Cinco anos atrás
Acordei com uma ânsia de vômito tão forte que pulei da cama, tentando não acordar Max. Claro, foi em vão. Antes que eu alcançasse o banheiro, ouvi sua voz rouca e preocupada me chamar. — Pris, você está bem? Ele apareceu logo atrás de mim, me encontrando ajoelhada no chão enquanto vomitava. Sem dizer nada, segurou meu cabelo com cuidado, a preocupação evidente em seus olhos. — Acho melhor adiar essa viagem — ele murmurou. — Me poupe, Max. Estou só vomitando. Deve ser o resultado da minha brilhante ideia de fazer aquele sanduíche maluco com você às quatro da manhã — respondi, levantando-me para escovar os dentes. — Sua ideia foi colocar manjericão e chocolate no meio de um misto quente. Quem faz isso? — Ele tentou segurar o riso enquanto me observava. — Estava delicioso, admita. — Minha voz saiu mais leve, arrancando uma gargalhada dele. Ele veio até mim, me envolvendo em um abraço caloroso. — Não quero ir. Quatro meses sem você serão uma tortura. — Max me beijou suavemente, mas logo mudou o tom com seu habitual humor. — Nosso chefe me odeia. — Te odeia tanto que te mandou se especializar nos Estados Unidos. Quem dera eu ser odiada assim — retruquei, sorrindo enquanto ele apertava minha cintura. — Talvez eu te leve comigo, escondida na mala. — Ele riu, mas logo me encarou com seriedade. — Vai ficar bem sem mim? — Max, não seja dramático. São só quatro meses. Vão passar voando. E, quem sabe, você não encontra alguém interessante por lá? — brinquei enquanto começava a tirar minha roupa para o banho. — Você é cruel, senhorita Barcella — ele respondeu, um sorriso nos lábios enquanto me observava. — Vou trabalhar, e você vai viajar lindo e cheiroso. Precisamos sair antes que Josefa chegue — avisei enquanto ajustava o chuveiro. — Josefa não é sua mãe. Por que você se preocupa tanto em esconder o namorado dela? — Ele riu, mas logo ficou sério. — Estamos juntos há dez anos, Pris. Não acha que já passou da hora de assumir que somos mais do que isso? Que nos amamos? — Max... sem rótulos, por favor. Somos amigos que, às vezes, transam. Simples assim. — Entrei debaixo do chuveiro, tentando fugir daquele assunto. Max me seguiu para debaixo do chuveiro, ignorando completamente minha tentativa de encerrar o assunto. A água escorria pelos nossos corpos, mas o olhar dele queimava como se desafiasse minhas palavras. — "Simples assim", né? — ele repetiu, com um tom que misturava ironia e algo mais profundo. — Você pode fingir que não sente nada, mas eu te conheço, Pris. Sei que é mais do que isso. Eu revirei os olhos, tentando manter a compostura. — Max, por favor. Não estrague nosso momento com essas conversas. Você sabe como eu sou. Ele riu, mas era aquele riso sem humor, carregado de frustração. — Sei, sim. Sei que você finge que nada te atinge, que não precisa de ninguém, mas você precisa. E tudo bem precisar, Pris. O silêncio caiu entre nós, só interrompido pelo som da água. A verdade é que ele estava certo, mas eu não podia admitir. Amar significava abrir portas para a dor, e eu já tinha enfrentado mais do que podia suportar. — Eu só quero que você seja feliz — ele disse, mais calmo, enquanto passava os dedos pelos meus cabelos molhados. — Eu sou feliz. — A mentira saiu tão rápido que quase acreditei nela. Max suspirou novamente, dessa vez parecendo desistir. Ele me puxou para um abraço, colando nossos corpos sob a água quente. Ficamos ali, em silêncio, como se aquele momento pudesse durar para sempre. Quando ele saiu do banho, eu fiquei ali, sentindo a água escorrer e tentando não pensar. Ele era tudo o que eu queria e, ao mesmo tempo, tudo o que eu temia. Pouco tempo depois, já vestidos, saímos do apartamento. O clima estava mais leve, como se ambos tivessem decidido ignorar o que havia ficado suspenso no ar. — Não se esqueça de me mandar mensagem quando chegar, tá? — pedi, tentando parecer casual enquanto caminhávamos até o carro dele. — Como se eu conseguisse esquecer você — ele respondeu com aquele sorriso despreocupado que sempre me desmontava. Ele colocou as malas no porta-malas, mas antes de entrar no carro, parou diante de mim. — Cuida de você, Pris. De verdade. E qualquer coisa me liga