Capítulo 02
Eliza Campos
Eu estava prestes a sair da lanchonete quando percebi que algo estava errado. Matheus sempre me protegeu na escola, mas agora o silêncio e o olhar desviado me deixavam inquieta. Apertei meus dedos, um tic nervoso que eu costumava ter quando criança. Era como se estivesse voltando ao passado. Aquele passado em que eu o amava e ele me amava, mas a droga me levou para longe de tudo.
— Você tá bem, Math? — perguntei, tentando entender o que estava passando pela cabeça dele.
Ele desviou o olhar e cruzou os braços, os dedos apertados a ponto de deixar as veias salientes. O Matheus que eu conhecia, que eu amava, parecia distante.
— Lizz... — ele murmurou. — Preciso te contar uma coisa, mas talvez não seja o momento certo.
Tentei puxar assunto, mas ele se levantou, claramente desconfortável, fazendo a cadeira ranger. Pagou a conta e saiu sem olhar pra trás. Fiquei lá, confusa, tentando entender o que havia acontecido. O silêncio da lanchonete parecia gritar, e cada barulho ecoava na tensão do ar.
Quando cheguei em casa, pensei que finalmente poderia relaxar, mas minha paz foi embora ao ver meu irmão Lucas encostado no portão, mexendo no celular. Ele me viu e se aproximou, com um sorriso brincalhão.
— Você estava com o Matheus, né? — Lucas disse, com aquele sorriso que sempre me fazia revirar os olhos. — Ele sempre foi meu cunhadinho preferido, hein?
Revirei os olhos, tentando afastar as lembranças da lanchonete. Eu amo meu irmão, mas não estava no clima para as piadas dele.
— É... só tomamos um café — respondi, tentando ignorar o aperto no peito.
Lucas balançou a cabeça, com um sorriso irônico, enfiando as mãos nos bolsos.
— E aí, o que rolou?
Suspirei, sentindo o nó na garganta.
— Ele conseguiu uma entrevista pra mim na Editora Monteiro.
Antes que Lucas pudesse dizer mais alguma coisa, nossa mãe apareceu de repente no quintal, interrompendo a conversa. O clima ficou tenso, como se alguém tivesse jogado um balde de água fria na gente.
— Uma vaga? — ela perguntou, a voz cortante. — Lá vem você novamente com esse conto de fadas. Eu já não te falei que não quero você nessa empresa?
Caminhei de um lado para o outro, tentando processar as palavras dela. O peso das palavras dela me atingiu como um soco. Mordi o lábio inferior, tentando segurar as lágrimas.
— Sim, mãe. — Minha voz saiu quase em um sussurro.
Ela deu um passo à frente, soltando um suspiro e arrumando o cabelo de maneira brusca. Um sorriso amargo apareceu, mas seus olhos pareciam perdidos, presos a um passado doloroso.
— Você acha que vão te aceitar lá? — perguntou, cheia de desdém. — Você não passa de uma...
Ela não precisava terminar a frase; eu já sabia do que ela estava falando. O peso das palavras dela me atingiu como um soco. Mordi o lábio inferior, tentando segurar as lágrimas que estavam prestes a brotar.
— Por que... — minha voz tremia. — Por que você sempre faz isso? — As palavras saíram quase como um sussurro, com medo de quebrar o silêncio pesado. — Por que você tenta destruir meus sonhos?
Enquanto falava, minha agitação interna não conseguia me deixar parada em um só lugar. Ela me encarou com uma expressão dura, como se minha dor não importasse.
— Você nunca aprende, Eliza — disse ela, a voz cortante. — Estou te preparando pra a realidade. Você não tem ideia do que é preciso pra sobreviver nesse mundo, ainda mais depois de tudo que seu pai fez.
A menção ao meu pai me fez sentir um nó no estômago. Lembrei da última vez que o vi, abatido, com os olhos cheios de decepção. A culpa por ter causado sua partida me consumia e, ao mesmo tempo, eu tinha que ser diferente. Essa oportunidade na editora era a chance de provar que eu podia ser mais do que ele. Que eu não repetiria os mesmos erros.
