As ruas de Angabaíba nunca foram tão desertas quanto naquela primeira semana de abril, mesmo que as pessoas fingissem que estavam vivendo suas vidas normalmente. Os comércios estavam todos abertos, mas faltavam consumidores, os poucos habitantes que de fato não viam motivos para ficar alarmados se deliciavam com o centro da cidade todo à disposição. Agências bancárias sem fila; sem tempo de espera nos correios; e até o pronto-socorro do hospital da cidade parecia mais vazio.
Pela manhã, Larissa foi surpreendida por sua mãe. Ela e seu irmão, Guilherme, estavam prontos para ir para a escola. O garoto já tinha separado as sacolas de lixo da casa para levar à
Gustavo caminhava como um zumbi. Seus olhos semicerrados ainda se acostumavam com a luz do dia. A caminhada para a casa da sua mãe levaria cerca de hora e meia, mas ele preferia isso a ficar parado por meia hora em um ponto de ônibus. Tinha acabado de acordar, somente vestiu uma roupa um pouco menos velha que a usada para dormir e escovou os dentes. Eu amo demais essa velha, só ela pra me fazer sair da cama antes das onze! Que história será essa de almoço em família? Ou deve ter acontecido alguma coisa muito boa, ou alguma coisa muito ruim. As ruas do bairro eram normalmente
O movimento do Restaurante Bom de Boca não foi alterado pela onda de violência que assolava Angabaíba. Apesar do número de pessoas, da quentura da comida e do espaço ser pequeno, a temperatura do restaurante se mantinha agradável, controlada por um aparelho de ar condicionado e de uma enorme fonte que dava ao ambiente o suave som de água em movimento. Aproveitando do frescor, Cibele continuava conversando, sentada em uma mesa, na companhia de Pedro, seu amigo, colega de trabalho e também militante, os pratos de ambos já estavam vazios há algum tempo. - Essa é a primeira vez que saímos para almoçar de carro e você ainda acha que as coisas não estão fora do
- Puta que pariu! O folgado do Gustavo resolveu me deixar na mão no dia da folga do Marcelo! Vou ter que tomar conta dessa merda de locadora sozinho...Márcio era uma figura caricata. Parecia exatamente com o desenho de um burguês rabiscado por algum cartunista de esquerda, alto e obeso, a barriga só não era revelada por estar bem presa pelo cinto da calça social. Seus braços e suas pernas não pareciam pertencer ao mesmo tronco gordo, pois eram relativamente magros. A papada escondia o pescoço e se derramava por sobre o colarinho. Teimava em manter os poucos fios de cabelo, que sobreviventes da calvície, penteados para o lado.Entrou na locadora e sentiu que alguma coisa estava estranha. Fechou novamente a porta da frente para impedir a entrada precipita
Retirado do caderno Cotidiano do jornal Folha de São Paulo em 14 de abril de 2013:Onda de violência atinge Angabaíba, pequena cidade da região de Campinas No último mês os casos de violência no município de Angabaíba cresceram quase q
A estante que ocupava a parede no fundo da sala estava repleta de livros de direito e Joaquim imaginava quantos deles nunca sequer foram folheados pelo Delegado Mauro. O homem sentado atrás de sua escrivaninha ainda não tinha chegado aos quarenta anos de idade e parecia ser mais novo do que realmente era, usava o cabelo cortado estilo tigelinha o que dava a ele uma aparência de bocó que sempre incomodava os investigadores. Com uma atitude extremamente pedante, o notebook aberto, falava com uma voz monótona que fazia Joaquim devanear, descobrindo inúmeros detalhes da decoração da sala. Ele nunca reparara no taco solto do piso, perto da parede, Será que tinha um tapete aqui? Também nunca tinha notado em como a decoração da sala particular da delegacia era mais rica
Outro carro passou em velocidade, levantando a poeira, fazendo com que os cinco rapazes que caminhavam no acostamento fechassem os olhos. A Rodovia Miguel Melhado Campos parecia não ter fim e não fosse a sombra das árvores da margem direita da pista, todos eles já estariam sofrendo as consequências da insolação. Por várias vezes ficaram tentados a beber a água do Rio Capivari que corria a algumas centenas de metros da estrada. O horizonte não era nada animador, após horas de caminhada a paisagem continuava quase inalterada, de um lado o rio e vestígios da mata atlântica, do outro um descampado e eventuais indústrias.Paulinho não conseguia acompanhar os outros, apesar de realizar os mesmos treinamentos exaustivos que seus companheiros, além de sua constituição ser mais franzina, sofria de rinite e a crise de espirros e tosse que o acometi
Os três casais estavam sentados na grande mesa da sala de jantar. O cômodo estava bem iluminado pelo grande lustre central repleto de pequenas lâmpadas que imitavam o formato de velas. Não eram os únicos na casa. Da sala era possível ouvir o volume exageradamente alto do televisor. Uma toalha verde aveludada cobria toda a mesa e um deles distribuía cartas que escorregavam pela mesa com suavidade.- Oito, nove, dez, onze! Que é isso? Não precisa conferir!Aquela a seu lado esquerdo também empilhava dois pequenos montes com onze cartas cada. Soltou um silvo ao perceber que sobraram poucas em sua mão e todos na mesa riram.- Não foi dessa vez! Tentou girar a chave na porta pela primeira vez sem sucesso, empurrou a porta e repetiu o processo, a mesma resistência. Pela terceira vez, puxou o trinco em sua direção enquanto tentava girar a chave, uma, duas voltas. Estranho, a Simone deve ter deixado a chave na posição errada. Entrou em casa e pelo cheiro já sabia que sua mulher não estava, quinta-feira? Ela deve estar no centro espírita, estaria praticamente sozinho, posto que sua sogra, com uma idade surpreendentemente avançada, quase nunca saía do quarto.37