Passaram-se um ano e seis meses desde o misterioso desaparecimento de Márcia, a jovem que despertara em Helder uma paixão intensa e incontrolável. Ele havia se entregado a ela sem reservas, corpo e alma ardendo em um desejo que não se apagou sequer com o amanhecer.
Mas quando o sol nasceu naquela manhã, Márcia já não estava. Nenhum bilhete, nenhuma explicação, apenas o vazio e as promessas sussurradas que agora ecoavam em sua mente como uma melodia inacabada.
Desde então, Helder vagava por Luanda, arrastado por um misto de esperança e desespero, procurando por ela em cada esquina, em cada sombra, em cada olhar desconhecido.
Mas a cidade grande parecia zombar de sua dor, engolindo qualquer vestígio de Márcia sem deixar rastros. O tempo passou, e o que antes era determinação se transformou em exaustão. Será que tudo não passara de uma ilusão? Uma noite intensa e nada mais?
Naquela tarde, obrigado pelas ordens irritantes do irmão mais velho, ele seguiu rumo ao distrito urbano da Samba para entregar uma encomenda. O sol castigava a cidade sem piedade, e Helder, protegido por óculos escuros e uma sombrinha, atravessava a rua quando algo fez seu coração parar por um segundo.
Do outro lado, entre risos e conversas animadas, lá estava ela. Márcia.
O tempo pareceu desacelerar. Seus olhos não podiam estar enganados. Aquela pele iluminada pelo sol, aquele jeito de jogar os cabelos para trás… era ela. Mas ela não estava só. Paula e Luísa, suas amigas, a acompanhavam, e juntas pareciam tão leves, tão felizes, como se nada houvesse acontecido. Como se aquela noite nunca tivesse existido.
Helder sentiu os pés vacilarem no asfalto quente. Parte dele gritava para ir até ela, perguntar o que havia acontecido, entender por que ela sumiu sem uma palavra sequer. Mas… e se ele estragasse aquele sorriso que agora adornava os lábios dela? E se sua presença trouxesse algo que ela queria esquecer?
Helder hesitou. O momento perfeito escorria entre seus dedos, e ele sabia disso. Mas, mesmo assim, virou o rosto e seguiu seu caminho.
Quando chegou ao encontro do irmão, levou uma bronca pela demora. Mas isso já não importava. Dentro de si, a batalha estava apenas começando.
— Por que demoraste tanto? — Edgar questionou, cruzando os braços com impaciência. — Outra vez pensando naquela garota do bordel? Quando vais entender que aquilo foi apenas um momento? Toda puta assustada faz promessas que nunca vai cumprir. Esquece essa história, maninho. Foca nos estudos, está bem?
Aquelas palavras cortaram Helder como uma lâmina afiada. Seu peito ardeu, e seus punhos se cerraram involuntariamente.
— Ela não é uma puta! — retrucou, sua voz carregada de indignação. — Ela é diferente de todas as mulheres daquele lugar. Não é uma dessas bandidas com quem tens se deitado!
O ar pareceu congelar entre eles. Num instante, Edgar avançou sem pensar, sua mão estalando no rosto do irmão mais novo. O tapa ecoou no ambiente, deixando um silêncio pesado no ar.
Helder piscou algumas vezes, o rosto ardendo, mas não recuou. Não desviou o olhar. Edgar, por sua vez, respirou fundo, a expressão se desmanchando num lampejo de arrependimento.
— Não tive intenção... — murmurou, esfregando a própria mão, como se o peso do que fizera também o ferisse. — Mas mereceste. Não quero ter que fazer isso outra vez, por isso esquece essa garota. Aliás, mais tarde vamos a uma festa do Ministério da Saúde. Vão condecorar as novas médicas residentes do Hospital Maria Pia.
Helder permaneceu imóvel por alguns segundos, sentindo o gosto amargo da humilhação misturado ao fervor da raiva. Mas então ergueu o rosto, recompondo-se.
