Medo

CAPÍTULO 03

Valéria Muniz

“Não posso mais ficar nesse quarto, não é mais seguro!“ — pensei ao me apressar em me vestir e pegar minhas coisas. Não encontrei meu hijab, cobri a cabeça com um sobre-lençol.

Me esbarrando nas paredes, tentando calcular a distância entre aquele quarto e a recepção eu saí chorando, sem conseguir evitar a decepção que me atormentava, até que alguém bateu forte, de frente comigo, quase caí.

— É IDIOTA OU O QUÊ? QUASE QUEBROU O MEU SALTO, PUTA DESAJEITADA! EU PELO MENOS, NÃO ANDO DE CABELOS BAGUNÇADOS PELOS QUARTOS, COBERTO COM LENÇOL SUJO!— era uma voz feminina, com um perfume doce fortíssimo, mas eu estava tão desesperada que continuei andando, encontrei o corredor e demorei para conseguir chegar à recepção e conseguir um novo quarto.

“Lençol sujo?“ — de repente estranhei, pensando nisso, mas o enrolei de baixo do braço.

Quando cheguei no quarto, tranquei com chave, grudei as costas na porta e nem respirei direito, fazendo aquela oração importante: amidá, em pé e silêncio, para que eu estivesse segura.

Ainda chorando, fui direto para o chuveiro, tocando o meu corpo e pensando que as mãos do soldado estiveram ali, mas diferente do que pensei, ele só me confundiu com alguma mulher fácil, enquanto eu, lhe entreguei toda a minha alma.

Como pude perder o controle assim? Senti o relevo do grande espelho no banheiro e nem ao menos conseguia saber como era o meu rosto hoje em dia, a última vez que me vi, tinha apenas quatorze anos, antes daquele carro bater de frente com o dos meus pais e além de levar eles de mim, me levou a luz, fiquei nessa escuridão.

Sei que não devo ser nada atraente, sinto as minhas curvas longas quando encosto no meu corpo e lembro as vozes dos meus irmãos mais velhos, dizendo como sou acima do peso, mas não vou pensar nisso agora.

Senti as lágrimas quentes caírem sobre o meu rosto, enquanto caminhava até a cama, um desconforto nas minhas áreas íntimas, mas deve ser normal pela forma como fui dele... por Deus, como me atrevo a lembrar disso?

Eu já havia aprendido a andar naquele lugar em apenas um dia, mas como poderia aprender a ignorar meus sentimentos? Agora que entreguei tudo de mim a um homem que mesmo me vendo, não se lembrou do meu rosto?

Me vesti devagar, eu precisava esquecer, superar..., mas inerte ao que acontecia ao meu redor, saltei da cama com o barulho do telefone do meu quarto que tocou.

“Ninguém jamais ligou para mim. Seria o serviço de quarto?“

“Droga, eu não poderia ser tão azarada e meu irmão ter me encontrado, seria?“ — comecei a girar o meu corpo de um lado para o outro, ainda meio perdida e apalpando entre os armários e as paredes procurando o telefone pelo barulho. Engoli o choro, e quase sem voz, atendi:

— Alô... — por Deus, a demora iria me matar, estava tremendo tanto que quase deixei o telefone cair.

Quando ouvi a voz do soldado, e de forma tão rude, deixei de lado a minha decepção. Não, claro que não deixaria que ele falasse daquela maneira comigo, já estava farta de tantas humilhações em Israel, agora sou livre, ninguém iria me humilhar novamente!

Deixei as coisas bem claras e desliguei. Tive sorte de conseguir desligar depressa e colocar o telefone no lugar certo, pois eu tremia mais que vara verde.

Com dificuldades em manter as pernas, eu procurei a base da cama, não estava conseguindo me manter em pé, eu não poderia desmaiar agora.

“Acorda para a vida, Valéria! Acorda!“ — Bati no meu próprio rosto para me lembrar que eu precisava reagir, a minha vida agora era outra.

De repente uma dúvida surgiu na minha cabeça... se aquele homem sabia o número do meu quarto, certamente apareceria aqui... que a azar, o que eu vou fazer?

