dançando nos lábios.
— Como pode um homem perseguir uma fera dentro da sua própria selva? — provocou, a voz carregada de estratégia, cada palavra medida como uma peça no tabuleiro.
Márcia riu de canto, meneando a cabeça em descrença.
— Eu não sou uma peça no teu jogo, Helder. Não sou uma pedra que podes mover e derrubar quando quiseres. Então, faz-me um favor: segue com teu jogo… sozinho.
Helder não conseguia decifrar a amargura cortante nas palavras de Márcia. Dois meses atrás, ela o via como um herói. Agora, após seu súbito desaparecimento, o tratava como se aquele sentimento jamais tivesse existido.
Tão logo Márcia se afastou, sentiu um arrepio subir pela espinha. A dois metros de distância, antes porem de abrir a porta do wc, foi interceptada por uma voz grave e carregada do cheiro ácido de cigarro e álcool. O susto se infiltrou em suas veias, deixando-a trêmula, enquanto o medo e a insatisfação estampavam seu rosto.
Elisa, ao avistar o Senhor Humberto, recuou silenciosamente, abandonando Márcia à própria sorte.
— O cão pode se perder, mas jamais esquece o caminho de casa. Nesse caso… a cadela. — A voz de Humberto escorreu pelo ar como veneno. — Preciso de um broche… Tu podes esconder essa tua nova personalidade de todos, mas de mim, não.
Márcia respirou fundo, reunindo coragem no meio do pavor. O coração martelava em seu peito, mas sua voz emergiu firme:
— Aqui não estamos no bordel onde mandavas e abusavas. Isto é o Palácio Presidencial. E eu não sou tua cadela nessa história.
Os olhos de Humberto faiscaram com fúria, mas ele manteve o sorriso torcido.
— Pensa duas vezes antes de cruzar o meu caminho. Posso adulterar tua medicação e te matar lentamente…
Márcia engoliu em seco, mas sustentou o olhar. Um silêncio pesado se instalou entre os dois, até que a ameaça seguinte veio como um golpe seco.
— Sai daqui agora, antes que eu acabe com o teu sonho, sua vadia imunda. Uma médica de merda sem qualidade, isso é o que tu és.
As palavras serraram Márcia como cerca. O medo enfim venceu, e ela saiu dali apressada, o coração disparado. Sem perceber, despertou a atenção do motorista de Helder, que observou sua fuga e, discretamente, seguiu até sua residência.
Quatro horas se passaram, e o que Helder menos desejava fazer já estava feito. O desejo ardia em seu olhar. Quase meia-noite, a casa mergulhada na escuridão e no silêncio absoluto. Até que um ruído sutil cortou a quietude, despertando Márcia de um sono inquieto. Assustada, desceu as escadas.
Ao acender as luzes da cozinha, levou um susto—Helder estava ali, segurando duas taças e uma garrafa de vinho branco. O instinto imediato foi pegar o telefone e chamar a polícia, mas bastou ouvir as palavras dele, algo que tocou fundo, para fazê-la hesitar. Silenciosa, baixou o aparelho e sentou-se.
E as palavras que levaram ela se contornar eram sobre o seu rosto.
-- O teu rosto, o mesmo, lindo, giro, como aquela maquiagem, usada naquela noite, este mesmo rosto, poisado neste corpo, gostoso, moreno, entre os olhos caídos e escondidos, médios, os teus lábios canudos, rosados e serenos.
-- Teu rosto não sai da minha cabeça, algo extremamente marcante, como estes ear cuffs em tuas orelhas, dourados, como a cor do seu cabelo, crespo, longo e loiro nas pontas, o piercing no nariz, nostril de prata, fora do rosto, foi o colar no pescoço, banhado a oro, personalizado com perolas e miçangas africanas, azul avermelhadas.
O vinho foi servido. Apesar da indignação, permaneceu ali, ouvindo. No fundo, também esperava uma justificativa—algo que pudesse aliviar o peso do ódio que carregava entre desejos reprimidos e paixões nunca apagadas.