tá — ele falou e eu sorri. — Até parece que você vai se livrar de mim — falei brincando. Ele me puxou para um abraço forte, tão forte que senti meu coração acelerar. Por um instante, quis segurá-lo ali, impedir que fosse embora. Mas soltei. Eu sempre soltava. — Certo, e você se cuida vai no médico ver o motivo de está passando tão mal — ele falou com carinho alisando o meu rosto e me beijou um beijo com tanto carinho ele sempre tinha este cuidado de não acionar nenhum gatilho meu. — Boa viagem, Max. Ele entrou no carro e, com um último aceno, partiu. Fiquei ali, observando até que as luzes traseiras desaparecessem na distância. Por que era tão difícil deixar alguém entrar? Fui para o trabalho e estava muito cansada vi quando ele me mandou mensagem e isso sempre me deixava mais calma. No trabalho eu sempre tinha que ser fria, e isso não me dava trabalho, mas hoje foi um dia estranho mesmo não tendo o Max para ficar me trabalhando para me lembrar de comer ou até mesmo de bebê água, tinha o meu estômago, e eu sei que isso é culpa minha por ter inventado de comer besteira de madrugada. Meu celular tocou e achei estranho pós era o DDD do Piauí, pensei na mesma hora na minha irmã e me assustei Resolvi atender já que os enjôo não estavam deixando me concentrar. Ligação on — Alô — falei assim que atende. — Olha Priscila manda o seu amiguinho para de falar com a minha mulher, eu não quero a minha mulher metida nas suas armações — pela voz eu já sabia perfeitamente que era o marido da minha irmã. — Como você ousa ligar para mim seu cretino — falei com tanta raiva que senti uma pontada forte. — Realmente eu não deveria falar com vagabundas como você, eu deveria falar com a mulher deste tal Max, ela vai amar sabe que ele tem uma amante. — ele falou com odeio. — Está falando diretamente com ela, você não sabe de nada da minha vida e vem com está e o que o Max fez foi só uma burrice de achar que podia fazer eu e a minha irmã nos falarmos de novo, mas enquanto ela estiver casada com um ogro ignorante não dá para considera-la minha irmã — falei com muita raiva. — Viu Pilar e você ainda defende esta cobra que nem tem consideração por você — ele falou e ouvi algumas coisas serem quebradas. — Para com isso meu bem — ouvi a voz da minha irmã tentando soar calma como sempre sendo uma idiota que aceita qualquer coisa por causa deste cretino. Desliguei o celular não estava disposta a escutar mais nada e a única coisa que eu fiz foi abri o meu aplicativo do banco e tirar a transferência automática me irmã me perdoe mas não vai ver um centavo meu este mês e não sei quando vou ser idiota de novo para dar algum dinheiro a este cretino. Resolvi trabalhar em casa aquela dor estava estranha, e ontem a noite foi a mesma coisa, o que foi estranho já que ter relações com o Max nunca me causou dor. E isso me fez pensar um pouco, no meu passado mas eu logo me esforçava a não pensar. — Joyce, hoje eu vou trabalhar de casa — falei e ela assentiu mexendo no computador. — A senhora realmente não está bem — ela falou preocupada. — Quer que eu marque uma consulta a senhora amanhã tem um período livre na agenda — ela perguntou meio receosa. — Tudo bem pode marcar e não esqueça de me enviar o roteiro das duas campanhas que vamos filmar está semana tenho que resolver umas questões com o diretor do comercial — falei e ela assentiu. A raiva fervia no meu peito, mas o que mais me incomodava era o peso daquela ligação. Sempre era assim com minha irmã. Pilar era doce, submissa demais, e se prendia a um homem que a fazia mais mal do que bem. E eu... Eu sempre acabava envolvida nesse caos. Enquanto tentava respirar fundo para controlar minha pulsação, senti outra pontada no estômago. Era intensa, quase como se meu corpo estivesse tentando me avisar de algo. Deitei no sofá e, pela primeira vez no dia, permiti-me parar. Meu corpo estava exausto, e as emoções não ajudavam. Minha mente começou a divagar, lembrando da última conversa com Max. Ele sempre insistia para que eu cuidasse mais de mim. “Vai no médico, Pris”, ele dizia, com aquela voz suave que fazia tudo parecer simples. Mas eu odiava médicos. Detestava ser vulnerável. Acariciei minha barriga