CAPÍTULO 05
Valéria Muniz Era um barulho do alarme de incêndio, aquilo não poderia estar acontecendo comigo, por Deus... como eu sairia sozinha por aqui? Sem conhecer nada? E sem a ajuda de um guia, como encontrei quando cheguei e consegui resolver tantas coisas? Meu corpo ficou tenso, enquanto aquele barulho me assustava. Fui batendo nas prateleiras, senti produtos caírem em cima de mim, mas me esforcei para conseguir sair. Quando cheguei na porta, quase chorei de emoção, não queria morrer bem agora que estava tão perto da minha liberdade, não era justo. Com os ouvidos super em alerta, e sentindo o ambiente mais quente, eu parei em frente a porta do quarto, tentando ser racional e não me desesperar. Pessoas falavam ao mesmo tempo, contei quatro passos da porta para frente e fui andando, mas parei quando percebi que tantas pessoas batiam e encostavam em mim, o que me deixou desesperada, sem saber o que fazer. “Eu queria tanto ver, queria saber o que estava acontecendo!“ — Alguém me ajuda? O que está acontecendo? — chamei sem saber para quem, bati a bengala ao chão, mas todos estavam se afastando. Será que ninguém me ajudaria? Uma cega não tem valor, nem aqui? Onde ouvi falar que cegos eram respeitados, e principalmente mulheres? — alguém bateu no meu braço com força e para meu total desespero a minha bengala caiu. Me abaixei e comecei a procurar, sujando a mão pelo chão, parecia ter corrido de mim, não encontrei... espalhei as palmas das mãos por vários lados, também reparei que o barulho parou. — Ai! — Alguém pisou nos meus dedos, doeu bastante, fiquei nervosa, mas não achei a bengala, até que alguém encostou em mim. — Calma moça, está aqui a sua bengala! — a voz era de uma mulher. Tentei levantar o rosto, por impulso abri bem os olhos, eu queria muito voltar a enxergar. — Obrigada, eu não sei o que está acontecendo, estou tão perdida. Pegou fogo no hotel? — a moça me ajudou a levantar, eu fiquei muito apavorada. — Não, fique tranquila. Foi apenas um disparo do alarme de incêndio por falta de manutenção, esse hotel está cada vez pior. O dono não investe há muito tempo, foi recentemente preso e daí causa esse alvoroço. — Então, não está pegando fogo? — respirei um pouco aliviada, me apoiando na bengala. — Não, volte para o seu quarto, quer ajuda? — automaticamente me lembrei que ninguém poderia saber onde eu estava, e também havia contado os passos. — Imagina, não precisa! Muito obrigada, obrigada mesmo, mas agora consigo voltar. — De repente percebi o cheiro dela, era muito parecido com aquele perfume forte que esbarrou em mim pela manhã, mas porque estava tão diferente? Parecia gentil, até a voz era diferente, “era outra”. — Tem certeza? Não me custa ajudar... — Eu vou ficar aqui, vou tomar um ar um pouquinho... — menti. O mensageiro do hotel seria prejudicado se descobrissem onde eu estava. — Está bem, se cuida! — eu agradeci e fiquei no mesmo lugar, não tinha certeza se a mulher já havia ido, e se realmente não tinha incêndio, mas não tive outra opção, precisava voltar para o quarto ou ir até a recepção, mas com o movimento era arriscado me derrubarem. Quando o cheiro da mulher diminuiu, eu dei quatro passos para trás, e me virei, apalpando as paredes à procura da porta, até que encontrei. Fiquei em silêncio, tentando ouvir vozes, mas parecia ser apenas um susto. Comecei a andar devagar, me lembrei do percurso e como era o quarto, então fui me abaixando e colocando as coisas que caíram no lugar, e tentando me acostumar com o mau cheiro que voltei a sentir bem forte, vindo do esgoto. Guardei a bengala ao lado da cama. Já estava acostumada a arrumar camas pequenas como essas, sempre arrumei a minha e a dos meus três irmãos, é uma tarefa simples pra mim, depois de tanto tempo, então deixei bem arrumada, tirei o hijab e os sapatos, então deitei. Havia uma fresta que era de onde vinha um cheiro do esgoto, passava vento e tive medo de aparecer ratos, então não consegui dormir, passei a noite com medo, me virando de um lado para o outro. . Acabei pegando no sono de manhã. E, acordei com o barulho de batidas na porta, vesti o hijab que estava na bolsa e os sapatos, contei os passos até a porta, mas só abri porque ouvi a voz do rapaz que me deixou ficar, dizendo que era ele. — Que bom que veio. Alguma notícia de trabalho? — segurei na parede e na bengala, ansiosa por uma boa resposta. — Olha, eu não sei exatamente. A moça da recepção comentou que ontem, em meio o alvoroço do disparo do incêndio, esqueceu de te dar um