Mas eu mantive a postura, determinada a seguir meu caminho.
— Estou esperando uma ligação da editora — respondi. — Quando me chamarem, eu vou aceitar. Não sou como ele, mãe. — Meu peito subia e descia com dificuldade. — Vou lutar pelo meu futuro, com ou sem seu apoio.
De repente, ela se aproximou e me deu um tapa. A dor explodiu no meu rosto e eu senti um arrepio. A raiva brotou dentro de mim, fazendo meu peito arder.
— Você é inacreditável — gritei, as lágrimas se acumulando.
Recuei, colocando a mão no rosto e olhando para o chão, deixando as emoções transparecerem no meu corpo.
— Vamos ver quanto tempo essa ilusão dura — disse ela, a voz fria.
A raiva fervia dentro de mim.
— Mãe, espera! Você não pode simplesmente sair assim! O que aconteceu com nosso pai não é culpa minha... eu cometi erros, mas estou tentando fazer diferente.
Ela hesitou, o olhar confuso. Uma lágrima solitária escorreu pelo seu rosto, que eu sabia que era de raiva.
— O que você sabe sobre o que aconteceu? — a pergunta dela soou quase como um desafio.
— Sei que você não precisa continuar me punindo. — Minha voz tremia. — Quero ser melhor do que ele. Quero construir minha própria vida.
O silêncio se instalou, mas a tensão era diferente. O olhar dela parecia suavizar.
— Você ainda tem muito a aprender. — disse, com a voz menos firme e então, sem mais palavras, saiu levando consigo o meu irmão, que já estava sob a influência dela.
E eu continuei ali, parada, com a mão no rosto, sentindo a queimação na pele. A dor se espalhava por mim como fogo, me sentindo dilacerada por dentro. Ver ela se afastar, com uma lágrima solitária, só me deixou mais confusa.
Quando entrei em casa, coloquei a bolsa no sofá e fui direto para o meu quarto. O silêncio era sufocante, e a sensação de vazio e incerteza me oprimia. Estava perdida, sem saber o que fazer.
Ao passar pela mesinha, derrubei um porta-retratos, mas não me importei em pegar. Minha mente estava a mil. Peguei a foto de família na mesa de cabeceira e a olhei por um momento, deixando os sentimentos transparecerem no meu olhar.
Cai no sofá, tentando me distrair. Abri um livro, mas as palavras dançavam diante dos meus olhos. O dia parecia arrastar, e logo o céu alaranjado deu lugar à noite.
Depois de finalmente me acalmar, decidi preparar algo rápido pra comer, buscando conforto nas pequenas rotinas, mas a solidão voltou a me envolver. Após comer, voltei para o quarto e me deitei na cama. As sombras da rua desenhavam formas nas paredes. Fechei os olhos, esperando que o sono chegasse, mas minha mente não parava, presa nas incertezas do amanhã.
