Priscila Barcella
Os dias seguiam como sempre, mas dentro de mim tudo estava mudando. Mavie já havia se mexido algumas vezes, e cada movimento era um lembrete de que minha vida jamais seria a mesma. Às vezes, eu me pegava rindo sozinha, imaginando como Max reagiria se soubesse. Mas essa não era uma conversa que eu estava pronta para ter – ainda não. Max continuava a ligar diariamente, suas conversas sempre leves e cheias de humor. Eu tentava esconder o cansaço ou os sintomas mais óbvios, mas era cada vez mais difícil. — Priscila, você anda muito distraída ultimamente. Não vai me dizer que arranjou um namorado e está me trocando? — ele provocou em uma noite, a voz carregada de humor. Eu ri, mas senti meu coração apertar. Não sabia como responder sem me trair, então usei o que tinha em mãos: o humor. — Nada disso, Max. Só estou cuidando de alguém muito especial — retruquei, minha mão automaticamente indo para a barriga. Houve uma pausa do outro lado da linha. — Alguém especial? Não sabia que você tinha adotado um peixe dourado. Qual o nome dele? — ele perguntou, e eu pude sentir o sorriso na sua voz. Eu quase gargalhei. Era tão típico do Max transformar qualquer coisa em uma piada. — É claro que você ia pensar nisso. Mas, se quer saber, o peixe se chama Mavie. É um nome bonito, não acha? — brinquei, tentando esconder o peso da verdade. — Mavie, hein? Achei que fosse algo mais criativo vindo de você. Tipo... Glitter ou Poseidon. Mas ok, aceito Mavie — ele respondeu, gargalhando. Enquanto ele continuava com suas teorias absurdas sobre como cuidar de peixes, senti Mavie se mexer novamente. Minha mão deslizou automaticamente para a barriga, e eu sorri, mesmo sabendo que Max não podia ver. — Bem, espero que você e seu peixe dourado estejam muito felizes — ele disse, ainda rindo. — Estamos — respondi, tentando manter a leveza, mas minha voz saiu mais suave. Quando a ligação terminou, fiquei sentada em silêncio, as mãos ainda na barriga. Era irônico como Max conseguia me fazer rir mesmo quando eu estava tão cheia de dúvidas. O mais difícil era perceber o quanto ele já fazia parte da nossa história, mesmo sem saber. Decidi que ele só saberia quando voltasse para o Brasil. Não queria que essa conversa acontecesse por telefone. Queria olhar nos olhos dele e entender o que ele realmente sentia. Até lá, Mavie e eu continuaríamos com nosso segredo – e, aparentemente, com um peixe dourado imaginário na história. As ligações com Max continuavam sendo o ponto alto dos meus dias. Entre suas piadas e meu esforço para manter o segredo, eu me pegava rindo mais do que deveria. Era como se ele soubesse exatamente como tirar o peso que eu carregava, mesmo sem ter ideia do que estava acontecendo. — E então, Priscila, como anda a Mavie? — ele perguntou certa noite, referindo-se ao suposto peixe dourado que eu tinha inventado. Eu ri, balançando a cabeça. — Muito bem, obrigada. É um peixe muito tranquilo, na verdade. — Tranquilo? — ele fingiu indignação. — Isso é porque ela puxou a mim. Você sabe, aquele nome... Mavie... foi ideia minha. Acho que ela é, tecnicamente, nossa filha. — Nossa filha? — perguntei, tentando não gargalhar. — Claro! E se você acha que eu vou parar por aí, está enganada. A próxima será Nina. E, se for menino, vamos chamá-lo de Leopoldo, em homenagem ao meu avô. Eu não aguentei. Comecei a rir tão alto que precisei me afastar do telefone por alguns segundos. — Leopoldo? Max, pelo amor de Deus! Você está planejando uma família inteira de peixes? — Ah, claro que estou — ele disse, rindo junto comigo. — E, um dia, quando você achar que eu posso ser pai, vamos sentar com eles – Mavie, Nina e Leopoldo – e contar essa história. "Vocês começaram como peixes dourados na imaginação da mamãe." Minha risada foi se acalmando, mas o calor daquela conversa ficou. Max tinha esse jeito de transformar qualquer coisa em leveza, até mesmo minhas maiores angústias. — E por que você acha que não pode ser pai agora? — perguntei, curiosa para ver até onde ele levaria a brincadeira. Ele ficou sério por um instante, ou pelo menos pareceu. — Porque eu ainda não