Apesar do turbilhão de incertezas que martelavam seu peito e apertavam seu coração, Helder não conseguiu simplesmente deixar aquele momento escapar. O medo de descobrir uma verdade dolorosa lutava contra o desejo incontrolável de entender o que realmente aconteceu.
Por um instante, hesitou, mas a dúvida era um fardo pesado demais para carregar sozinho. Com um suspiro profundo, decidiu se agarrar à única chance que tinha.
Virando-se para o motorista, com um olhar carregado de urgência e esperança, ordenou em voz baixa, quase como um segredo:
— Descubra onde uma delas mora.
“Memorial Agostinho Neto”
A noite estava repleta de contrastes, embaçada em um véu de luzes alvas que adornavam o salão de gala, onde transcorria a majestosa cerimônia de coroação das novas residentes do hospital "Maria Pia".
Diante da entrada do salão, desdobrava-se um espetáculo de cores abstratas e concretas, refletidas nos luxuosos trajes que deslizavam graciosamente sobre o tapete vermelho estendido ao chão
Diante daquele cenário, um arrepio percorreu a pele das jovens residentes, e a hesitação apertou-lhes o peito ao desfilarem perante a majestade das ilustres presenças. O rosto de Márcia, marcado por uma beleza singular e autêntica, refletia perplexidade. Mesmo envolta no austero uniforme de médica, estava deslumbrante O uniforme apertado delineava suas curvas, destacando suas ancas de forma imponente.".
Enquanto a Ministra da Saúde discursava, um vulto inesperado fez a sala prender a respiração. Uma comitiva de jovens imponentes, trajando ternos azul-escuro, adentrou o recinto, atraindo olhares intrigados e olhares demorados.
No meio dos senhores de ternos a rigor, estava ele, Helder de uma forma diferente, uma calça social branca com vinco até a bainha, o relógio no pulso caríssimo, a camisa safari azul bebê, e no lado esquerdo do peito exibia a estrela de sua igreja.
Aproveitou o momento de distração — enquanto seu irmão conversava com o Secretário de Estado — para sair discretamente. Lá fora, inalou o ar fresco da noite, tirou os óculos e recostou-se contra o retrovisor de seu carro, perdido em pensamentos.
As luzes no estacionamento, não eram assim muito claras, que quase não dava para ver nada, mas ainda assim o jovem Helder conseguiu observar a beleza exprimida na pele do rosto de Márcia quando a mesma passava com a Paula, indo para o quarto de banho retocar a maquiagem.
Helder vendo ela passar de principio hesitou em chama-la, a conversa que teve mais cedo com seu irmão fazia um tanto de confusão em sua mente, ora pensava apesar de tudo continua sendo uma puta, ora duvidava de sua palavras, com amargura e desdenho, ora acreditava que ela é diferente e que as promessas feitas naquela noite foram verdadeiras.
Apesar de tudo que sufocava sua alma, mesmo com indecisão, com palavras vacilantes entre os lábios, libertou-se, ainda que temesse qual seria a reação de Márcia!
— Jovem, podes nos deixar a sós? — pediu Helder, firme, mas sem pressa, os braços cruzados atrás do corpo, aguardando a reação de Márcia.
Paula inclinou levemente a cabeça, lançando um olhar interrogativo para Márcia. O silêncio foi suficiente como resposta. Com um aceno discreto, afastou-se sem necessidade de palavras.
— Nem no meu próprio local de trabalho eu tenho paz? Estás me seguindo? — disparou Márcia, a voz carregada de amargura, o peito arfando. Os olhos, pesados de emoção, evitaram os dele. Diante daquele que amava e odiava com a mesma intensidade, sentia-se vulnerável.
Helder arqueou levemente a sobrancelha, um sorriso irônico dançando nos lábios.