Capítulo 03 Eliza CamposO despertador tocava sem parar, me tirando do sono. Resmunguei, me sentando na cama, ainda grogue. A discussão com a minha mãe martelava na cabeça, mas decidi deixar para lá por enquanto. Fui para a cozinha esquentar o café de ontem.O cheiro familiar do café me envolveu, e eu fechei os olhos por um instante. O apito do micro-ondas me puxou de volta à realidade. Peguei a xícara e me sentei à mesa, tomando goles do café morno. O silêncio do apartamento era uma paz temporária. Sabia que não ia durar muito.E não durou. O telefone tocou, me tirando dos meus pensamentos.— Alô? — atendi, tentando parecer calma.— Oi, Eliza! Aqui é a Carla, da Monteiro. Seu currículo chamou nossa atenção! Podemos marcar uma entrevista amanhã, às 10h?Meu coração disparou.— Sério? Sim, tô livre!— Ótimo! A gente quer conhecer suas experiências e como você pode se encaixar aqui. Ah, e traz seu portfólio, tá?— Pode deixar! Obrigada pela oportunidade!— De nada, Eliza. Estamos ansios
Capítulo 04Eliza CamposMeu coração batia acelerado, como se estivesse prestes a saltar do peito, e a inquietação me consumia, dificultando minha respiração.Tentei relaxar sob o chuveiro quente, mas a sensação de nervosismo persistia. O vapor envolvia meu corpo, criando um ambiente de calor e conforto, mas minha mente continuava agitada. Passei mais tempo debaixo do chuveiro do que o normal, como se pudesse lavar a ansiedade, mas ela não saía.Saí do banho e me enrolei na toalha, procurando algo no meu armário que me fizesse sentir confiante. Encontrei o vestido azul — meu favorito. Elegante e confortável, ele sempre me transmitiu segurança. Me arrumei com cuidado, tentando afastar os pensamentos perturbadores.Enquanto ajustava o cabelo no espelho, o celular tocou, interrompendo meus devaneios.— Oi, Matheus? — falei, enquanto calçava os sapatos, tentando soar mais animada do que realmente estava.— E aí, Lizz? Já tá pronta? Tô aqui fora te esperando. — A voz dele era tranquila, mas
Capítulo 05Pedro MonteiroO despertador tocou, me acordando de um sono leve. A luz da manhã já entrava pela janela. Espreguicei-me com cuidado, tentando não acordar Heloísa. A briga de ontem ainda estava na minha cabeça – mais uma discussão que não resolveu nada e só nos deixou cansados.Fui ao banheiro e me olhei no espelho. A cara de cansado refletia o que eu estava sentindo. Passei a mão no rosto, como se pudesse apagar o cansaço. Atrás de mim, Heloísa dormia tranquila, nem ligando para a noite passada.Peguei um terno preto no guarda-roupa e me vesti rápido. O trabalho na Editora Monteiro não dava folga. Na cozinha, fiz um café forte, mas o gosto amargo não ajudou a aliviar a tensão.No estacionamento, entrei no carro. O barulho do motor ligado me deu uma sensação de controle, por pequena que fosse. O trânsito estava bom, e quando estacionei na editora, vi algumas pessoas esperando na entrada – provavelmente candidatos para as entrevistas do dia. Carla, minha assistente, me cumpr
Capítulo 06Eliza CamposMeu coração disparou enquanto acompanhava Carla até a recepção. O olhar intenso de Pedro me deixava nervosa, como se ele pudesse ver tudo sobre mim, e eu estava até agora sem entender o motivo dele me olhar daquela maneira. Cada passo parecia pesado, e eu estava prestes a desabar.— Eliza, bem-vinda à equipe! Aqui estão seus horários. Você começa amanhã e vai cuidar da agenda do Sr. Monteiro. Sua sala é aquela ali, perto da do Pedro — disse Carla.Ela parecia tão confiante, enquanto eu me sentia meio perdida, quase frágil, como se pudesse desabar a qualquer momento. Pensei em contar pra Carla sobre meu passado, mas a lembrança do Jonas me fez travar. Me recordei de quando ele me dava sorrisos falsos e da dor que ele me causou quando terminamos.— Nossa, o trabalho tá uma loucura aqui! Muitos autores nacionais estão chegando, e tá sendo bem legal, sabe? — comentou ela, toda animada.— É, imagino. Deve ser um desafio — respondi.— É, mas é maneiro! Você vai ver.
