A casa verde estava à venda, já há alguns anos que ninguém morava nela e, aparentemente, há tempos que ninguém fazia alguma visita para ver se a casa precisava de alguma manutenção. Os muros externos da casa mediam cerca de um metro e meio, apesar da cor original ser o verde, ele já estava quase totalmente coberto por pichações e por um novo tom de verde, mais escuro, dos musgos que se proliferavam. A casa não possuía garagem, a única entrada era um portão comum, de barras de ferro, muito corroído pela ferrugem, que era mantido fechado por um cadeado. Estranhamente o cadeado era novo e parecia estar em ótimo estado.
Joaquim ficou alguns minutos parado em frente ao portão, fumando um cigarro e coçando a barba que crescia em seu pescoço. Terminado o cigarro ele estralou os dedos e olhou para o
Muitos conhecidos ficavam admirados com a força de vontade de Cibele, comentavam como ela tinha superado rápido a perda do namorado e ficavam aliviados em ver como ela continuava com a mesma risada sonora e gostosa de sempre. O que eles não sabiam é que todos os dias, ao entardecer, Cibele começava a chorar enquanto tomava banho e só parava quando tinha que sair do quarto para fazer alguma coisa. No entanto, Onério, avô de Cibele, sabia. A fina parede que separava os dois quartos não era o suficiente para abafar os soluços de desespero da garota e Onério também chorava enquanto o choro de sua neta durasse. Este homem, que derramara poucas lágrimas em seus mais de oitenta anos, chorava agora por toda uma vida, como se fosse responsável pelo sofrimento da neta. Repentinamente, grossas gotas de chuva passaram a desabar, batendo violentamente contra a janela, empurradas por lufadas de vento. Como se não bastasse o tempo ruim, as notícias recebidas por telefone também não eram nada agradáveis. Plínio escutava cada palavra com máxima atenção, o telefone sem fio colado à orelha, os olhos arregalados. A mão espalmada no vidro da janela, como se o mau tempo fosse o responsável por ter trazido as más notícias. Sua prima Marina estava desaparecida há três dias. O último sinal de vida dado por ela era uma publicação no facebook, reclamando do tédio e anunciando que iria se juntar à manifestação. Depois de algumas respostas25
Após esperar quase três horas por uma brecha da chuva, que castigava incansavelmente toda Angabaíba, Eliseu chegou à conclusão de que se esperasse por muito mais tempo, seria mais fácil dormir direto na fábrica onde trabalhava do que voltar para casa, tirar um cochilo, e voltar para o trabalho no dia seguinte. Quando, às cinco horas da tarde, percebeu que a única maneira de chegar em casa seria enfrentando a tempestade, preferiu conversar com seu supervisor sobre a possibilidade de fazer hora extra até a chuva passar. O acordo acabou sendo feito de maneira não oficial, como já estava acostumado, ao invés de receber a remuneração, poderia descontar essas horas em outro dia. Vinha fazendo isso, esporadicamente, na tentativa de juntar dois dias inteiros de descanso e assim emendar a quinta e a sexta feira que seguiriam o dia do
- Tô te falando, Aurélio, o cacete do Mauro não vai fazer nada... Ele colocou na cabeça dele que o Supremacia Branca está envolvido e não quer me ouvir. Você sabe, a hora que vocês chegaram na casa que eu fui baleado já não tinha mais nada lá... O quarto de Joaquim era um lugar simples, ele estava deitado em uma cama de solteiro, que ocupava uma das quinas do quarto, a lateral da cama ficava encostada na parede da janela e o sol da tarde batia em suas pernas. Na outra quina do quarto ficava a escrivaninha totalmente bagunçada, carteira, celular, desodorante, perfumes, papeis de propaganda, notebook, uma das gavetas, entreaberta, revelava um caos de papéis.
Enquanto terminava de alimentar a tabela do excel com dados referentes a compra de insumos para o Lava Rápido Lady Wheels, onde trabalhava como auxiliar administrativo, Paulo pensava em como seu mundo mudou nas últimas semanas. Sua aparência era outra, não precisava mais andar por aí fingindo ser um miliciano, sua maneira de tratar as outras pessoas transformara-se, não queria mais tentar se mostrar mais importante que ninguém, apesar de algumas vezes o hábito ainda superar a consciência. Mas a verdadeira mudança era processada no interior de sua mente. Tentava não dar importância para a cor de sua pele, mesmo que algumas vezes os pensamentos racistas aparecessem em sua mente com uma cruel naturalidade. Nesses momentos forçava sua mente a se lembrar dos seus novos amigos, uma negra e um mulato, e como eles se divertiam juntos
As ruas de Angabaíba nunca foram tão desertas quanto naquela primeira semana de abril, mesmo que as pessoas fingissem que estavam vivendo suas vidas normalmente. Os comércios estavam todos abertos, mas faltavam consumidores, os poucos habitantes que de fato não viam motivos para ficar alarmados se deliciavam com o centro da cidade todo à disposição. Agências bancárias sem fila; sem tempo de espera nos correios; e até o pronto-socorro do hospital da cidade parecia mais vazio. Pela manhã, Larissa foi surpreendida por sua mãe. Ela e seu irmão, Guilherme, estavam prontos para ir para a escola. O garoto já tinha separado as sacolas de lixo da casa para levar à
Gustavo caminhava como um zumbi. Seus olhos semicerrados ainda se acostumavam com a luz do dia. A caminhada para a casa da sua mãe levaria cerca de hora e meia, mas ele preferia isso a ficar parado por meia hora em um ponto de ônibus. Tinha acabado de acordar, somente vestiu uma roupa um pouco menos velha que a usada para dormir e escovou os dentes. Eu amo demais essa velha, só ela pra me fazer sair da cama antes das onze! Que história será essa de almoço em família? Ou deve ter acontecido alguma coisa muito boa, ou alguma coisa muito ruim. As ruas do bairro eram normalmente
O movimento do Restaurante Bom de Boca não foi alterado pela onda de violência que assolava Angabaíba. Apesar do número de pessoas, da quentura da comida e do espaço ser pequeno, a temperatura do restaurante se mantinha agradável, controlada por um aparelho de ar condicionado e de uma enorme fonte que dava ao ambiente o suave som de água em movimento. Aproveitando do frescor, Cibele continuava conversando, sentada em uma mesa, na companhia de Pedro, seu amigo, colega de trabalho e também militante, os pratos de ambos já estavam vazios há algum tempo. - Essa é a primeira vez que saímos para almoçar de carro e você ainda acha que as coisas não estão fora do