capítulo 3

Capítulo 03 

Eliza Campos

O despertador insistia em tocar, me arrancando de um sonho no qual eu já tinha conseguido o emprego. Soltei um suspiro e me sentei na cama, ainda meio grogue. A discussão com minha mãe no dia anterior passou pela minha mente, mas afastei o pensamento. Não era hora de lidar com aquilo. Levantei e fui até a cozinha esquentar o café de ontem.

Enquanto aquecia, fechei os olhos por um momento, respirando fundo. Aquele era meu pequeno instante de paz antes do caos do dia começar. O apito do micro-ondas me trouxe de volta à realidade. Peguei a xícara, me sentei à mesa e saboreei cada gole, apreciando o silêncio que preenchia o apartamento. Mas não por muito tempo. O telefone tocou, me tirando dos meus pensamentos.

Olhei para a tela. Número desconhecido. A curiosidade falou mais alto.

— Alô?

— Oi, Eliza! Aqui é a Carla, da Monteiro. Adoramos seu currículo e gostaríamos de te chamar para uma entrevista. Amanhã às 10h está bom para você?

— Sim, claro! Dez horas está ótimo.

— Perfeito! Anote o endereço e, se puder, chegue uns minutinhos antes. Leve um portfólio, se tiver.

— Pode deixar! Até amanhã.

— Até amanhã, Eliza. Boa sorte!

Desliguei o telefone e fiquei parada por alguns segundos, ainda segurando a xícara quente. Uma mistura de ansiedade e empolgação tomou conta de mim. Era a chance de mudar minha vida. O sorriso escapou antes que eu percebesse: precisava contar para o Matheus. Ele ia ficar tão feliz. Foi ele quem insistiu para eu me candidatar à vaga.

Ele atendeu rapidinho.

— Oi, Liz! Aconteceu alguma coisa?

O jeito como ele disse meu nome fez meu coração acelerar, trazendo à tona lembranças que eu preferia manter guardadas. Respirei fundo, tentando manter a voz firme, mas a empolgação transbordava.

— Matheus, você não vai acreditar... A Carla acabou de me ligar!

Do outro lado da linha, ele riu com satisfação.

— Eu te disse que ia dar certo!

Apertei o celular como se ele fosse minha âncora no meio daquela tempestade de sentimentos.

— Espero que dê mesmo... — murmurei, sem conseguir disfarçar a insegurança.

Por um momento, ficamos em silêncio, ouvindo apenas a respiração um do outro.

— Vai dar certo, Liz. Eu sei que vai. Quer que eu vá aí e a gente almoça juntos? Assim você relaxa um pouco.

Sorri, sentindo o peito aquecer.

— Adoro a ideia. Mas nada complicado, hein?

— Relaxa. Vou preparar algo rápido. — Ele riu, e aquela risada me deixou leve. — Vou passar no mercado e já estou indo.

— Beleza. Estou te esperando.

Desliguei o telefone sorrindo feito boba. Matheus não era só meu melhor amigo. Ele era meu porto seguro.

Pouco depois, ele chegou como um furacão, jogando as sacolas na bancada da cozinha.

— Meu Deus, você trouxe o mercado inteiro? — brinquei, rindo.

Ele riu também e me deu um beijo rápido na bochecha, me pegando de surpresa. Antes que eu pudesse reagir, ele me lançou um sorriso conspiratório, os olhos brilhando de um jeito que fazia meu coração disparar.

— Hoje é um dia especial. Você merece um almoço de verdade.

Tentei espiar o que ele estava fazendo, mas ele me impediu com um olhar divertido. Senti minhas bochechas esquentarem.

Depois do almoço, estávamos na cozinha, e o clima entre nós mudou. Seus olhos, antes leves e brincalhões, agora me olhavam de um jeito diferente. E então, ele estava ali, tão perto, até que nossos lábios se encontraram. O beijo foi hesitante, mas cheio de intensidade.

Por um segundo, me deixei levar, mas a culpa me puxou de volta. Me afastei devagar.

— Matheus... a gente não pode. Não de novo. — murmurei, sem conseguir encará-lo.

— Por quê? — A dor na voz dele apertou meu peito.

Eu devia uma explicação, mas as palavras simplesmente não saíam. Tudo o que vivemos parecia estar ali, como uma foto antiga — bonita, mas distante.

— As coisas mudaram, Mat... — sussurrei, mais para mim do que para ele. — E eu não consigo mais ser o que você precisa.

Ele respirou fundo e, sem dizer nada, saiu. O som da porta se fechando ecoou na minha cabeça, e o silêncio que ficou me engoliu por completo. As lágrimas vieram sem aviso, quentes e salgadas. O vazio que ele deixou parecia enorme.

[...]

O sol se pôs e a noite tomou conta da cidade. Estava no sofá, agarrada ao celular, com uma vontade louca de mandar uma mensagem para ele. As palavras dançavam na minha cabeça, mas o medo me travava.

Antes que eu pudesse decidir, meu celular vibrou. Era uma mensagem dele. Meu coração disparou.

Li a mensagem várias vezes, tentando absorver cada palavra. Era um pedido de desculpas. Um peso saiu dos meus ombros, e eu finalmente soltei o ar que nem sabia estar segurando.

Escrevi de volta: “Obrigada por se desculpar, Mat. Eu também sinto muito. Precisamos conversar com calma sobre isso.” Hesitei por um segundo e, num impulso, acrescentei: “E sim, aceito a carona amanhã. Vamos conversar.”

Apertei em enviar e soltei um suspiro profundo.

Levantei e fui até a janela, respirando o ar fresco da noite. As luzes da cidade brilhavam lá fora, e, pela primeira vez em muito tempo, senti uma ponta de esperança. Um sorriso discreto surgiu nos meus lábios.

Decidi deixar meus sentimentos de lado por hoje. Amanhã seria um novo dia, e a entrevista era o meu foco.

Organizei meu currículo, revisei tudo e escolhi uma roupa profissional, mas confortável. O nervosismo foi dando lugar a uma determinação renovada. Me olhei no espelho e sorri, orgulhosa por finalmente dar um passo na direção dos meus sonhos.

A entrevista era minha chance, e eu não podia desperdiçá-la. Apaguei a luz e me deitei, sentindo meu corpo relaxar. A ansiedade ainda estava lá, mas agora misturada com uma vontade de recomeçar.

Amanhã, eu daria o primeiro passo. E quem sabe, depois disso, um passo na direção do Matheus.

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