O Capitão Aurélio sentia que estava carregando toneladas de trabalho em suas costas enquanto subia os últimos degraus que o separavam da porta de sua casa. Em um tipo de ritual inconsciente, tateou os bolsos laterais de suas calças em busca do molho de chaves, antes de encontrá-lo no bolso traseiro, onde sempre guardava. A chave deslizou pelo buraco da fechadura e girou com facilidade, fazia pouco tempo que ele tinha lubrificado as dobradiças e despejado grafite em pó para que a chave parasse de enroscar, afinal, não aguentava mais as reclamações de sua mulher, Simone.
Apesar das frequentes pequenas brigas e do excesso de preocupações que o Capitão levava para casa, seu casamento era muito feliz, sempre
- Todos vocês, prestem atenção no que nosso mais eminente General tem a nos dizer, suas palavras nos levaram a ação e a ação nos levará à vitória! Em seus sonhos mais megalomaníacos, João Klauss, que tinha trinta e cinco anos de idade, alto e, apesar de parecer muito saudável, magérrimo, louro de olhos claros, sustentado pelos pais, nunca, em sua vida, exercera atividade remunerada. Imaginava-se como um grande líder que guiaria o povo do Cone Sul, composto por São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul em uma cruzada, primeiramente visando separar a região do resto do insignificante Brasil e depois buscando expulsar ou matar todos negros, nordestinos e
Retirado do Evento “Marcha do bom cidadão de Angabaíba” criado por João Klauss no Facebook:Marcha do bom cidadão de AngabaíbaSábado, 30 de março às 15:00Daqui a 5 diasAv. Boa EsperançaAvenida Boa Esperança, 1100, Centro, Angabaíba O Grupo “Supremacia Branca” com o intuito de mostrar para as autoridades de nossa tão amada cidade que ainda existem moradores apegados à moral e aos bons costumes promoverá uma marcha destinada a manifestação dos bons cidad&
Era pouco mais que uma hora da tarde e uma pequena concentração de pessoas já podia ser vista na Avenida da Prosperidade, o grupo era composto principalmente por jovens, mas aqui e ali era possível identificar algumas pessoas mais maduras. Gustavo não costumava participar de manifestações, muito menos se envolver em disputas ideológicas, mas daquela vez a situação era diferente, os possíveis assassinos de seu amigo de infância estavam organizando uma marcha que, nas entrelinhas, defendia que as pessoas não precisavam se preocupar com essa morte, afinal a vítima era um criminoso, ele era negro. Para ele, não fazia o menor sentido a existência de pessoas que defendessem o assassinato de quem quer que seja, como se houvesse seres humanos melhores e seres humanos piores e ficava chocado com
“Eu me tornei insano, com longos intervalos de horrível sanidade”(Carta para George Washington Eveleth , 4 de janeiro de 1848 - Edgar Allan Poe) - Um fracasso! Um total fracasso! Era para ter sido o nosso grande dia e fomos sabotados! Fomos traídos por aquela polícia frouxa! Fomos traídos! Passados para trás! Fizemos papel de otários! O que mais eu posso dizer? Aqueles pretos, viados e comunistas nos passaram a perna e nós caímos! A luz acesa não era o suficiente para iluminar a garagem apertada onde duas dezenas de jovens estavam espalhados, escorados nas três paredes da garagem, imó
O celular despertava, já no terceiro ciclo da função “soneca”, quando Gustavo parou de tentar se iludir e jogou as cobertas no chão. Ainda ficou um tempo deitado, imóvel, no sofá, mas já estava acordado e não conseguiria voltar a dormir. Ainda sonolento, caminhou, arrastando os pés, até o banheiro enquanto despia a cueca. Tomou um banho demorado e quente. - Mas que merda! Apenas quando saia do banho é que reparou que o toalheiro estava vazio, pensou em suas alternativas, a mais fácil se
O jovem descia a Rua Canadá, na periferia da cidade, e parecia estar imerso em sua mente. Apesar dos fones de ouvido o volume estava tão alto que quem passasse por perto poderia identificar Negro Drama dos Racionais Mcs. As lembranças do que tinha visto na tarde do sábado ainda atormentavam Beto. Ele tinha plena certeza de que o melhor que poderia fazer era tentar esquecer e fingir que nada acontecera. Nada parecia dar certo nos últimos dois meses e se tentasse se meter em mais coisas que não eram seu interesse tudo iria acabar ainda pior. A faixa tracejada do asfalto passava com velocidade por baixo do carro, os poucos veículos da via davam passagem, mas pareciam estar praticamente parados. A sirene ecoava pela noite, como um sinal de mau agouro, muitas famílias em suas casas sentiam uma pontada de angústia, pensando se estaria tudo bem com o parente ausente. E o Capitão Aurélio seguia em seu ritmo frenético para apoiar seus colegas e subordinados em ação. Conforme se aproximava do Jardim Nova Luz, local da ocorrência, teve de deixar a grande Avenida Carlos Marighella e se embrenhar nas tortuosas avenidas menores que levavam ao bairro de periferia. Nestas ruas menores, praguejava pela impossibilidade de andar em alta velocidade. Há muitos meses, a polícia civil vinha investigando um ponto de tráfico de drogas na região, coletando informações e elaborando uma o22
A casa verde estava à venda, já há alguns anos que ninguém morava nela e, aparentemente, há tempos que ninguém fazia alguma visita para ver se a casa precisava de alguma manutenção. Os muros externos da casa mediam cerca de um metro e meio, apesar da cor original ser o verde, ele já estava quase totalmente coberto por pichações e por um novo tom de verde, mais escuro, dos musgos que se proliferavam. A casa não possuía garagem, a única entrada era um portão comum, de barras de ferro, muito corroído pela ferrugem, que era mantido fechado por um cadeado. Estranhamente o cadeado era novo e parecia estar em ótimo estado. Joaquim ficou alguns minutos parado em frente ao portão, fumando um cigarro e coçando a barba que crescia em seu pescoço. Terminado o cigarro ele estralou os dedos e olhou para o