O dom e a donzela cega
O dom e a donzela cega
Por: Paula Tekila
Capítulo 1 - Uma mudança no destino!

Guadalupe sempre foi uma jovem forte, determinada e jamais se deixou abater pela deficiência visual. Desde cedo, fez questão de ser o mais independente possível dentro de suas limitações. Ela nunca teve o desejo de se casar, pois sempre sonhou em dedicar sua vida a Deus, apesar da vontade dos pais, que, por serem idosos, desejavam que ela tivesse uma família e a proteção de um marido.

Dom Andreas, por outro lado, sempre foi um galanteador incorrigível, conhecido por viver de cama em cama, até ser obrigado a se isolar em uma fazenda. Quando viu Guadalupe pela primeira vez, ficou encantado com sua beleza e com a força que ela demonstrava ao enfrentar a vida. O desejo de possuir essa mulher despertou nele uma obsessão perigosa, levando-o a tomar atitudes cruéis para se casar com ela. Porém, ao se ver apaixonado, ele não conseguiu admitir esse sentimento, nem para si mesmo, nem para Guadalupe, o que causaria sofrimento a ambos.

Puebla, México – 1900

Esther, mãe de Guadalupe, reflete sobre o milagre que foi sua filha:

– Foram tantos anos sonhando com a bênção de sermos pais. Aos 49 anos, Deus me concedeu a dádiva de gerar e dar a Leonel seu filho varão, mas os desígnios do Senhor são inexplicáveis. Tive uma bela menina. Sofri muito no parto, pois meu corpo já não tinha a mesma força de outrora, mas no fim, ela nasceu trazendo esperança para nossa família.

Apesar da alegria, o sofrimento logo veio. Leonel, inicialmente frustrado por não ter um filho homem, rapidamente se apegou à pequena Guadalupe, tão bela, branquinha, de olhos verdes. Porém, quando perceberam que a menina não acompanhava o olhar de seus pais, descobriram que seus lindos olhos não tinham luz.

– Eu chorei por meses, pedindo a Deus um milagre – recorda Esther. – Mas então compreendi que ela já era uma bênção e o maior presente que nosso Pai celestial poderia nos dar.

A família vivia de forma simples, sustentada pela venda de leite, milho e ovos. Quando Guadalupe completou 10 anos, seu padrinho, Saulo, presenteou-a com um potro, que ela chamou de Raio de Sol. O animal desenvolveu um forte laço com a menina, aprendendo a guiá-la por meio de cheiros: cânfora indicava a fazenda de Saulo, e alecrim, a cidade.

– Papai, onde o senhor está? – Perguntou Guadalupe, tateando os móveis.

– Venha, filha, pode vir. Tem que confiar e aprender a ser independente! – Respondeu Leonel, esperando-a de braços abertos.

Guadalupe sempre foi destemida. Apesar de sua condição, nunca se escondeu do mundo ou deixou de brincar com as outras crianças. Os filhos de Saulo, Luíza e Gabriel, eram seus companheiros constantes. Com o tempo, a jovem cresceu, transformando-se numa bela mulher de 17 anos, chamando a atenção de muitos rapazes da região.

Durante uma reunião familiar, Saulo comentou:

– Meu filho não se cansa de elogiar a beleza de Guadalupe. Ele está certo, nossa pequena esmeralda está a cada dia mais linda.

Gabriel, que sempre fora apaixonado por ela, confirmou:

– Não há outra como ela em toda a região.

Esther, mesmo sem querer pressionar a filha, não resistiu:

– Mesmo tão novinha, já dispensou tantos pretendentes que até me preocupo se algum dia irá se unir a alguém.

Guadalupe, já cansada desse tipo de conversa, respondeu irritada:

– A senhora sabe que não quero me casar. Já falamos sobre isso tantas vezes!

Leonel tentou acalmar a filha:

– Sua mãe e eu já estamos velhos. Tem que pensar no futuro. Quem irá te proteger quando não estivermos mais aqui? Quem vai cuidar desse rancho?