inconscientemente. A dor parecia mais localizada agora, e, por um instante, um pensamento assustador cruzou minha mente. “Será que...?” Fui tomada por uma mistura de medo e surpresa. Poderia estar grávida? Não fazia sentido... ou fazia? Os sintomas estavam ali, as náuseas, a sensibilidade, o cansaço. E agora, a dor. “Não”, pensei, sacudindo a cabeça. Não podia ser. Não depois de tudo que já passei. Peguei o celular, hesitando por alguns segundos antes de abrir a conversa com Max. Ele tinha acabado de chegar aos Estados Unidos, provavelmente ainda estava se instalando. Não queria preocupá-lo, mas precisava de alguém. "Oi, Max. Chegou bem? Me avisa quando puder." Enviei a mensagem e larguei o celular no sofá. A espera pela resposta era sufocante. Olhei para o teto, tentando ignorar as pontadas que agora vinham em intervalos mais curtos. Minutos depois, o celular vibrou. "Cheguei sim, Pris. Tá tudo bem? Tá se cuidando?" Era tão típico dele me perguntar isso. Uma parte de mim quis confessar o que estava sentindo, mas a outra parte, a que sempre se escondia atrás de uma armadura, me impediu. "Tô bem, só cansada. Aproveita por aí. Boa noite." Enviei a mensagem e larguei o celular novamente, sem esperar resposta. Sabia que ele se preocuparia, mas eu não podia colocar isso sobre ele. Não ainda. A dor aumentou, e a dúvida também. Algo estava errado, mas eu não sabia o que fazer. As memórias do meu passado começaram a emergir, me sufocando. Minha mãe sempre dizia que eu tinha que ser forte, mas naquele momento, só queria alguém para me segurar. O silêncio da casa parecia me engolir. Hoje era o dia de folga dos meus funcionários só a Josefa estava, mas pelo jeito estava no apartamento dela. O peso daquela dor física se misturava com um aperto emocional que eu não conseguia identificar. Minha mente estava uma bagunça: Max longe, meu corpo enviando sinais confusos, minha irmã ela eu nem queria lembrar. Pensei de ligar para a Natália mas ela estava na em um congresso de duas semanas na china, e depois ela iria se juntar a Max, e do jeito que a minha amiga é ela contaria para Max no mesmo minuto. Levantei do sofá com dificuldade e fui até a cozinha. Talvez um chá resolvesse. Enquanto a água esquentava, minha visão começou a embaçar, e uma tontura tomou conta de mim. Segurei na bancada, tentando recuperar o equilíbrio. “Priscila, você é forte. Isso é só um momento ruim”, murmurei para mim mesma, como se repetir isso pudesse me convencer. Mas lá no fundo, sabia que estava enganando a mim mesma. Depois de respirar fundo por alguns minutos, a tontura diminuiu. Peguei o chá e voltei para o sofá, tentando me concentrar em qualquer coisa que não fosse o turbilhão de pensamentos na minha mente. Abri o celular e comecei a pesquisar. Não queria admitir, mas precisava saber. Sintomas como os meus... enjoo, dores, cansaço. As respostas que surgiam na tela me fizeram engolir em seco. Ou eu estava infartando ou estou grávida. Naquele momento um infarto naquela situação infarta não era a pior opção. Passei a mão na testa, sentindo o suor frio que se acumulava. E se fosse verdade? E se... eu estivesse carregando algo dentro de mim? Um pequeno reflexo de mim e do Max. Meu coração bateu mais rápido. Pensei em ligar para ele. Por um instante, minha mão foi até o celular, mas hesitei. Ele estava do outro lado do mundo, focado em um projeto que significava muito para sua carreira. Jogar essa bomba em cima dele agora seria egoísmo. ----------- Na manhã seguinte, a dor ainda estava lá, mas mais amena. Decidi que não poderia mais adiar. E para a minha surpresa a Joyce já tinha conseguido uma consulta no primeiro horário. A sala de espera era pequena e abafada, e eu me sentia completamente deslocada ali. Quando chamaram meu nome, minhas pernas pareciam pesar uma tonelada. A médica, uma mulher de olhar gentil, me ouviu com atenção enquanto eu descrevia os sintomas. Ela fez algumas perguntas, pediu exames e, com um sorriso encorajador, disse: — Vamos descobrir o que está acontecendo, Priscila. Pode ser algo simples, mas é sempre bom ter certeza. De volta ao consultório, minhas mãos tremiam enquanto abria o envelope. O peso do que estava