— Depois daquela noite em que te conheci, através do teu belíssimo toque, deixaste algumas marcas em meu corpo que não se querem calar. Na verdade, é o teu rosto que me levou a esta loucura.
Márcia piscou, surpresa. A curiosidade se misturou à cautela em seu olhar, como se tentasse decifrar o que havia por trás das palavras de Helder.
— O meu rosto? — questionou, inclinando-se levemente para frente, os dedos tocando de leve a borda da taça.
Helder sorriu de canto, a intensidade de sua voz pesando no ar entre eles.
— Aquela noite foi intensa…, mas o mais intenso são os traços do teu rosto. Admirável, incomparável. — Fez uma pausa, como se revivesse o momento. — Depois Da segunda noite, ao acordar e perceber que já não estavas, fiquei confuso e desesperado.
Márcia entrelaçou os dedos, sentindo o peito apertar antes de soltar a resposta com amargura.
— E por que não foste à minha procura? Ou, talvez, estavas demasiado ocupado negando o teu filho. Então, uma puta não faria diferença, era mesmo só sexo, não é?
A mandíbula de Helder se contraiu, os olhos brilhando com uma mistura de incredulidade e revolta.
— O que estás por aí a dizer? Negar um filho? — A voz dele saiu mais firme, quase um protesto. — Todas as Manhãs livres que tinha, todas as noites em que me sentia sozinho, ia ao bordel só para te encontrar. Mesmo sendo cansativo, esgotante... No final, nada. Você sumiu!
Márcia riu sem humor, cruzando os braços, o olhar carregado de mágoa.
— Sumi? Como se não tivesse motivo? Tuas palavras são tão frias, como se não soubesses por que fui embora. — Fez uma pausa, deixando a dor transparecer. — Deixei as minhas roupas no teu quarto…, mas estavas ocupado demais com a Daniela para notar.
O silêncio se instalou como um golpe seco entre os dois, carregado de tudo que nunca foi dito.
O clima entre os dois se tornava cada vez mais carregado. A bravura e a raiva de Márcia estavam estampadas em seu rosto, enquanto Helder mantinha a postura firme, cada palavra doce sendo devolvida com uma resposta amarga.
Os copos esvaziavam e enchiam novamente, o vinho fluindo como as emoções que os cercavam. Márcia se levantou, abriu a geladeira e pegou um punhado de uvas, deixando-as sobre a mesa. Um convite silencioso para que a conversa continuasse—mais intensa, mais crua, mais perigosa.
— Márcia, para com essas conversas sem sentido! — A voz dele saiu firme, quase impaciente. — Você acha mesmo que eu estava te traindo? Como eu poderia fazer isso e, com a cara de pau, vir aqui te dizer essas palavras?
Márcia apertou os lábios, cruzando os braços sobre o peito. O olhar dela oscilava entre fúria e mágoa, como se lutasse contra tudo que sentia.
— É difícil te acreditar! — disparou, a respiração pesada. — E ainda tiveste a cara de inocente para dizer que a culpa era dela? Quem mandou abrir as pernas para qualquer um? — Sério, foste muito baixo, Helder! — continuou, sua voz carregada de desgosto. — A Daniela é uma mulher como eu. Se ela abriu as pernas, foi porque tu juraste algo que não és capaz de dar! — Seu idiota… Sai da minha casa. Agora!
Helder soltou uma gargalhada repentina, inclinando a cabeça para trás enquanto tomava mais um gole de vinho. Depois, apertou os lábios e revirou a cabeça para o lado, como se achasse tudo aquilo uma grande piada.
Márcia franziu a testa, sem entender o motivo da risada dele. Sentindo-se inquieta, puxou uma uva da tigela e a levou lentamente aos lábios, tentando chamar a atenção de Helder para si.
Ele finalmente a olhou, mas ainda com aquele sorriso irônico no rosto.
— Como tu foste boba em pensar que era eu a negar um filho — disse, girando a taça nas mãos. — Era o Edson… o meu irmão idiota, o mais irresponsável da família.
Márcia congelou por um instante, os dedos ainda segurando a fruta.