– Papai, podemos falar sobre isso em outro momento. Agora, quero apenas celebrar mais um ano de vida.

Saulo, percebendo o desconforto da jovem, sugeriu ao filho:

– Por que não entrega a ela seu presente?

– Posso pegar sua mão? – Perguntou Gabriel.

– Sim – respondeu Guadalupe, um tanto desconfiada.

Gabriel colocou em seu dedo um anel modesto, mas significativo: uma esmeralda que simbolizava o amor que ele nutria por ela desde a infância. Todos ali sabiam da recusa de Guadalupe em relação ao casamento, mas o gesto indicava a esperança de Gabriel de um dia conquistá-la.

– É um anel lindo, filha, e da cor dos seus olhos! – Disse Esther, emocionada.

– Muito obrigada, Gabriel, e padrinho – respondeu Guadalupe, educada. – Sinto muito que Luíza e minha madrinha não tenham vindo. Espero que ela melhore logo.

Após o almoço, Saulo sugeriu:

– Por que não leva Gabriel até a saída, filha?

– Claro, papai – concordou Guadalupe.

Gabriel a acompanhou até a porta, e apesar de saber que todos ali torciam por um romance entre os dois, Guadalupe não se irritava com isso. Era uma situação corriqueira.

– Posso te levar um dia desses para cavalgar perto da cachoeira? – Perguntou Gabriel, esperando um sim.

– Podemos levar Luíza também? Tenho algo para falar com ela – disse Guadalupe.

Apesar do desejo de Gabriel de um encontro mais íntimo, ele concordou:

– Claro, vou convidá-la para ir conosco.

Dias depois, a fazenda dos Riveiro, que ficava entre o rancho de Leonel e a propriedade dos Ferreira, voltaria a ser habitada. O novo morador era Dom Andreas, o herdeiro do falecido comendador. Ele era um homem à frente de seu tempo, gastando fortunas em festas e mulheres, até que uma lesão pulmonar o forçou a se mudar para o campo.

– Um fim de mundo, literalmente! – Resmungou Dom Andreas, ao chegar à fazenda. – Não tem sequer um cassino nessa cidade!

– Seu pai adquiriu toda a riqueza aqui, com essas terras – respondeu Amélia, a fiel empregada da família.

Dom Andreas deu de ombros, mas logo algo chamou sua atenção: ao longe, ele viu Guadalupe cavalgando em seu cavalo Raio de Sol, seus longos cabelos negros esvoaçando ao vento. Ele ficou fascinado.

– Quem é essa joia preciosa? – Perguntou ele a um dos peões.

– Essa é Guadalupe, filha de Leonel. Eles são humildes, mas muito respeitados por aqui.

– Humilde, é? Bom, já vi que há algo aqui que pode trazer o velho Andreas de volta – disse ele, com um sorriso malicioso.

No dia seguinte, Dom Andreas mandou Sebastião, o capataz, até a casa de Leonel com um convite para jantar. Porém, Leonel recusou.

– Diga a esse homem que agradeço, mas não temos interesse em conhecê-lo.

Quando Sebastião voltou com a resposta, Dom Andreas não ficou desapontado. Pelo contrário, o desafio apenas aumentou seu desejo.

– Ele pode não aceitar meu convite, mas encontrarei outra forma de me aproximar de Guadalupe – murmurou Dom Andreas, seus olhos brilhando de malícia.

No dia seguinte, Guadalupe montou em seu cavalo, pronta para mais uma de suas visitas à cidade. Esther, observando-a, comentou:

– Às vezes me impressiono com sua beleza, filha.

– Diz isso porque me ama, mamãe.

– Tenha cuidado, você é uma mulher linda, e o mundo pode ser cruel – advertiu Esther.

– Não se preocupe, mamãe. Quando sinto o vento no rosto, parece que nada me falta.

E com um sorriso, partiu, sem imaginar que Dom Andreas já havia traçado seus planos.

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