02. O Chamado do Lobo

Karev

O silêncio dentro do carro era ensurdecedor.

Dirigia sem rumo, as mãos firmes no volante, a mente girando como um furacão.

"Você não é só humano. Você é um lobo."

As palavras de Mallory ainda ecoavam nos meus ouvidos.

Ridículo.

Absurdo.

Impossível.

Então por que minha pele estava quente, como se algo se movesse sob ela?

Meu peito subia e descia rápido, cada respiração mais pesada que a anterior. O maxilar travado, os dedos apertando o volante até os nós ficarem brancos.

Era raiva.

Era confusão.

Era medo.

E era algo mais. Algo primitivo. Algo que eu não sabia nomear.

Desde que pisei em Denver, senti que havia algo diferente nesse lugar. Algo que fazia meu corpo reagir de formas que eu não entendia. Não foi só a merda da revelação sobre meu pai.

Foi outra coisa.

Palavras soltas que ouvi aqui e ali.

Alfa. Beta. Alcateia.

Eu não sabia o que significavam, mas algo dentro de mim sabia. Algo dentro de mim reconhecia essas palavras.

E toda vez que as ouvia, aquela inquietação dentro de mim parecia... se acalmar.

Perguntei sobre isso em algumas conversas casuais, e meus amigos riram.

"Ah, é aquele pessoal maluco que acredita que descende de lobisomens. Mutantes ou alguma coisa assim."

"Eles acham que têm habilidades especiais, sei lá. É engraçado pra caramba."

Rimos juntos, e eu não dei importância.

Mas agora?

Agora minha mente queimava com dúvidas que eu não sabia como responder.

E o pior de tudo foi a forma como Mallory reagiu quando aquele som escapou de mim.

Aquele rosnado.

Aquilo veio do fundo do meu peito, como se sempre tivesse estado ali, esperando para sair.

E Mallory não pareceu surpresa.

Ela não riu.

Ela não me chamou de maluco.

Ela sabia.

Ela sabia o que diabos estava acontecendo comigo.

E eu precisava de respostas. Agora.

E eu sabia onde encontrá-lo.

Gabriel Dixon.

O homem que me abandonou antes mesmo de saber da minha existência. O homem que Mallory conhecia e respeitava.

O homem que, supostamente, tinha sangue de lobo.

Eu o vi pela última vez perto da piscina, na competição. Então foi para lá que eu fui.

O centro aquático estava praticamente vazio quando entrei. Algumas luzes ainda estavam acesas, refletindo na água límpida. O cheiro de cloro ainda impregnava o ar.

E ele estava lá.

Sozinho, parado perto da borda, olhando para a água como se procurasse algo dentro dela.

O som dos meus passos ecoou pelo ambiente. Ele virou a cabeça levemente, mas não se moveu.

— Precisamos conversar. — Minha voz saiu dura, sem espaço para enrolação.

Gabriel suspirou, como se já soubesse que esse momento chegaria.

— Eu imaginei que viria me procurar.

Ele se virou para mim, os olhos cansados, mas firmes.

Agora que eu o via de perto, a semelhança era inegável.

A mesma estrutura óssea. O mesmo olhar afiado.

E, de alguma forma, isso me irritou ainda mais.

— Então fala. — Cruzei os braços, o peito subindo e descendo com a fúria contida. — Mallory me disse que eu sou um lobo. O que caralho isso significa?

Ele ficou em silêncio por um momento.

Então inclinou a cabeça levemente, como se estivesse me estudando.

— Eu imaginei que seu lobo nunca tivesse se manifestado, ao ser criado como um humano.

Minha paciência evaporou.

— Fala de uma vez o que isso quer dizer. — Minha voz saiu mais baixa, mais rouca. Quase um rosnado.

O olhar de Gabriel se estreitou ligeiramente.

— Desde quando começou a senti-lo?

— Desde que pisei nessa droga de cidade. — Passei uma mão pelos cabelos, exasperado. — Desde que ouvi aquelas palavras. Alfa. Beta. Alcateia.

Os olhos dele brilharam por um breve instante.

— E quando você ouviu essas palavras, o que mudou?

Aquilo me irritou.

— Que tipo de pergunta é essa?

— Responda.

A pressão no meu peito aumentou, e a forma como ele me encarava fez algo dentro de mim se render.

Minhas mãos se fecharam em punhos.

— Eu me senti... estranho. Como se... como se finalmente estivesse no lugar certo.

Gabriel soltou um longo suspiro e passou a mão pelo rosto.

— Merda, seu lobo quer espaço. Se você não aprender a lidar com ele, vai se machucar.

— Então é verdade? — Dei um passo para frente, meu corpo inteiro tenso. — Eu sou algum tipo de aberração, metade humano, metade monstro?

Os olhos dele endureceram.

— Você não é um monstro, Karev.

Soltei uma risada amarga.

— É mesmo? Porque ultimamente meu corpo está agindo como se tivesse vida própria. — Cerrei os dentes. — Estou mudando. Sentindo coisas que não deveria sentir. E ninguém me diz nada.

Gabriel hesitou por um momento.

— Eu queria ter te contado antes...

— Então por que não contou?! Estou na cidade há duas semanas, te procurando. Por que não me achou?

Ele desviou o olhar para a água.

— Porque eu achava que você estava seguro vivendo sua vida como humano. Que talvez isso nunca despertasse. Mas parece que me enganei.

Meu peito se apertou.

— Isso é real, então?

— Sim.

Minhas entranhas se reviraram.

Gabriel inspirou fundo e me olhou nos olhos.

— Você é meu filho. O sangue de um lobo corre em suas veias. Você é um híbrido, Karev.

O ar ao meu redor pareceu pesar.

Meu coração bateu forte contra o peito.

— E agora?

Gabriel cruzou os braços.

— Agora, ou você aceita isso e aprende a controlar, ou um dia vai perder o controle sem aviso.

Minha respiração ficou irregular.

Então senti.

Algo se mexendo dentro de mim. Algo vivo. Algo querendo sair.

Minha pele formigou, e um som grave reverberou no fundo da minha garganta.

Meus olhos se fixaram nos dele.

— Me ensine.

Gabriel assentiu.

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