prestes a descobrir parecia esmagar meu peito. Quando li a palavra positivo, meu coração disparou, mas não de alegria. Era medo, puro e cortante. Grávida. A palavra ecoava em minha mente, trazendo à tona memórias que lutei para esquecer. As quatro outras vezes em que isso aconteceu foram como feridas abertas que eu carregava comigo. Cicatrizes que não cicatrizavam. Meu primeiro filho... Nem sequer tive a chance de ouvir seu choro. Ele foi arrancado de mim logo após o parto, morto por monstros que decidiram que eu não merecia nada, nem mesmo aquele pedacinho de esperança. Depois disso, cada gravidez foi um lembrete cruel do que eu suportava. O corpo que eles usavam, as vidas que surgiam disso, e as escolhas que nunca foram realmente minhas. As outras três gravidezes... Foram o que os médicos chamavam de "interrupções", mas eu sabia que eram escolhas feitas na dor e no desespero. Eu não suportava trazer ao mundo algo que fosse um reflexo direto daquele inferno. Eu queria acabar com o ciclo, proteger qualquer inocência que pudesse nascer de mim. Mas a última vez... aquela quase me destruiu. Os médicos disseram que as complicações poderiam me impedir de engravidar novamente. Naquele momento, achei que era um alívio. Como se o universo estivesse finalmente me poupando de carregar mais essa dor. E agora, aqui estava eu. Grávida. Não de um monstro, mas de Max. Olhei para o envelope mais uma vez, meu coração um turbilhão de emoções. Max, com seu jeito cuidadoso, com sua gentileza que parecia tão fora do meu alcance. Ele não era como eles. Ele nunca foi. Mas como eu poderia explicar isso a ele? Como confiar que esse bebê seria diferente, que eu seria diferente? Fechei os olhos e me deixei cair no chão frio do banheiro. Eu estava ali, tentando encontrar forças em um lugar onde eu só via escuridão. “Você precisa enfrentar isso, Priscila,” sussurrei para mim mesma, mas minha própria voz soava incerta. Porque, pela primeira vez, eu tinha uma escolha. Os dias passaram como um borrão, mas o peso do segredo que eu carregava parecia crescer mais rápido do que qualquer coisa. Não era apenas o bebê – minha filha, percebi com uma pontada de emoção que mal ousava nomear –, mas também a decisão de não contar a Max. Ele voltaria. Eu sabia disso. Max abandonaria qualquer coisa, até mesmo sua carreira, se soubesse. E eu não podia fazer isso com ele. Ele tinha uma vida para viver, sonhos para alcançar. E, além disso, havia o meu próprio medo. E se ele quisesse estar aqui apenas por obrigação? E se, no fundo, ele me culpasse por esconder isso dele? Então, decidi agir como se nada estivesse acontecendo. Mantive nossas conversas leves e descontraídas, como sempre. Max me ligava todos os dias, muitas vezes do fuso horário maluco em que estava. O som da sua voz era um conforto inesperado, um lembrete de que ele ainda estava ali, mesmo a milhares de quilômetros de distância. — Então, senhorita Barcella, como vai sua rotina sem minha brilhante presença para irritar você? — ele perguntou em uma dessas noites. — Ah, Max, você não faz ideia. Estou até bebendo água sem ninguém para me lembrar — brinquei, sorrindo ao ouvir sua risada do outro lado da linha. — É um milagre. Vou ter que anotar no meu diário: "Priscila sobrevive sem mim." A conversa fluiu assim, tranquila. Mas então, sem pensar muito, joguei a pergunta: — Por curiosidade... Se você tivesse uma filha, quais nomes escolheria? Houve uma pausa do outro lado, e por um momento pensei que ele estranharia. Mas Max era Max. — Hm... Eu sempre gostei de Mavie. Acho bonito, soa doce. E Nina, talvez. É curto, simples. Por quê? Vai arranjar um gato e me homenagear? Ri, aliviada pela forma como ele levou a conversa. — Talvez. Ou talvez eu só esteja curiosa para saber o quanto você é brega com nomes. — Você deveria falar. Quem escolheu José para o cachorro? — ele retrucou, rindo. Depois que desligamos, fiquei um tempo olhando para o vazio. Mavie. O nome parecia perfeito, como se tivesse sido feito para ela. Minha vida. Decidi naquele momento que seria esse o nome dela. Mesmo que ele não soubesse ainda, Max tinha escolhido o nome da filha que estávamos prestes a trazer ao mundo. Continuei