O jantar foi um total fracasso, uma guerra de testosterona. Achei que fossem se levantar e mijar no pé um do outro, tentando marcar território.
Benjamim foi embora rápido, nos deixando sozinhos. Passei a acreditar que ele queria mais do que estava disposta a dar e a presença de Alin o incomodou profundamente.
No decorrer dos dias não atendeu minhas ligações nem respondeu minhas mensagens, simplesmente sumiu sem me dar a chance de entender o que acontecia com ele ou entre nós.
Sei que vai parecer egoísmo, mas tudo em minha vida estava tão perfeito que não queria que mais ninguém se aproximasse. Estávamos em uma bolha de proteção, amor e conhecimento. Até mesmo na empresa, seguíamos tão bem, em um encaixe tão perfeito, transformando a rotina diária em algo funcional.
Conhecia Alin um pouco mais a cada momento, falava-me
Sentia-me o pior da minha espécie, um sujo precário e decrépito, escondendo-me por trás do amor que sentia por ela, mas que não era maior do que minha necessidade.Eu a amava e meu corpo doía diante a possibilidade de perdê-la, não a tocar ou não ter Ariela sob os cuidados de meus olhos. Isso afligia o meu físico e enlouquecia minha mente.Sabia que ela ainda me queria, que dormia ao meu lado sem o menor sinal de desconforto, não temia por quem eu era e em momento algum usava disso como qualquer desculpa para algo.Como poderia ser grato por tê-la em minha vida? Ainda assim, mesmo diante a esse regalo, não teria como abrir mão de sua essência, mas descobri que necessitava de pouco para transbordar.Ariela dormia deitada em meu peito, permanecia acariciando sua pele quente e macia, meus dedos marcando delicadamente por onde deslizava. Vi o exato momento em
Opressor exigiu muito de mim, afinal, a escrita tem sido minha válvula de escape e a salvação para os tormentos da minha alma. É escrevendo que consigo colocar para fora meus demônios pessoais e foi lutando com um desses demônios que a ideia nasceu. Travamos uma luta árdua e, por dois anos, vimos o câncer, literalmente, corroer a minha mãe de dentro para fora, levando de nós a figura saudável, linda e cheia de vida. Foi traumático de muitas formas e enterrar um ente querido sempre nos deixa à margem da loucura. Não sou adepta a entregar meus problemas aos profissionais da saúde, nada contra, mas comigo nunca deu certo, então corro atrás para conseguir resolver meus conflitos sozinha. Um desses conflitos chegou quando passei a ter pesadelos horríveis, carregados de dores, cobranças e perseguições. Eles são desesperadores!Escrev
Ela estava linda.Os cabelos curtos e brancos como fiapos de algodão, o rosto descansado, em paz e pode parecer loucura o que vou dizer, mas existia um leve sorriso em seus lábios.Dormia.Para sempre.O lugar estava lotado. Sempre disse que ela parecia uma candidata para alguma vaga política, pois onde ia demorava uma eternidade porque parava para conversar com todo mundo. Nada mais justo que todos fossem conversar com ela uma última vez.Esse pensamento trouxe o nó de volta à minha garganta. O sentimento que estava reprimindo, fazendo um esforço sobrenatural para manter guardado em algum lugar, não iria desabar, não ali. Ainda não.O caixão foi fechado.As pessoas se posicionaram ao redor.Caminhavam lentamente levando o corpo sem vida da minha mãe.Seu último passeio.A cada passo meu coração acelerava um po
— A última vez.Prometi em alta voz pela milésima vez, não para uma amiga ou um parente, mas uma promessa feita à mulher que me encarava no reflexo do espelho. Estava visivelmente transtornada, batom levemente borrado no canto da boca, o corretivo sob os olhos já não escondia as noites em claro, ao contrário, evidenciavam ainda mais o efeito dos pesadelos intermináveis, e o lápis preto escorreu, deixando a imagem medonha.— Você é uma vergonha, Ariela! — repreendi a imagem patética que me encarava com o mesmo desgosto, se retorcendo com a pronúncia do meu nome.Nunca entendi a necessidade da minha mãe em escolher nomes estranhos, mas ela achava o significado do meu nome lindo – Ariela, “leoa de Deus” – e eu sempre achei tão estranho quanto o nome, mas não teria como mudar aquilo, o estrago foi feito há vi