comprei o aquário perfeito para a Mavie. Pai responsável, lembra? Eu gargalhei de novo, a mão pousada na barriga enquanto Mavie se mexia, como se estivesse participando da conversa. — Você é impossível, Max. — Eu sei. Mas você gosta de mim assim, não gosta? Não respondi. Apenas sorri para o vazio, imaginando o dia em que ele finalmente soubesse. Até lá, eu aproveitaria essas pequenas interações, guardando o segredo e o sonho de uma família que talvez, só talvez, pudesse ser mais do que imaginária. Naquela noite, Max parecia diferente. Seu tom de voz, geralmente leve e cheio de sarcasmo, estava mais sério. — Pri, preciso falar uma coisa. — Isso parece grave... Você está bem? — perguntei, tentando soar descontraída, mas já sentindo a tensão crescer. Ele respirou fundo do outro lado da linha. — Tive um pesadelo ontem. Você estava... não sei, parecia em perigo. Foi horrível, acordei suando. — Max, foi só um sonho — tentei minimizar, embora sentisse o coração acelerar. — Não sei... — Ele hesitou, e a preocupação na voz dele me fez apertar o celular com mais força. — Eu liguei para minha irmã hoje de manhã. Vou pedir para ela passar aí e ver como você está. Meu estômago revirou. A última coisa que eu precisava era a irmã dele descobrindo sobre a gravidez. Ela jamais guardaria segredo. — Max, não precisa disso. Eu estou bem, de verdade. — Pri, eu sei quando você está escondendo alguma coisa. Já faz semanas que parece... diferente. — Claro que estou diferente — cortei, tentando soar leve. — Você está do outro lado do mundo. Não tenho ninguém para me irritar. — Sério, Priscila. Deixa minha irmã passar aí. É só uma visita, nada demais. Eu ri, nervosa. — Max, sua irmã é ótima, mas eu não quero dar trabalho para ela. E, sinceramente, eu duvido que ela conseguiria guardar qualquer coisa que descobrisse. — Guardar o quê? — ele perguntou, desconfiado. Droga. — Nada! É só... sabe como ela é. Ela contaria até o que almoçou ontem. Ele suspirou. — Você está escondendo alguma coisa. — Max, se eu estivesse, você acha que seria capaz de descobrir? — tentei brincar. Ele riu, mas ainda parecia desconfiado. — Você está bem mesmo? — Sim. Eu prometo que, se algo acontecer, você será o primeiro a saber. Confia em mim. — Tá bom... mas, Pri, se eu sentir que tem algo errado, eu pego o próximo voo. — Pode deixar. Agora vai dormir, Max. Você não pode salvar o mundo por telefone. Ele deu uma risada curta antes de desligar. Quando a ligação terminou, fiquei encarando o teto, o peso do segredo mais forte do que nunca. Ele estava certo em sentir que algo estava diferente. E o pior de tudo? Parte de mim queria que ele soubesse. Mas eu ainda não estava pronta para isso. ..... Mas não se passou nem quatro dias eu tinha acabo de volta de uma consulta do pré-natal com a Josefa ela sempre ia comigo, ela e a Joyce eram as únicas que sabiam da minha gravidez. — Não sei como a Mavie está crescendo aí dentro você mal tem barriga — a Josefa falou enquanto eu tirava o salto. — Mas você mesma viu como ela está se desenvolvendo bem, mesmo com o deslocamento do útero ela está bem e agitada — falei alisando a minha barriga. — Ela vai ser como o pai — ela falou pedindo para tocar na minha barriga e deixei. — Oi Mavie eu vou ser a sua vovó postiça — ela falou o que me fez sorrir. Josefa, sempre intrometida, tinha um talento especial para transformar qualquer situação em um episódio de comédia. Ela ainda falava com Mavie, enquanto eu me esticava no sofá, tentando me livrar da sensação de que minha vida era uma novela mal escrita. — Olha, Mavie, você está se desenvolvendo direitinho, mas sua mãe é muito teimosa. Igualzinha ao seu pai, com certeza. — Teimosa? Eu? — retruquei, rindo enquanto tirava o salto. — Ah, minha filha, não se faça de santa. Vocês dois têm o mesmo gene da teimosia. Max vai dar um show quando souber disso. Revirei os olhos, mas sorri. — Show? Max não vai dar um show, Josefa. Ele vai montar um circo inteiro. Ela riu, mas parou abruptamente quando meu celular vibrou na mesa. Levantei a sobrancelha, já sabendo quem era antes mesmo de olhar. — Falando no diabo... — murmurei, pegando