— Como pode um homem perseguir uma fera dentro da sua própria selva? — provocou, a voz carregada de estratégia, cada palavra medida como uma peça no tabuleiro.
Márcia riu de canto, meneando a cabeça em descrença.
— Eu não sou uma peça no teu jogo, Helder. Não sou uma pedra que podes mover e derrubar quando quiseres. Então, faz-me um favor: segue com teu jogo… sozinho.
Helder não conseguia decifrar a amargura cortante nas palavras de Márcia. Dois anos atrás, ela o via como um herói. Agora, após seu súbito desaparecimento, o tratava como se aquele sentimento jamais tivesse existido.
Tão logo Márcia se afastou, Helder o seguiu e ao mesmo tempo sentiu um arrepio subir pela espinha. A dois metros de distância, antes porem de abrir a porta do quarto de banho, foi interceptada por uma voz grave e carregada do cheiro ácido de cigarro e álcool. O susto se infiltrou em suas veias, deixando-a trêmula, enquanto o medo e a insatisfação estampavam seu rosto.
Paula, ao avistar o Senhor Humberto, recuou silenciosamente, abandonando Márcia à própria sorte.
— O cão pode se perder, mas jamais esquece o caminho de casa. Nesse caso… a cadela. — A voz de Humberto escorreu pelo ar como veneno. — Preciso de um broche… Tu podes esconder essa tua nova personalidade de todos, mas de mim, não.
Márcia respirou fundo, reunindo coragem no meio do pavor. O coração martelava em seu peito, mas sua voz emergiu firme:
— Aqui não estamos no bordel onde mandavas e abusavas. E eu não sou tua cadela nessa história.
Os olhos de Humberto faiscaram com fúria, mas ele manteve o sorriso torcido.
— Pensa duas vezes antes de cruzar o meu caminho. Posso adulterar tua medicação e te matar lentamente…
Márcia engoliu em seco, mas sustentou o olhar. Um silêncio pesado se instalou entre os dois, até que a ameaça seguinte veio como um golpe seco.
— Sai daqui agora, antes que eu acabe…
— Antes que tu acabes com o que? Perguntou Helder se intrometendo na conversa, seus punhos estavam cerrados como se estivesse pronto para lutar.
— Você de novo? Isso é o quê, um parque de diversão onde putas e medíocres vem passear?
— Eu não tenho idade para tocar na cara do senhor, mas, quem fala puta na mulher que eu amo, acertará as contas comigo ou com meu irmão deputado, acho que entendeste o recado!
— Márcia Vamos…
As palavras serraram Márcia como cerca. O medo enfim venceu, o coração disparava, mas, Márcia estava destinada a se vingar de Helder por ela achar que ele negou um filho e a mentiu na cama com promessas enganosas.
— O que você estava pensando quando apareceste para se armar em herói, estava tudo controlado. Disse ela com o olhar indignado. — Estou indo para casa, vens comigo ou vais ficar na cola do seu irmão? você já estragou a minha noite mesmo…
Helder sorriu e ela também, subiram no carro e saíram do memorial.
Quase meia-noite, a casa mergulhada na escuridão e no silêncio absoluto. Até que um ruído sutil cortou a quietude. — Não pedi para tu me tocares, posso pelo menos abrir a porta?
Ao entrarem, Márcia acendeu as luzes e foram direito para cozinha, Helder sentou-se sem ser convidado a sentar, Márcia abriu o armário tirou duas taças e uma garrafa de vinho branco. O instinto imediato era pegar a garrafa e atirar na cabeça do herói ao seu lado, ouvindo as palavras dele, algo que a tocou fundo, para fazê-la hesitar. Silenciosamente, e sentar-se.
E as palavras que levaram ela se contornar…
— O teu rosto, o mesmo, lindo, giro, como aquela maquiagem, usada naquela noite, este mesmo rosto, poisado neste corpo, gostoso, moreno, entre os olhos caídos e escondidos, médios, os teus lábios canudos, rosados e serenos.