— E a Daniela? — arriscou, a voz saindo mais baixa do que gostaria.
Helder soltou um suspiro, como se estivesse exausto daquela discussão.
— A Daniela já nem está em Angola. Minha mãe a mandou para Cuba para terminar o curso de enfermagem.
O silêncio pairou entre os dois. Márcia sentiu o coração apertar no peito, o peso do mal-entendido caindo sobre seus ombros.
— Eu só queria vir e falar do teu rosto… — continuou Helder, agora num tom mais brando. — Mas você nem quer me ouvir. Acho que vou ter que mandar um e-mail para te.
Márcia baixou os olhos, sentindo o rosto arder. Não sabia como dissipar o ódio que alimentara por tanto tempo, como transformar em fraqueza aquela raiva que a sustentou. Mais ainda… não sabia como se desculpar sem ferir o próprio orgulho.
Como poderia agora se render ao desejo que, durante toda a noite, ameaçava subjugá-la?
Helder inclinou-se levemente para frente, girando a taça entre os dedos.
— Eu já vou... — disse, mas, no mesmo instante, um ruído na escada o fez parar.
Roger surgiu, os olhos se arregalando ao ver um homem conversando intimamente com Márcia na cozinha. A visão das taças de vinho e da forma como ela estava—praticamente seminua e sedutora—acendeu nele uma fúria cega. Sem hesitar, caminhou até ela, enlaçando-a num abraço possessivo e selando um beijo forçado em seus lábios, como se quisesse marcar território.
— Oi — disse, a voz carregada de tensão. — Quem és tu?
Helder segurou a taça com mais firmeza, contendo um sorriso de puro deboche.
— O guarda-costas da tua esposa — respondeu, sem pressa, deixando cada palavra pingar como veneno. — Ela não te contou? Engraçado... não sabia que havia tanta desconfiança entre os patrões.
O silêncio na cozinha ficou denso, quase palpável. Roger cerrou os punhos, enquanto Márcia desviava o olhar.
Helder pegou sua garrafa de vinho e as taças, movendo-se sem pressa, como se fosse o dono da casa. Parou na porta e, antes de sair, lançou a última farpa, com um sorriso de canto.
— Melhor dormirem bem agarradinhos... nunca se sabe, vai que ela desaparece também. Parece que é um dom dela.
Márcia engoliu seco, sem palavras. Seus olhos seguiram Helder até a porta, e quando ele parou, olhando-a com um misto de provocação e desejo, ela não resistiu.
— Da próxima vez, entra pela porta. — E antes que ele sumisse, acrescentou, com um sorriso carregado de ironia: — Manda beijinhos para Daniela.
O sangue de Roger ferveu. A tensão explodiu, e a madrugada foi tomada por discussões acaloradas. Mas, por mais que tentasse justificar-se, Márcia sabia que sua mente ainda estava presa na última troca de olhares com Helder.