o celular. Josefa, claro, estava adorando o momento. — Atende logo! Quero ouvir você se enrolar. Respirei fundo antes de atender. — Oi, Max. — Pri, onde você está? O tom dele era urgente, e minha tranquilidade foi para o espaço. — Em casa. Por quê? — Eu tive outro sonho ruim. Pri, eu estou pegando o próximo voo. Eu fechei os olhos e contei até três antes de responder. — Max, pelo amor de Deus! Foi só um sonho. Você vai gastar uma fortuna em passagens por causa disso? — Pri, era sério. Você estava... sei lá, parecia que precisava de mim. — E você acha que vai resolver tudo como? Chegando de paraquedas? — perguntei, tentando manter a calma. Josefa, ao meu lado, já estava rindo tanto que precisou se segurar para não cair do sofá. — Não sei, mas é melhor eu estar aí do que ficar aqui, pensando no pior! — ele rebateu, e eu juro que ouvi o som de malas sendo arrastadas. — Max, escuta... Você não pode largar tudo por causa de um sonho. Eu prometo que, se algo estivesse errado, você seria o primeiro a saber. — Promete mesmo? — ele perguntou, desconfiado. — Prometo. Agora, por favor, vá dormir. Você precisa descansar, não se preocupar com sonhos malucos. Ele hesitou, mas finalmente concordou. — Tá bom, Pri. Mas, se eu sentir que tem algo errado, eu apareço aí sem avisar. — Ótimo! Assim você pode me ajudar a montar o berç... quer dizer, consertar a torneira da cozinha! — Quê? — Nada! Boa noite, Max! — encerrei a ligação rapidamente, soltando um suspiro de alívio. Josefa estava praticamente rolando no chão de tanto rir. — Meu Deus, Pri! Você quase entregou tudo! — Foi por pouco, eu sei! — respondi, afundando no sofá e cobrindo o rosto com as mãos. — Você acha que ele vai descobrir antes de você contar? Olhei para ela, com uma expressão que beirava o desespero. — Claro que vai. Ele é teimoso demais para esperar. Josefa balançou a cabeça, ainda rindo. — Quando ele souber, vou querer estar presente. Isso vai ser melhor do que qualquer novela. — Josefa, você é a pior cúmplice do mundo! — resmunguei, mas não pude evitar sorrir. Passei a mão pela barriga e murmurei: — Mavie, seu pai é um drama ambulante, sabia? Mas não se preocupe, eu vou encontrar o momento certo para contar a ele... Se ele não descobrir antes, claro. Josefa ainda ria, e eu sabia que ela estava certa. Max não ia descansar até descobrir o que eu estava escondendo. E, quando esse dia chegasse, eu teria que estar pronta para lidar, mas sei que ele vai ficar muito feliz. Fui para o meu quarto, precisava de um banho, me arrumei e voltei para sala, estava com um vestido que o Max me deu no meu aniversário a cinco anos atrás, e ele até deixava evidente um pouco a minha barriguinha. — Priscila vem comer filha — a Josefa me chamou e mesmo eu querendo dormi não podia pós tinha muito trabalho ainda. Desci e a mesa estava linda e sempre bem alinhada como eu gosto tudo no lugar me sentei já me servindo. — Vem Josefa, vai deixa a sua neta postiça comer sozinha ela vai ficar triste — falei e ela sorriu já se sentando. — A Mavie pelo visto vai fazer nós duas gostamos de crianças — ela falou me fazendo sorrir. — De crianças eu não sei, mas eu já amo ela, eu só queria que o tempo passe mais rápido — falei e ela sorriu. — Amanhã tem gravação vou passar o dia todo na locação — avisei enquanto comia. — Só não se esqueça de se cuidar, você quando está focada no trabalho esquece atende beber água, e a Mavie não tem culpa de nada — ela falou e rir. Estávamos bem animadas comendo quando a campainha tocou e achei até estranho o interfone não ter tocado. A Josefa foi até a porta e a abriu. — A sua patroa está? — na hora que ouvi a voz gelei. Ela saiu entrando antes mesmo da Josefa deixar. Marina chegou à minha casa com a elegância de sempre, o perfume discreto e o sorriso calculado. Era como se ela tivesse planejado cada detalhe de sua visita. Eu estava surpresa, claro. Não esperava vê-la, ainda mais sem aviso prévio. Eu não sabia o que fazer estava com medo de me levantar e ir até ela, com certeza ela iria contar para o Max, então permanece no mesmo lugar. — Priscila, querida, espero que não