— Teu rosto não sai da minha cabeça, algo extremamente marcante, como estes ear cuffs em tuas orelhas, dourados, como a cor do seu cabelo, crespo, longo e loiro nas pontas, o piercing no nariz, nostril de prata, fora do rosto, foi o colar no pescoço, banhado a oro, personalizado com perolas e miçangas africanas, azul avermelhadas.
O vinho foi servido. Apesar da indignação, permaneceu ali, ouvindo. No fundo, também esperava uma justificativa — algo que pudesse aliviar o peso do ódio que carregava entre desejos reprimidos e paixões nunca apagadas.
— Depois daquela noite em que te conheci, através do teu belíssimo toque, deixaste algumas marcas em meu corpo que não se querem calar. Na verdade, é o teu rosto que me levou a esta loucura.
Márcia piscou, surpresa. A curiosidade se misturou à cautela em seu olhar, como se tentasse decifrar o que havia por trás das palavras de Helder.
— O meu rosto? — questionou, inclinando-se levemente para frente, os dedos tocando de leve a borda da taça.
Helder sorriu de canto, a intensidade de sua voz pesando no ar entre eles.
— Aquela noite foi intensa…, mas o mais intenso são os traços do teu rosto. Admirável, incomparável. — Fez uma pausa, como se revivesse o momento. — Depois Da segunda noite, ao acordar e perceber que já não estavas, fiquei confuso e desesperado.
Márcia entrelaçou os dedos, sentindo o peito apertar antes de soltar a resposta com amargura.
— E por que não foste à minha procura? Ou, talvez, estavas demasiado ocupado negando o teu filho. Então, uma puta não faria diferença, era mesmo só sexo, não é?
A mandíbula de Helder se contraiu, os olhos brilhando com uma mistura de incredulidade e revolta.
— O que estás por aí a dizer? Negar um filho? — A voz dele saiu mais firme, quase um protesto. — Todas as Manhãs livres que tinha, todas as noites em que me sentia sozinho, ia ao bordel só para te encontrar. Mesmo sendo cansativo, esgotante... No final, nada. Você sumiu!
Márcia riu sem humor, cruzando os braços, o olhar carregado de mágoa.
— Sumi? Como se não tivesse motivo? Tuas palavras são tão frias, como se não soubesses por que fui embora. — Fez uma pausa, deixando a dor transparecer. — Deixei as minhas roupas no teu quarto…, mas estavas ocupado demais com a Daniela para notar.
O silêncio se instalou como um golpe seco entre os dois, carregado de tudo que nunca foi dito.
O clima entre os dois se tornava cada vez mais carregado. A bravura e a raiva de Márcia estavam estampadas em seu rosto, enquanto Helder mantinha a postura firme, cada palavra doce sendo devolvida com uma resposta amarga.
Os copos esvaziavam e enchiam novamente, o vinho fluindo como as emoções que os cercavam. Márcia se levantou, abriu a geladeira e pegou um punhado de uvas, deixando-as sobre a mesa. Um convite silencioso para que a conversa continuasse — mais intensa, mais crua, mais perigosa.
— Márcia, para com essas conversas sem sentido! — A voz dele saiu firme, quase impaciente. — Você acha mesmo que eu estava te traindo? Como eu poderia fazer isso e, com a cara de pau, vir aqui te dizer essas palavras?
Márcia apertou os lábios, cruzando os braços sobre o peito. O olhar dela oscilava entre fúria e mágoa, como se lutasse contra tudo que sentia.
— É difícil te acreditar! — disparou, a respiração pesada. — E ainda tiveste a cara de inocente para dizer que a culpa era dela? Quem mandou abrir as pernas para qualquer um? — Sério, foste muito baixo, Helder! — continuou, sua voz carregada de desgosto. — A Daniela é uma mulher como eu. Se ela abriu as pernas, foi porque tu juraste algo que não és capaz de dar! — Seu idiota… Sai da minha casa. Agora!