Num belo dia, dentro do carro, a sensação gelada do ar-condicionado contrastava com o calor abrasador que dominava a cidade. O trânsito caótico e o engarrafamento incessante tornavam a viagem exaustiva. Depois de enfrentar o trajeto desgastante, Márcia estacionou numa esquina, em frente ao IMS da Maianga, e seguiu a pé pelos corredores do hospital Jorgina Machel (Maria Pia).Até aquele momento, tudo corria bem. O dia estava tranquilo, sem frustrações na Ala de Geriatria. As conversas das novas estagiárias ecoavam pelos corredores, despertando a curiosidade das enfermeiras e de algumas médicas que ali passavam.Márcia respirou fundo, apreciando a calma rara daquele dia. Sentia-se leve, até que seu telemóvel vibrou, trazendo-a de volta à realidade. Uma mensagem de Roger, seu namorado. "Desculpa pela discussão de madrugada."Roger Lopes… Jovem de personalidade forte, ciumento, mas também delicado. Formado em Administração Pública, trabalhava como contabilista financeiro num dos hotéis da
O dia começou já com clima diferente em torno de mistérios e perguntas que apareceram nos momentos errados, sons de pássaros cantando, no cume das arvores que repousavam sobre a varanda do quarto de Helder.Os vidros fixados entre os vãos da porta corrida, não disfarçavam as luzes que invadiam o quarto pela manhã, e um conjunto de cores brilhando sobre o rosto de Márcia que foi traída ao anoitecer pelo calor deitando o chão os lençóis da cama.Ao som barulhento do alarme, Márcia desperta do sono, já despida e sem cueca, tomou um susto entre alma e o corpo, quando percebe que o Helder está dormindo ao seu lado, reagindo com duvidas no seu interior e questionando-se, se por ventura haveria rolado algo, entre eles na noite passada.Márcia apanha o lençol se forra ao mesmo tempo com a mão no rosto, julgando-se.__ O que será que eu fiz, Meu Deus! – murmurou entre suspiros aflitos.Admirou uma tantas vezes, seu coração tomou conta da sua mente, quando desesperadamente percebe que o Roger h
Márcia gozava de um leve sono, já com o sorriso no canto do rosto, como quem teve uma boa noite de sossego, de repente sem animo foi acordada pelo barulho desagradável provocado pelo Roger quando se preparava para ir ao trabalho.Roger ajeitou as cortinas do Quarto de um lado para outro permitindo que a luz do sol e o ar fresco entrassem ao quarto, num tom provocador quando o clima ainda estava fresco.Márcia se escondia debaixo dos lençóis de um jeito como se não tivesse pressa para se levantar da cama, mas de forma desesperada levantou-se, espreguiçando os braços e bochechando de forma serena.Levantou-se da cama, puxando a camisola, que deitava um cheiro de suor acumulado, mas não era assim tão ativo como o perfume que circulava entre os cantos do quarto, nocivo e esbelto. Márcia entrou para o banheiro, de frente ao espelho, escovou os dentes, soltou o cabelo no ritmo da canção que tocava.Sem pressa desceu as escadas, lendo as mensagens que foram enviadas durante a noite, enquanto
Depois de uma gandaia congruente, num período de estágio no hospital David Bernardino, Márcia e suas colegas saíram para relaxar."Viúvas Negras"— era esse o nome que se destacava na cabeceira da porta do espaço lúdico onde Márcia e suas amigas costumavam se apresentar. Não eram clientes, mas dançarinas, garotas que assumiam identidades fictícias para esconder suas vidas fora dali.— Tenente Márcia, já reparaste como o ambiente mudou ultimamente? — comentou uma das amigas, cruzando os braços com desdém.Márcia suspirou, observando a movimentação ao redor.— Nem tanto. Continua a mesma coisa… homens casados, mais velhos, procurando algo passageiro. Nunca aparece alguém diferente, alguém que realmente queira ficar com uma de nós.A outra soltou uma risada curta, quase cética. Ela era a mais prática do grupo, sempre reduzindo tudo à realidade nua e crua.— Ah, Márcia… esperavas o quê? — disse, com um toque de ironia. — A maioria chega aqui cheio de dívidas, cansados da vida… No final, só
Márcia queria se livrar do bordel, mas cada ausência sua era cobrada em olhares inquisitivos e perguntas cortantes de Madalena, como se a casa a puxasse de volta para suas garras; ainda assim, com os dólares acumulados nos meses em que se vendeu para desconhecidos, ela podia enfim respirar e sonhar, e embora o dinheiro fosse suficiente para uma década de vida confortável em Angola—ou até para cruzar o oceano e estudar medicina—havia algo que o dinheiro não comprava.O peso dos toques que nunca quis, o gosto amargo das noites vazias e a lembrança do único homem cujo olhar não a fazia sentir suja, um amor nunca dito, um desejo de recomeço misturado à dor de tudo o que ficou para trás.Uma ultima noite, sombria, escura e calma, desfalecendo-se dos eróticos vestidos que circulavam entre os cantos do bordel “Viúvas Negras” garçons passando com suas bandejas, de um lado para outro servindo whisky e vinho, branco e tinto ao mesmo tempo.A casa estava mais abarrotada, em relação aos outros di