esteja me achando invasiva. Max me pediu para vir e ver como você está. Ele está super preocupado, e como minha filha está em Brasília eu vim antes que ele cancelasse tudo tão perto do fim, ele sonhou que você morria congelada e não sei o motivo dele acreditar nesta loucura já que estamos no Brasil — ela disse, com aquele tom afetuoso que era difícil não acreditar. — Mas você conhece o seu namorado, tão não vai se dá ao trabalho de cumprimentar a sua sogra? Forcei um sorriso. — Está tudo bem, Marina. — A Priscila torceu o pé descendo as escadas — Josefa falou tentando me acobertar. Ela simplesmente ignorou a Josefa seus olhos atentos escaneando cada detalhe da sala. Eu estava tensa. Minha barriga ainda não era tão visível, mas a gravidez de cinco meses começava a se mostrar. Tentei disfarçar o desconforto, mas a atenção dela era afiada. — Você está mais... radiante. — Ela sorriu, olhando para mim de cima a baixo. — Algo mudou? Dei de ombros, tentando parecer indiferente. — Nada demais. Só um pouco cansada, talvez. — Seus seios estão maiores colocou silicone para fazer surpresa com o meu filho. — ela perguntou com um sorriso safadinho que me fez esconde o rosto. — Não Marina, eu não coloquei silicone. — falei e ela veio até mim e me abraçou olhando para mim. Os olhos dela se estreitaram por um segundo, e então ela sorriu. — Priscila... está grávida? Fiquei sem reação. Era como se o chão tivesse sumido sob meus pés. Eu não sabia o que dizer. A ideia de esconder isso até que Max voltasse parecia tão segura até aquele momento. — Eu... sim. O sorriso de Marina se ampliou, mas havia algo nos olhos dela que me deixou desconfortável. — Oh, querida, isso é maravilhoso! Agora está explicado porquê o Max está tão neurótico. O primeiro filho a gente fica doido, fica em pé deixa eu te abraçar — Ela colocou as mãos sobre as minha barriga, num gesto quase maternal. — Você precisa de cuidado, atenção. Você não tem mãe não deveria está sozinha neste momento — ela falou preocupada. — Eu estou bem e a Josefa está cuidando muito bem da gente, não precisa se preocupar... — Claro que eu me preocupo eu lembro muito bem quando o meu marido te falou que o seu útero estava deslocado, imagina grávida com o útero assim ela deve ser muito delicada e o meu netinho precisa de atenção. Por que não vem para minha casa? Eu posso cuidar de você. Uma gravidez de risco é algo que não deve ser enfrentado sozinha. — Ela está muito bem aqui Marina, estes cinco meses ela não teve nada, mesmo a gravidez sendo de alto risco e ela trabalhando feito doida então a minha menina não precisa ir. — Então eu venho para cá assim eu cuido da minha nora e do meu netinho pronto situação resolvida, vou dizer para o Max que vocês estão bem, olha este rosto está maravilhosa — ela falou alisando o meu rosto e parecia carinho. — Marina por favor não conta para o Max, você conhece o seu filho ele vai larga tudo e até mesmo comprar um jantinho só para mim logo para cá, eu só vou contar que ele vai ser pai próximo mês quando ele chegar — falei e ela abriu um sorriso ainda mais. — Você como sempre se preocupando com o futuro do Max, eu e o pai dele sabemos que ele só se formou porque você vivia no pé dele, e você está certa, se ele souber vem correndo. — Ela falou com o sorriso doce de sempre. ©©©©©© Continua...Priscila BarcellaOs dias seguintes trouxeram Marina como uma sombra constante. Ela estava sempre lá, com suas palavras doces e gestos aparentemente preocupados. Eu queria confiar nela. Queria acreditar que, por ser mãe de Max, ela só podia querer o melhor para mim e para Mavie. Mas o peso crescente do meu corpo e o cansaço que parecia se multiplicar começaram a me sufocar.Marina era a primeira a aparecer quando eu sentia fraqueza.— Está tudo bem, querida. É normal, principalmente em gravidez de risco. Você precisa relaxar — dizia, enquanto ajustava os cobertores ao redor de mim com um sorriso maternal.Mesmo assim, uma sombra de dúvida insistia em pairar. Josefa, sempre vigilante, me olhava de canto de olho, seus lábios franzidos em desconfiança.— Essa mulher tem coisa demais debaixo daquele sorriso, Priscila. Eu sinto.Eu apenas revirava os olhos, tentando ignorar as palavras dela.— Josefa, ela está tentando me ajudar. Não comece.Mas Josefa não desistia. E no fundo, talvez, eu