Helder soltou uma gargalhada repentina, inclinando a cabeça para trás enquanto tomava mais um gole de vinho. Depois, apertou os lábios e revirou a cabeça para o lado, como se achasse tudo aquilo uma grande piada.
Márcia franziu a testa, sem entender o motivo da risada dele. Sentindo-se inquieta, puxou uma uva da tigela e a levou lentamente aos lábios, tentando chamar a atenção de Helder para si.
Ele finalmente a olhou, mas ainda com aquele sorriso irônico no rosto.
— Como tu foste boba em pensar que era eu a negar um filho — disse, girando a taça nas mãos. — Era o Edson… o meu irmão idiota, o mais irresponsável da família.
Márcia congelou por um instante, os dedos ainda segurando a fruta.
— E a Daniela? — arriscou, a voz saindo mais baixa do que gostaria.
Helder soltou um suspiro, como se estivesse exausto daquela discussão.
— A Daniela já nem está em Angola. Minha mãe a mandou para Cuba para terminar o curso de enfermagem.
O silêncio pairou entre os dois. Márcia sentiu o coração apertar no peito, o peso do mal-entendido caindo sobre seus ombros.
— Eu só queria vir e falar do teu rosto… — continuou Helder, agora num tom mais brando. — Mas você nem quer me ouvir. Acho que vou ter que mandar um e-mail para te.
Márcia baixou os olhos, sentindo o rosto arder. Não sabia como dissipar o ódio que alimentara por tanto tempo, como transformar em fraqueza aquela raiva que a sustentou. Mais ainda… não sabia como se desculpar sem ferir o próprio orgulho.
Como poderia agora se render ao desejo que, durante toda a noite, ameaçava subjugá-la?
Helder inclinou-se levemente para frente, girando a taça entre os dedos.
— Eu já vou... — disse, mas, no mesmo instante, um ruído na escada o fez parar.
Roger surgiu, os olhos se arregalando ao ver um homem conversando intimamente com Márcia na cozinha. A visão das taças de vinho e da forma como ela estava—praticamente seminua e sedutora—acendeu nele uma fúria cega. Sem hesitar, caminhou até ela, enlaçando-a num abraço possessivo e selando um beijo forçado em seus lábios, como se quisesse marcar território.
— Oi — disse, a voz carregada de tensão. — Quem és tu?
Helder segurou a taça com mais firmeza, contendo um sorriso de puro deboche.
— O guarda-costas da tua esposa — respondeu, sem pressa, deixando cada palavra pingar como veneno. — Ela não te contou? Engraçado... não sabia que havia tanta desconfiança entre os patrões.
O silêncio na cozinha ficou denso, quase palpável. Roger cerrou os punhos, enquanto Márcia desviava o olhar.
Helder poisou a taça, movendo-se sem pressa, como se fosse o dono da casa. Parou na porta e, antes de sair, lançou a última farpa, com um sorriso de canto.
— Melhor dormirem bem agarradinhos... nunca se sabe, vai que ela desaparece também. Parece que é o dom dela.
Márcia engoliu seco, sem palavras. Seus olhos seguiram Helder até a porta, e quando ele parou, olhando-a com um misto de provocação e desejo. E disse.