Capítulo 07Eliza CamposTinha que contar tudo a Matheus sobre Jonas. Um aperto no peito me sufocava. Cada palavra era um nó na garganta. Era um peso enorme, uma verdade que carregava há tempos. Precisava dividir.— Matheus, sabe... encontrei o Jonas hoje. — A voz saiu quase como um sussurro, e eu me senti um pouco tonta. — Foi rápido, mas... me pegou de surpresa. Não tava esperando. — Meu coração disparou e temi que ele percebesse o tremor na minha voz.Ele me encarava com aquele olhar compreensivo, uma ruguinha de preocupação surgindo em sua testa. Aquilo me deixava ainda mais nervosa.— Sério? O que aconteceu? Ele aprontou alguma coisa?— Não, estávamos na mesma entrevista, e ele foi contratado também. Mas foi o suficiente pra me dar um susto. Fiquei com medo de recair.Ele se aproximou e recuei, sentindo um friozinho na barriga. Ele hesitou por um instante, como se estivesse escolhendo as palavras certas.— Sobre... o que rolou ontem... — ele começou, mas eu o interrompi, desviando
Capítulo 08Eliza CamposSaí da minha sala com aquele friozinho no estômago; a reunião estava prestes a começar. No fim do corredor, avistei a Carla. Segurei o papel com firmeza e respirei fundo, tentando reunir coragem para falar com ela.— Carla! — chamei, acenando. — Preparei algo especial para a reunião. Quer dar uma olhada?Seus olhos brilham como se estivessem dizendo: "Conta tudo!", me encararam.— Deixa eu ver! — respondeu, toda animada.Carla pegou o papel e, enquanto olhava, seu rosto se iluminou com um sorriso enorme.— Uau, Lizz! Isso ficou incrível! Você arrasou!— Sério? — perguntei, um pouco insegura. — Tava com medo de ter exagerado...Ela me olhou nos olhos, como se conseguisse ler minha mente.— Olha, a gente ainda tá se conhecendo, mas posso dizer: você mandou muito bem! Eu adoraria ter uma apresentação assim.Senti um calorzinho no peito. Era bom saber que alguém que eu mal conhecia já estava do meu lado.— Obrigada! — respondi, me sentindo um pouco mais confiante.
Capítulo 09 Eliza CamposEu estava nervosa, esperando pela Carla. A reunião seria no último andar do prédio, e meu coração estava a mil. A situação era complicada, especialmente com a presença de Jonas, Cassandra e Heloísa — que, para minha surpresa, era noiva do Pedro.Respirei fundo várias vezes até que Carla apareceu no final do corredor. Quando ela chegou, senti um alívio misturado com nervosismo. Uma lágrima quase escapou, mas me esforcei para que ela não percebesse.— E aí, pronta? — perguntou Carla, sorrindo.— Vamos nessa — respondi, tentando esconder o tremor na voz. Minha respiração acelerada já entregava a tensão.Caminhamos até a sala de reuniões. O ar-condicionado aliviava o calor e a pressão no meu peito. Ao entrar, percebi que quase todos já estavam lá. Jonas e Cassandra estavam num canto, sussurrando, o que me deixou com um nó no estômago. Heloísa estava ao lado de Pedro, me observando com um olhar critico. O clima estava pesado, cheio de expectativas, e a pressão aume
Capítulo 10Eliza CamposCassandra entrou na minha sala e o clima ficou pesado na hora. Seus olhos estavam fixos em mim, cheios de raiva, e meu coração disparou, como se quisesse sair correndo.— E aí, Cassandra, precisa de alguma coisa? — perguntei.Ela se aproximou, com a expressão tensa, e percebi que algo sério estava prestes a acontecer.— Ele me contou tudo... — sussurrou, e cada palavra parecia um soco no estômago.Fiquei parada, tentando controlar a inquietação que crescia dentro de mim. Jonas estava no meio dessa confusão, como sempre.— Não sei do que você tá falando — respondi, tentando manter a firmeza, mas meu coração acelerado entregava a farsa.Cassandra deu um passo à frente e a distância entre nós parecia desaparecer.— Você tá se metendo onde não deveria. Ele é meu. — Sua voz era forte, mas havia um tremor que a tornava vulnerável.Engoli em seco, desejando que tudo acabasse logo. A pressão era demais para ignorar.— O que rolou entre mim e o Jonas já passou — disse,