Capítulo 1

O passado me assombra todos os dias, sempre me pergunto como consegui chegar aonde estou. Foi um milagre, essa é a única explicação. Um milagre!

Não era para eu ter uma vida tão confortável e minhas irmãs um lugar seguro para morar. Não era para eu ter um emprego que além de me pagar bem, ainda me dá benefícios por ser quase da família. Quase.

 Emma fez o que tinha que fazer para manter nossa família unida e agora é a minha vez de fazer uma escolha, mas porque está sendo tão difícil?

— Eu preciso de um minuto —falei saindo do quarto do pequeno Otávio.

Foi por causa dele que toda essa loucura começou, eu quis ficar perto dele desde o momento em que o vi chorando por causa das cólicas e a antiga babá não saber o que fazer. Eu sabia, sempre soube, ajudei minha mãe a criar minhas irmãs, eu tinha jeito com os pequenos.

Fui até a parte externa da casa e me sentei no banco em frente ao jardim de rosas, um tributo a mãe de Otávio que morreu após o parto. Ali era um lugar calmo, onde eu conseguia colocar minha cabeça no lugar, conseguia me sentir melhor e mais tranquila. Conseguia pensar com clareza o que eu precisava fazer.

Agora que Emma e as meninas estavam em segurança, eu precisava pensar o que faria de minha vida. Ser babá e governanta para o resto da vida ou encontrar alguém para formar uma família como sempre fora a vontade de minha mãe. Ela sempre entendia o que eu estava sentindo, e ser forte pelas outras fez com que eu deixasse meus sonhos e desejos de lado e ninguém enxergava como aquilo me doía, somente minha mãe teria visto. Ela era incrível, eu sentia tanto a sua falta.

Na noite anterior o sr. Antônio me fez a oferta para ser a governanta de sua casa, pois eu estava lidando muito bem com tudo. Ele queria que eu cuidasse de sua casa como fazia com seu bem mais precioso, seu filho.

Antônio era o irmão mais velho de meu cunhado, Álvaro, casado com minha irmã Emma e responsável pelos cuidados de minhas irmãs mais novas. Ele era tudo que ela sempre quis na vida, e após o surto de meu pai, a salvação de nossa família.

Fiquei de dar uma resposta hoje, mas ainda não sabia o que fazer. Eu já estava fazendo aquele papel, só não recebia por isso, ainda. Eu sabia que era capaz, mas algo me travava. Algo além da minha compreensão.

Toda vez que eu o via eu sentia algo estranho, não é como se meu coração fosse sair do meu peito, mas algo mexia comigo, algo me fazia esperar pelo olhar dele sobre o filho e sorrir com o amor que ele transmitia. Algo sempre me fazia esperar seu bom dia e seu boa noite, algo que eu não sabia o que era.

— Rosely — fechei os olhos já sentindo Bianca atrás de mim — O que eu faço para o jantar? O sr. Antônio disse que teremos convidados — tenho certeza de que eram seus pais. A dias ele tinha me comentado que faria algo do gênero.

— Nós não deixamos uma lista de cardápios para a semana, Bianca? — falei sem me virar, eu estava cansada, mas não de ajudar, eu estava cansada da minha rotina.

— Sim, senhorita, mas...

— Mas qual o problema com o cardápio de hoje?

— É simples demais — eu conhecia os condes melhores que elas e sabia que não se importavam com luxo e sim com sabores, coisa que Bianca era excelente.

— Então me diga qual é? — Bianca era uma menina nova, com apenas 25 anos. Perdeu os pais cedo e teve que se virar para se manter na vida, com 19 anos aprendeu a cozinhar na casa da família em que trabalhava e a um ano veio trabalhar para o sr. Antônio.

— Arroz branco, 3 tipos de saladas de folhas e com frutas da época, carne assada, frango assado e pernil e pensei em fazer uma salada gelada para acompanhar.

— E o que há de errado? — me virei para olhá-la. Ela era uma moça muito bonita, seu namorado morria de ciúmes de Antônio, e nós riamos da falta de cabimento dessa situação. Seus cabelos eram claros e encaracolados que viviam presos em um coque por conta de sua profissão, nada que impactasse em sua competente, mas tinha medos que não condiziam com suas mãos.