trabalhando como se nada tivesse mudado. Minha barriga ainda era discreta, e eu sabia disfarçar bem. O cansaço às vezes me pegava de surpresa, mas o pensamento de Mavie me dava forças. Eu não sabia como seria o futuro. Não sabia se teria coragem de contar a Max antes que ele percebesse. Mas, por enquanto, estava decidida. Eu protegeria Mavie de tudo, inclusive do meu próprio medo. ©©©©©©©© Continua...Priscila Barcella Os dias seguiam como sempre, mas dentro de mim tudo estava mudando. Mavie já havia se mexido algumas vezes, e cada movimento era um lembrete de que minha vida jamais seria a mesma. Às vezes, eu me pegava rindo sozinha, imaginando como Max reagiria se soubesse. Mas essa não era uma conversa que eu estava pronta para ter – ainda não. Max continuava a ligar diariamente, suas conversas sempre leves e cheias de humor. Eu tentava esconder o cansaço ou os sintomas mais óbvios, mas era cada vez mais difícil. — Priscila, você anda muito distraída ultimamente. Não vai me dizer que arranjou um namorado e está me trocando? — ele provocou em uma noite, a voz carregada de humor. Eu ri, mas senti meu coração apertar. Não sabia como responder sem me trair, então usei o que tinha em mãos: o humor. — Nada disso, Max. Só estou cuidando de alguém muito especial — retruquei, minha mão automaticamente indo para a barriga. Houve uma pausa do outro lado da linha. — Alguém especial? N
Priscila BarcellaOs dias seguintes trouxeram Marina como uma sombra constante. Ela estava sempre lá, com suas palavras doces e gestos aparentemente preocupados. Eu queria confiar nela. Queria acreditar que, por ser mãe de Max, ela só podia querer o melhor para mim e para Mavie. Mas o peso crescente do meu corpo e o cansaço que parecia se multiplicar começaram a me sufocar.Marina era a primeira a aparecer quando eu sentia fraqueza.— Está tudo bem, querida. É normal, principalmente em gravidez de risco. Você precisa relaxar — dizia, enquanto ajustava os cobertores ao redor de mim com um sorriso maternal.Mesmo assim, uma sombra de dúvida insistia em pairar. Josefa, sempre vigilante, me olhava de canto de olho, seus lábios franzidos em desconfiança.— Essa mulher tem coisa demais debaixo daquele sorriso, Priscila. Eu sinto.Eu apenas revirava os olhos, tentando ignorar as palavras dela.— Josefa, ela está tentando me ajudar. Não comece.Mas Josefa não desistia. E no fundo, talvez, eu
Priscila Barcella Cheguei na minha cobertura com Nina adormecida nos braços. O peso suave dela parecia ancorar meus sentimentos em um lugar mais calmo, quase como se a respiração tranquila dela pudesse silenciar o caos dentro de mim. Assim que entrei na sala, vi Liam sentado no sofá, sozinho, as mãos entrelaçadas e o olhar perdido em algum ponto invisível. Parei por um instante, observando-o. Ele parecia frágil, mais pálido do que o habitual, como se os dias difíceis no hospital ainda o assombrassem. E, mesmo assim, havia aquela força silenciosa nele, uma presença que me lembrava que eu nunca estava sozinha. Quando ele notou minha chegada, se levantou imediatamente, os olhos brilhando de alívio e preocupação. Não precisou dizer nada; apenas veio até mim e me envolveu num abraço apertado. Um abraço que era abrigo, ternura e tudo o que eu não sabia que precisava. — Você está bem? — murmurou contra meu cabelo, a voz baixa e cuidadosa. Fechei os olhos por um segundo, permitindo-me m
Priscila BarcellaEstávamos abraçados quando ouvimos vozes no corredor. A porta se abriu e, para minha surpresa, entraram Marcelo, os meus pequenos e a Josefa, seguidos por Marta e o senhor Fos.— Mamãe! — os três gritaram ao mesmo tempo, correndo para mim.Abracei-os com força, sentindo aquela mistura de alívio e alegria que só os meus filhos me traziam. Peguei Belinha no colo, enquanto Ítalo agarrava minha perna e Laura se encostava no meu ombro.— Vocês estavam onde? — perguntei, ajeitando Belinha no braço.— A vovó Marta disse que o papai tinha que descansar, então levou a gente na brinquedoteca. A Íris saiu com a Kat pra fazer um trabalho — explicou Belinha, entregando a irmã como se fosse um assunto simples.— Eu pedi aos meus pais, e os dois deixaram — Íris disse com firmeza antes que eu tivesse tempo de falar qualquer coisa.Arqueei a sobrancelha, cruzando os braços. — Quer dizer que a sua mãe agora é só de enfeite, mocinha?Íris, no auge dos seus 14 anos, ergueu o queixo. — E