A despedida foi maçante e dolorosa. Fui criada sob o peso de ser o que minha família precisasse que eu fosse, sempre me neguei em favor do querer e da vontade deles, pois foi assim que minha mãe me direcionou a ser por meu pai e meu irmão, sempre foram eles em primeiro lugar.Olhando pela pequena janela do avião, observando Congonhas, sabendo que estou deixando para trás não somente uma vida, mas também o peso da responsabilidade que ela jogou sobre meus ombros.Mesmo sabendo que tudo ficará bem e que eles são adultos e não precisam mais de mim, não da forma que ela sempre acreditou que precisavam, ainda assim a sensação de estar falhando com minha mãe me oprime. Quero gritar e fazer uma cena dentro do avião, pedir para descer e desistir de tudo, mas no momento em que estou para cometer essa loucura, já com a mão no cinto, sinto o toque em meu p
Sinto o sorriso se espalhar em meus lábios. Gosto da sensação que antecede o terror noturno, o dela principalmente. Há tempos me pego desfrutando do desespero que assola a mente dessa jovem. Ainda me lembro da primeira vez em que o seu medo me atingiu.O pânico que, mesmo a quilômetros de distância, conseguiu atravessar minhas barreiras e encher de sabor a minha noite, veio de um pesadelo após a perda de um parente. Aprecio a ligação materna, ela gera vínculos profundos, vínculos esses que têm o poder de gerar os melhores e piores resultados. Nesse caso em específico, está destruindo a minha presa.Seus pesadelos são fortes, reais. Acaba com ela a cada noite. Preciso sentir isso de perto, preciso saborear esse desespero, tocar esse medo com meus próprios dedos, quero beber dessa iguaria e me fartar na loucura que está a mente de Ariela.Ariel
Não consigo conter as lágrimas que escorrem sem controle, me sinto tão impotente diante as minhas falhas. A cada novo pesadelo, vejo o quanto eu poderia ter feito por ela e não fiz, quantas brechas ficaram abertas e o tamanho do meu egoísmo. Foram dois anos de sofrimento, mas não para todos nós. O sofrimento maior foi somente da minha mãe, ela que sentiu em seu corpo todos os males que o câncer pode proporcionar, foi mutilada de inúmeras formas, perdeu sua identidade como mulher, definhou sobre uma cama, sentia dores alucinantes e, ainda assim, me sentia no direito de acreditar que poderia reclamar de algo.Egoísta.E ainda agora me coloco no papel de coitada atormentada, acredito ser cruel a cobrança feita.Jamais.Devo isso a ela.Meu pulso ainda está latejando onde o meu salvador imaginário tocou novamente para me puxar das minhas dívidas part
Senti sua essência no exato momento em que seus pés entraram em meu domínio. Apressada, temerosa, intimidada. Esse medo que minha doce menina tem de viver inebria os meus sentidos, atrai-me como um viciado sem controle. Ajeito-me na cadeira em meu escritório, nunca fiquei tão perto dela assim. Ainda que no vigésimo andar, sua essência parece gritar, marcando sua presença com uma força que ela nem sequer sabe que possui.Controlo a respiração. Sinto-me um incapaz, pois quero me materializar diante dela e sugar seus medos, angústias e dor até a última gota, até não existir mais nada dentro dela, deixá-la como uma casca vazia, oca, sem sentido. Sinto os dedos esmagando a madeira da cadeira, preciso conter a minha ânsia. Levanto e meus pés passam a comandar o show, caminhando rente à parede de vidro, acalmando as gavinhas que habitam em mim.