— Não acha simples?

— Não, não acho, suas escolhas são sempre perfeitas, por que tem medo?

— Eu nunca servi pessoas tão importantes — sorriu de lado.

— Eles são pessoas simples, por mais que tenham títulos, não precisa se preocupar — me levantei limpando as mãos na saia do vestido.

— Sua irmã é casada com um deles, eles não vão te julgar, já eu — fez o seu drama de sempre, prendendo os dedos firmes nas saias.

— Não é julgamento, eles te pagam para lhes oferecer o melhor e é isso que você faz. Não é porque você acha simples que eles vão achar.

— Então acha que está realmente bom? Não precisa de nenhum toque final.

— Ah, mas é claro que precisa. Você não me disse o que vai fazer de sobremesa. — Fui até seu lado e indiquei para voltarmos para dentro da casa.

— Para a sobremesa, vou preparar um bolo mousse que aprendi com a senhorita, o sr. Antônio o adora. — Sorri de lado. Modéstia parte meus dotes culinários eram excelentes e sempre impressionaram os futuros condes.

— Certo, então pode fazer isso mesmo, está ótimo para mim e tenho certeza que para eles também.

— Obrigada, senhorita.

Ela ficou na cozinha e eu continuei a andar pela casa e ver se todos os outros criados estavam realizando seus serviços da melhor maneira. No jardim ao redor da casa tudo estava em ordem, os móveis do térreo estavam brilhando e subi para o primeiro andar. Passei no quarto de Otávio que continuava dormindo como um anjo e fui até os quartos. Encontrei Janice terminando de arrumar o quarto de Antônio.

Depois que sua esposa faleceu, ele se mudou para o quarto de visitas e aos poucos ia dando uns toques de sua personalidade marcante. Tudo ali era muito sóbrio com cores fortes e sem muitos detalhes. Ele gostava de manter tudo de uma forma fácil e rápida de resolver.

— Já estou quase acabando, senhorita — nem percebi que já estava dentro do quarto, sentindo o cheiro dele impregnado em cada móvel.

— Sem problemas, Janice — fui até a cortina e a alisei. Eu não sei por que aquela peça me atraia tanto.

— Senhorita, devo arrumar um quarto a mais, caso os condes resolvam dormir aqui? — confirmei com a cabeça.

— Faça isso, é melhor pecar pelo excesso. — Ela confirmou e saiu do quarto e fui logo atrás dela.

A casa estava pronta, e os aromas da cozinha se espalhando. Dificilmente, Antônio vinha almoçar em casa, mas sempre pedia para deixar as coisas no jeito caso ele aparecesse. Almocei com os outros criados na cozinha rindo de suas histórias sem fundamento sobre como estavam lidando com as proximidades do final de ano.

— Esse ano eu já falei para o Joaquim que se ele não me pedir em casamento, eu termino tudo — todos a mesa riram. Antônio tinha duas camareiras, duas cozinheiras, um jardineiro, 4 seguranças e 2 motoristas, fora eu de babá e governanta. Eu achava demais, mas quem seria eu para falar qualquer coisa. Isso era uma coisa dele e da falecida esposa.

— Mas e se ele não te quiser desta forma? — Luana falou olhando para Bianca.

— Aí eu vejo o que faço depois, mas não vou passar mais um ano com ele nessa indecisão. Ele está me enrolando — todos riram menos ela.

Ouvimos um chorinho e já me levantei da mesa.

— O principezinho acordou — Janice falou chegando com ele a cozinha. Seu olhar sobre ele era doce. Não tinha uma pessoa que não se encantasse por Otávio.

— Obrigada — o peguei no colo e Luana se levantou para me trazer a mamadeira.

— Aqui, senhorita — eu a ofereci a ele que pegou e sugou o líquido me encarando.

— O que foi rapazinho? Nunca me viu? — brinquei com ele e um sorrisinho apareceu no canto da boca.

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