— Da próxima vez…
Num belo dia, dentro do carro, a sensação gelada do ar-condicionado contrastava com o calor abrasador que dominava a cidade. O trânsito caótico e o engarrafamento incessante tornavam a viagem exaustiva. Depois de enfrentar o trajeto desgastante, Márcia estacionou numa esquina, em frente ao IMS da Maianga, e seguiu a pé pelos corredores do hospital Jorgina Machel (Maria Pia).Até aquele momento, tudo corria bem. O dia estava tranquilo, sem frustrações na Ala de Geriatria. As conversas das novas estagiárias ecoavam pelos corredores, despertando a curiosidade das enfermeiras e de algumas médicas que ali passavam.Márcia respirou fundo, apreciando a calma rara daquele dia. Sentia-se leve, até que seu telemóvel vibrou, trazendo-a de volta à realidade. Uma mensagem de Roger, seu namorado. "Desculpa pela discussão de madrugada."Roger Lopes… Jovem de personalidade forte, ciumento, mas também delicado. Formado em Administração Pública, trabalhava como contabilista financeiro num dos hotéis da
O dia começou já com clima diferente em torno de mistérios e perguntas que apareceram nos momentos errados, sons de pássaros cantando, no cume das arvores que repousavam sobre a varanda do quarto de Helder.Os vidros fixados entre os vãos da porta corrida, não disfarçavam as luzes que invadiam o quarto pela manhã, e um conjunto de cores brilhando sobre o rosto de Márcia que foi traída ao anoitecer pelo calor deitando o chão os lençóis da cama.Ao som barulhento do alarme, Márcia desperta do sono, já despida e sem cueca, tomou um susto entre alma e o corpo, quando percebe que o Helder está dormindo ao seu lado, reagindo com duvidas no seu interior e questionando-se, se por ventura haveria rolado algo, entre eles na noite passada.Márcia apanha o lençol se forra ao mesmo tempo com a mão no rosto, julgando-se.— O que será que eu fiz, Meu Deus! – murmurou entre suspiros aflitos.Admirou uma tantas vezes, seu coração tomou conta da sua mente, quando desesperadamente percebe que o Roger hav
Márcia gozava de um leve sono, já com o sorriso no canto do rosto, como quem teve uma boa noite de sossego, de repente sem animo foi acordada pelo barulho desagradável provocado pelo Roger quando se preparava para ir ao trabalho.Roger ajeitou as cortinas do Quarto de um lado para outro permitindo que a luz do sol e o ar fresco entrassem ao quarto, num tom provocador quando o clima ainda estava fresco.Márcia se escondia debaixo dos lençóis de um jeito como se não tivesse pressa para se levantar da cama, mas de forma desesperada levantou-se, espreguiçando os braços e bochechando de forma serena.Levantou-se da cama, puxando a camisola, que deitava um cheiro de suor acumulado, mas não era assim tão ativo como o perfume que circulava entre os cantos do quarto, nocivo e esbelto. Márcia entrou para o banheiro, de frente ao espelho, escovou os dentes, soltou o cabelo no ritmo da canção que tocava.Sem pressa desceu as escadas, lendo as mensagens que foram enviadas durante a noite, enquanto
O relógio marcava 7:30 da Manhã. O quarto parecia vazio, envolta um silêncio quase palpável tendia se mover sobre o espaço, mas lá vinha o barulho do balão de soro, as gotas pingando lentamente e o ruído da máquina do oxigénio era constante.Entre as laterais do quarto, lá estava Márcia no meio, forrada na cama com um pano branco, a sua cabeça repousava em uma almofada aconchegante, as luzes brancas acesas dificultando a sua visão.Ao seu lado esquerdo havia um armário que sobre ela repousava um vaso com buquê de flores girassol, os aromas espalhados pelo quarto junto com o cheiro áspero do perfume da acompanhante no quarto coligavam de tal forma que era impossível não se apaixonar. No meio daquela energia abstrata, Márcia abriu os olhos, o seu espelhar perdido e estranho deu de cara com um rosto simpático e familiar, naquele instante seu sentido dorido voltou ao lugar levando a se acomodar como se estivesse em sua própria casa.E de repente soou aquela voz baixa bem próximo do seu ou