Priscila BarcellaNa manhã seguinte, acordei com um beijo suave do Liam. Ele parecia radiante, o que iluminou meu dia imediatamente. Assim que me levantei, ele foi para o quarto dele se arrumar, enquanto eu seguia para o meu. Marta já havia vestido as crianças, e só precisei pegar a Nina, toda arrumadinha para o seu primeiro dia na creche da empresa.Quando desci com ela nos braços, as crianças já estavam reunidas em volta da mesa. Me juntei a elas para tomar café, e foi então que o Liam apareceu descendo as escadas. Ele estava deslumbrante em seu terno, segurando a gravata na mão.— Nossa, papai! O senhor está maravilhoso, muito lindão! — Belinha foi a primeira a se manifestar, os olhos brilhando de orgulho.— Está lindo mesmo, pai! Mas para onde o senhor vai assim, todo chique? — Íris perguntou, com a curiosidade típica de seus catorze anos.— Vou trabalhar... — Liam respondeu, simples, mas percebi o traço de nervosismo em sua voz.— E quem vai cuidar da gente? — Ítalo interveio, fr
Liam RodriguesEstava empolgado com meu primeiro dia na FOS. Novo trabalho, novas oportunidades. Mas confesso que deixar a Nina na creche foi mais difícil do que qualquer entrevista de emprego.No estacionamento, Priscila me abraçava com força, os dedos se apertando contra minhas costas, como se quisesse atrasar o inevitável. Sentia sua respiração quente contra meu pescoço, rápida e descompassada. O nervosismo dela era palpável, e eu me peguei sorrindo. Minha Priscila, sempre tão controlada, agora parecia vulnerável.Ela se afastou um pouco, só o suficiente para me olhar nos olhos, as mãos ainda firmes nos meus braços.— Amor, precisamos ir. Se não, vou acabar sequestrando nossa própria filha de volta. — Ela tentou brincar, mas seu sorriso tremia nas bordas.— E você diz que eu sou o dramático da relação. — Inclinei a cabeça, tentando aliviar o clima. — Mas olha, se quiser desistir, a gente pega a Nina agora e inventa um plano B. Quem sabe começamos nossa própria empresa de babysittin
Priscila Barcella DIAS DEPOIS Voltar a trabalhar foi surpreendentemente fácil; o verdadeiro desafio estava em ficar longe dos meus filhos. Ainda assim, sempre que podia, pegava minha bebê para ficar comigo. Mesmo assim, o desejo constante era sempre o mesmo: chegar em casa e encontrá-los ainda acordados. A cada dia mais pessoas me diziam que eu estava mudada. Eu sorria, mas por dentro me questionava. Será que era verdade? Eu ainda era Priscila Barcella, só que, talvez, uma versão mais feliz de mim mesma. O advogado do Max trouxe alguma tranquilidade. Ele explicou que seria difícil me tirarem a guarda das crianças. Afinal, estavam bem cuidadas, felizes, e reconheciam nosso lar como o deles. Para minha surpresa, o Max foi além. Ele deu uma procuração para que o advogado resolvesse a situação da Nina com mais agilidade. Max prometeu que falaria com o padrinho dele, um juiz respeitado, para buscar soluções mais rápidas. Eu fiquei acordada naquela noite esperando uma ligação, mas a R
Priscila Barcella Era mais um dia normal. Como sempre, acordo às 6:23 da manhã, levo aproximadamente 20 minutos para me arrumar e escolho roupas que transmitam o quanto sou poderosa.Saio do meu quarto preparada para enfrentar o mundo machista das torres de metal.Assim que chego no andar inferior, vejo a minha governanta terminando de organizar o meu café da manhã na mesa da sala de jantar, junto com duas funcionárias. Gosto das coisas sempre perfeitamente alinhadas, e ela me conhece muito bem.Antes de chegar à mesa, olho pela grande janela de vidro da minha cobertura, de onde posso ver a enorme cidade cinza. Assim como lá fora, dentro do meu apartamento a decoração é toda em tons frios, pois tenho um amor pelo tom cinza e não queria nada convidativo.Quem gosta e tem peso morto é a minha irmã. Eu nunca a entendi, a Barcella sempre se contentou com pouco. Diferente de mim, ela não foi para a faculdade e muito menos quis sair daquele lugar no meio do nada. Na primeira oportunidade q