Fiquei praticamente imóvel, esperando que ele fosse bater na porta a qualquer momento, completamente aflita, mas eu não abriria aquela porta, nunca!

Os minutos foram passando, e ninguém apareceu...

(...) No outro dia:

Quando ouvi o barulho do trem que estava buzinando no cruzamento, me lembrei do rapaz que é o mensageiro do hotel, e me ajuda a me locomover, é nesse horário que ele disse que chegaria, até fez alguns currículos para que eu encontrasse algum trabalho, quando cheguei.

Peguei a minha bengala e parei por um tempo na porta com ela fechada. Os sons são muito apreciados por mim, assim consigo saber de muitas coisas que acontecem ao meu redor.

Como não parecia ter ninguém, saí apressada, pedindo a Deus que o soldado não me visse, ele era rude demais, não queria encontrá-lo, mas precisava saber se alguma vaga de emprego tinha aparecido, já que foi o número do rapaz que colocamos no currículo. Porém, quando o encontrei, a notícia não era muito boa.

— Moça, até agora ninguém ligou... eu até tentei colocar coisas legais, mas nada resolveu.

— Não, não pode ser...

— Na verdade, essa não é a única notícia ruim... o dinheiro que adiantou para pagar as diárias, vence essa noite, você precisa pagar novamente para poder continuar aqui. — me apoiei ainda mais na bengala, eu não sabia o que fazer, como dormiria na rua? Meus dedos doeram apertando.

— Moço me ajude! Por favor, me indique para uma casa de família, cuido muito bem idosos e de crianças, posso fazer testes! Eu não tenho ninguém aqui, não tenho para onde ir, por Deus... onde passarei a noite, se tenho tão pouco dinheiro? — praticamente implorei, o homem ficou em silêncio. — Moço? Moço? Você continua aí?

— Olha... eu realmente não conheço ninguém assim de cabeça que precise de uma babá. — eu estava trêmula, desesperada. — Mas... se você quiser ficar no depósito de produtos de limpeza do hotel, posso dar um jeitinho... — ergui a cabeça, tentando entender.

— Como assim?

— Não me leve a mal, me desculpe... — senti a sua mão no meu ombro.

— Me diga, como é isso?

— Só eu tenho a chave, posso deixar com você. Preciso entrar de manhã e de tarde, mas precisa ficar atenta, e abrir para que eu pegue os produtos. Eu poderia perder o emprego se o dono descobrisse. Lá tem uma cama velha, posso trazer roupas de cama, só tem o cheiro forte de produtos, misturado com... bom, tem um esgoto logo ao lado, às vezes fica difícil, mas você não precisa pagar um quarto, pelo menos até conseguir trabalho. — na mesma hora fiquei animada, assim, nem o soldado seria um problema, caso quisesse brigar por aqueles motivos sem fundamento.

— Você faria isso por mim?

— Claro moça, já passei por isso. Se não fosse um homem muito bom que é amigo do meu irmão, eu jamais teria esse emprego, então se eu puder ajudar... — sorri, me sentindo aliada, eu não dormiria na rua, e nem gastaria o dinheiro de comer por esses dias para pagar o hotel.

— Eu aceito. Muito, mais muito obrigada! — procurei seu ombro, encostando duas vezes em agradecimento.

Aquele moço me ajudou a buscar as minhas coisas no quarto, e então esperei num corredor meio afastado. Depois ele veio com algumas coisas nas mãos, senti quando encostou para me ajudar a encontrar o caminho.

— Olha... sei que o lugar é ruim, mas...

— Muito obrigada, eu vou dar um jeito!

— Ah, está bem! Boa sorte. Amanhã apareça no mesmo horário para ter notícias, caso eu não venha até aqui.

— Está bem.

O moço me entregou as coisas, mas precisei ir muito devagar, estava cheia de coisas e não conhecia nada. O problema foi que só então, eu notei o mau cheiro horrível que vinha com o vento de certo lado.

Encontrei a cama quando bati a canela nela, derrubando as coisas em cima, me aproximei do lugar com cheiro forte, e foi aí que meu coração quase parou quando ouvi um barulho vindo de lá.

“Por Deus, que barulho era aquele?“

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