A manhã fria estava prestes a começar, carregada de energia, enquanto as luzes dos semáforos piscavam incessantemente. O trânsito, caótico como sempre, tornava a travessia ainda mais difícil. Em um piscar de olhos, todos ativaram os para-brisas. A chuva começou a cair com brutalidade, tornando a circulação quase impossível.No pulso de Márcia, o relógio marcava 8h. O clima tornou-se insuportável; a temperatura mudara drasticamente. O que antes era um frio sutil no estômago transformou-se em um calor sufocante. Somente aqueles com o ventilador do carro funcionando corretamente escapariam do desconforto.O transito não facilitava a travessia, Márcia ficava cada vez mais irritada diante aquele cenário que não queria se fechar perante o seu olhar. Passava a mão na cabeça e tornava a voltar no volante. Márcia abriu os olhos e vendo uma oportunidade para sair daquele obstáculo, um automobilista fez uma travessia incorreta deixando Márcia fecha em contramão.A sua irritação fluiu despertando
Chegou mais cedo a sexta-feira santa. O dia começando como sempre, cheio de esperança e harmonia. Uma divina sintonia que combinava com a paz que se movia sobre o quintal de Márcia. O zelador da casa ao lado limpando a piscina por descuido, o senhor tropeçou no jardineiro e acabaram jorrando água no quintal de Márcia.A água jorrava sem parar, se espalhando por todo canto como se fossem gotas de um pequeno sereno causando aqueles ruídos minuciosos, que sem querer despertaram Márcia do sono.Ainda tonta, Márcia abriu os olhos, o quarto estava escuro, mas mesmo assim aquela luzinha vindo de fora atravessava a janela, passando entre as aberturas das cortinas mal fechadas.— Que horas são? Ai, Cadê o relógio e os meus óculos. Perguntou-se a si mesma com uma voz baixa e delicada para não acordar quem já não estava na cama.Olhou a sua volta tentando encontrar um abrigo nos braços de quem passou noite consigo, mas não encontrou nada, apenas sentiu o vazio no colchão, palpando a mão, além do
Márcia acaba de chegar ao Hospital de forma natural, ajustando o vestido de maneira sensual. Ela gostava de atrair olhares no hospital, sentindo-se confiante em cada passo.Chegou ao hospital em passos rápidos, a ligadura havia sido retirada do pé, que facilitava a sua circulação normal envolta do hospital, entrou ao hospital confiante e determinada para vencer. Só não sabia o que lhe aguardava pela frente,Passou pelo departamento de emergência acenando a mão direita para os seus pacientes de Oncologia, com aquele sorriso lindo na ponta dos lábios, ela estava diferente e muito feliz, parecia até que os seus problemas haviam desaparecido.O clima estava tranquilo ao redor do Hospital, sem pressão e sem correria, passando ela entre o corredor de Anestesiologia e pelo corredor que dá acesso a área da dermatologia, arqueando bem o olhar observou estagiários da equipe do Doutor Miguel Lanzote nas macas tirando uma soneca enquanto que os seus estivam a preenchendo prontuários. Doutor Mig
O Doutor Miguel avançava a passos rápidos, e por pouco Márcia o perdia de vista. Ainda sentia nos lábios os beijos roubados de André – no carro, no corredor –, mas se forçou a correr. Parecia que Miguel a castigava pelo mal-entendido na sala.A cada passo que o Doutor Miguel Marcava, endireitava as alas do seu blazer. Márcia também fazia o mesmo, pacientes a volta que iam para uma direção diferente, pararam para observar o comportamento inadequado dos dois médicos.Subiam e desciam pelos corredores do hospital, suando tanto que mal conseguiam falar. O cheiro quente e abafado impregnava a oncologia.Márcia cansada não aguentando mais parou apoiando-se numa das macas deixadas no corredor, as patas ardiam de dor, o pé doía, pôs o inchaço ainda não havia sido curando.— Doutor Miguel, chega de palhaçada. Eu não aguento mais, estou suada, cheirando a mofo. Parece que nem tomei banho pela manhã, vamos terminar logo com isso.Márcia estava desposta a acabar com a guerra que existia entre ela