recado e agora você já tinha feito check-out e não teria como te dar. — Você perguntou do que era? — Sim. Mas lembrando, você não pode ir até ela, aqui é como se você tivesse ido embora, pode sair pelos fundos para comer em alguma das lanchonetes lá de fora. — Está bem... — eu esperava pela notícia. — Bom, o recado... Era que Aaron Muniz ligou e perguntou se você estava hospedada aqui, e como foi antes do check-out e mudança de turno, ela confirmou. Ele disse que viria ontem mesmo atrás de você e agradeceu... — Não pode ser... — fiquei paralisada, se Aaron me encontrasse era o meu fim, eu precisava sair imediatamente desse lugar. Automaticamente vieram na minha cabeça as palavras que ele usou na última vez que me ligou ainda em Israel, quando precisei jogar o celular fora: — “Te achei sua safada! Não ouse fugir daí, vou te levar agora mesmo para o seu noivo, ele aceita que tenha saído sem permissão, desde que se case imediatamente!“ — comecei a mover a cabeça, negando. A bengala caiu no chão, com a tremedeira e o desespero que me deu. Não me casaria com aquele velho repugnante, não, não casaria... “Preciso fugir daqui!“CAPÍTULO 06 Valéria Muniz — Calma, aqui está a sua bengala. Por que ficou tão nervosa? — o rapaz perguntou com uma voz suave. — Eu preciso sair desse hotel. Meu irmão está atrás de mim, ele não pode me encontrar, me ajude moço, por favor! — procurei pelas mãos dele, ele segurou. — Meu nome é Rafael, pode me chamar assim. Eu te ajudo a se manter escondida aqui, se esse homem pode te causar mal... — Não, eu preciso ir, ele sempre me encontra, preciso ir. — comecei a andar naquele corredor pequeno e com cheiro ruim, procurando as minhas coisas, apalpando tudo, com medo de encostar no que não devia, peguei a minha pequena bolsa. — Olhe, eu não tenho muito dinheiro, mas posso te pagar para que me ajude a encontrar um quarto em uma pensão mais barata. — Fui tentando sair, e ele me ajudou. — Você está muito nervosa... olha, espera até o final do dia, não posso ir com você, agora. É só ficar lá dentro, posso te trazer uns pães e também almoço, não se apavore. Meu coração estava d
CAPÍTULO 07 Valéria Muniz A pior parte quando não se consegue ver, é saber que você está sozinha, não há ninguém por você. Se você cair, terá que se levantar, se não encontrar o seu caminho, terá que depender de estranhos, correndo riscos que você nunca saberá ao certo a profundidade deles e, sobretudo, se sentir numa escuridão interna, sabendo que ninguém poderá te encontrar lá dentro, porque você não tem ninguém. É exatamente assim que me sinto... numa completa escuridão. Se sempre foi assim? Não, já tive uma vida coberta de luz, mas se apagou. Assim o meu coração dói, segurando na porta de um carro estranho, onde o vidro está totalmente aberto, mas me sinto presa, implorando internamente para que ainda existam pessoas boas, e me deem apenas uma chance, de provar que não sou inútil por ser cega. O silêncio me mata a cada segundo, “mamãe, me sinto tão perdida!“ “Você me disse que sempre estaria comigo, mas onde está? Eu não consigo te ver!“ . — Você disse que sabe cuidar d
CAPÍTULO 08 Valéria Muniz Momentos seguintes, na casa de Anelise: Eu concordei com tudo o que ela dizia, só queria um trabalho e também fugir de Aaron. Ela me deixou conhecer um bebezinho muito cheiroso, de apenas cinco meses, que se chamava Samuel, e na mesma hora me acalmei com um anjinho daqueles, “ela confiou em mim”. — Olha, filho, a sua babá chegou! — se aproximou de mim, e senti ela com o bebê, me entregando. — Nossa, ele é tão quietinho! Não estranhou. — Como sabe que ele está acordado? Samuel é bem silencioso. — ajeitei o pequeno nos meus braços, e ouvi pequenos resmungos. — Através dos sons, movimentos corporais, mesmo que poucos, consigo identificar. — encostei o bebê perto de mim, gosto de sentir a respiração, a temperatura, me sinto mais confiante. — Puxa... — ela se expressou mostrando que estava impressionada com algo. Naquele dia, ela me mostrou toda a casa, tudo que o bebê usaria, e como funcionava. Dona Anelise me deu um quart
CAPÍTULO 09 Theodoro Almeida [Mensagem de texto de Anelise] — Você está bem? Não consegui te achar por esses dias, você vem no meu casamento, não é? — fiquei olhando para o celular e pensando que poderia ter sido eu o escolhido para se casar com ela, mas não disse nada. Respirei fundo, comecei a digitar uma mensagem, mas apaguei, pensei melhor e comecei novamente, eu não gostaria de ferir o coração da minha doce Ane. — Vou sim, estou muito bem, porém cheio de trabalho! — digitei, enviei e depois joguei o celular sobre o criado. “Era hoje... o dia em que eu precisaria enterrar esse sentimento que tenho por ela, esquecer que um dia já a amei, e pensar nela apenas como uma amiga. Sem muita cerimônia, olhei o único traje social que tinha no armário. Não era dos mais novos, então decidi ir fardado para Curitiba. Levarei o soldado Messias, mesmo que meu coração seja outra vez esmagado, não será a primeira vez, então eu aguentarei. . Enquanto Anelise casava com Vicente, tentei
CAPÍTULO 10 Valéria Muniz As palavras daquele homem eram dolorosas demais pra mim. Aguentei firme a cada insulto, não deixaria que ele me fizesse abaixar a cabeça, como meus irmãos sempre fizeram, eu o responderia à altura e precisaria esquecê-lo o quanto antes. Vi seu vulto a alguns passos. — Você é muito atrevida, sabia? — ouvi e senti a aproximação dele, estava muito perto de mim. — Se é cega... como sabe que estou fardado, para tentar me diminuir? — Uma pessoa cega sabe identificar muitas coisas, através do som, cheiro e percepções que seres humanos “perfeitos” não são capazes, sabia? — essas palavras doeram em mim, porque já estou tão cansada de julgamentos, por isso não gosto que fiquem me ensinando as coisas que já sei, me esforço para aprender rápido. — Olha, eu não quis ser indelicado, sei perfeitamente sobre isso que acabou de dizer, eu só estou perguntando como sabia que estou fardado? Você consegue ver algumas coisas com os óculos? — me virei para o outro lado,
CAPÍTULO 11 Theodoro Almeida Eu tive dúvidas em certo ponto da conversa, se aquela mulher realmente era uma acompanhante sexual. Iria perguntar novamente, mas depois de falar que era do hotel e não negar nada, não havia dúvidas... Aquele sangue que vi no lençol não significava nada do que eu pudesse estar imaginando. Foi bom reencontrar a Ane, sinto que agora consegui que ocupe um espaço diferente na minha vida, serei apenas o tio do filho dela. Com tantas pessoas não vi para onde a Valéria foi. Queria ter conversado com ela sobre ter me ajudado naquela noite, mas só a vi quando saiu com Samuel, Ane e Vicente... pelo visto conseguiu a confiança deles. Acabei voltando para o hotel, mostrei a cidade para o Messias, e depois voltamos para Guarapuava. Dias depois... . Desde aquele dia, fiquei inquieto. Principalmente depois que descobri que Valéria trabalha na casa da Ane... então, quando recebi uma notificação, não resisti: — “Venha comer o bolo de mêsversário do Samuel,
CAPÍTULO 12 Valéria Muniz “Cadê a minha bengala? Cadê a bengala?“ Me agarrando nas paredes, fui procurando por ela. O pior é que com esse tenente me agarrando e me beijando, deixei de contar os passos, tenho dúvidas de onde estou, “por Deus, que ninguém tenha visto isso, nem o beijo”. Onde estou? — Val? — era a voz da dona Anelise. — Aqui senhora, peço desculpas, mas acho que me perdi pelo movimento da casa. — Ah, estamos na frente do banheiro do corredor, fique tranquila! — segurou na minha mão. — Ah, obrigada... me dê alguns minutos e estará tudo como antes. — Olha, se caso esqueceu, eu posso te explicar novamente... — De maneira nenhuma, já me lembrei de tudo, volto logo! — entrei apressada no banheiro, fechei a porta e escorreguei no chão, encostada nela. Meu corpo tremia inteiro, aquele tenente me causas muitas coisas, isso não pode voltar a acontecer... Em silêncio comecei a ouvir uma conversa do lado de fora, era dona Anelise e... “ele”. — Também se perde
CAPÍTULO 13 Valéria Muniz — Eu não vou com você, me solta! — ele agora me segurava com as duas mãos, e com uma delas prensava o charuto para me queimar. Eu não podia gritar, se meus patrões vissem eu poderia perder o emprego. Estava com o rosto quase grudado nas grades e temi que quebrasse meus óculos outra vez, só a sua voz já me desestabilizava. — Seu noivo ficou furioso porque você fugiu. Sabe quantas desculpas eu precisei dar? Hein, Valéria? Você vai voltar agora mesmo, comigo. Vai lavar, massagear e beijar os pés dele para tentar conseguir o seu perdão, vai precisar implorar, porque ele até já me adiantou o pagamento! — fiquei em estado de choque. — Como assim, pagamento, Aaron? Eu não sou como as mulheres de lá! Não vou permitir que me venda como escrava para aquele velho, horrível, que já matou esposas de tanto maltratar! Ele soltou as minhas mãos, mas me grudou nas grades pelos cabelos, segurando o hijab. — Você não tem querer! Pegou as minhas joias e vendeu a preços d