Priscila Barcella Cheguei na minha cobertura com Nina adormecida nos braços. O peso suave dela parecia ancorar meus sentimentos em um lugar mais calmo, quase como se a respiração tranquila dela pudesse silenciar o caos dentro de mim. Assim que entrei na sala, vi Liam sentado no sofá, sozinho, as mãos entrelaçadas e o olhar perdido em algum ponto invisível. Parei por um instante, observando-o. Ele parecia frágil, mais pálido do que o habitual, como se os dias difíceis no hospital ainda o assombrassem. E, mesmo assim, havia aquela força silenciosa nele, uma presença que me lembrava que eu nunca estava sozinha. Quando ele notou minha chegada, se levantou imediatamente, os olhos brilhando de alívio e preocupação. Não precisou dizer nada; apenas veio até mim e me envolveu num abraço apertado. Um abraço que era abrigo, ternura e tudo o que eu não sabia que precisava. — Você está bem? — murmurou contra meu cabelo, a voz baixa e cuidadosa. Fechei os olhos por um segundo, permitindo-me m
Priscila BarcellaEstávamos abraçados quando ouvimos vozes no corredor. A porta se abriu e, para minha surpresa, entraram Marcelo, os meus pequenos e a Josefa, seguidos por Marta e o senhor Fos.— Mamãe! — os três gritaram ao mesmo tempo, correndo para mim.Abracei-os com força, sentindo aquela mistura de alívio e alegria que só os meus filhos me traziam. Peguei Belinha no colo, enquanto Ítalo agarrava minha perna e Laura se encostava no meu ombro.— Vocês estavam onde? — perguntei, ajeitando Belinha no braço.— A vovó Marta disse que o papai tinha que descansar, então levou a gente na brinquedoteca. A Íris saiu com a Kat pra fazer um trabalho — explicou Belinha, entregando a irmã como se fosse um assunto simples.— Eu pedi aos meus pais, e os dois deixaram — Íris disse com firmeza antes que eu tivesse tempo de falar qualquer coisa.Arqueei a sobrancelha, cruzando os braços. — Quer dizer que a sua mãe agora é só de enfeite, mocinha?Íris, no auge dos seus 14 anos, ergueu o queixo. — E
Priscila BarcellaNa manhã seguinte, acordei com um beijo suave do Liam. Ele parecia radiante, o que iluminou meu dia imediatamente. Assim que me levantei, ele foi para o quarto dele se arrumar, enquanto eu seguia para o meu. Marta já havia vestido as crianças, e só precisei pegar a Nina, toda arrumadinha para o seu primeiro dia na creche da empresa.Quando desci com ela nos braços, as crianças já estavam reunidas em volta da mesa. Me juntei a elas para tomar café, e foi então que o Liam apareceu descendo as escadas. Ele estava deslumbrante em seu terno, segurando a gravata na mão.— Nossa, papai! O senhor está maravilhoso, muito lindão! — Belinha foi a primeira a se manifestar, os olhos brilhando de orgulho.— Está lindo mesmo, pai! Mas para onde o senhor vai assim, todo chique? — Íris perguntou, com a curiosidade típica de seus catorze anos.— Vou trabalhar... — Liam respondeu, simples, mas percebi o traço de nervosismo em sua voz.— E quem vai cuidar da gente? — Ítalo interveio, fr
Liam RodriguesEstava empolgado com meu primeiro dia na FOS. Novo trabalho, novas oportunidades. Mas confesso que deixar a Nina na creche foi mais difícil do que qualquer entrevista de emprego.No estacionamento, Priscila me abraçava com força, os dedos se apertando contra minhas costas, como se quisesse atrasar o inevitável. Sentia sua respiração quente contra meu pescoço, rápida e descompassada. O nervosismo dela era palpável, e eu me peguei sorrindo. Minha Priscila, sempre tão controlada, agora parecia vulnerável.Ela se afastou um pouco, só o suficiente para me olhar nos olhos, as mãos ainda firmes nos meus braços.— Amor, precisamos ir. Se não, vou acabar sequestrando nossa própria filha de volta. — Ela tentou brincar, mas seu sorriso tremia nas bordas.— E você diz que eu sou o dramático da relação. — Inclinei a cabeça, tentando aliviar o clima. — Mas olha, se quiser desistir, a gente pega a Nina agora e inventa um plano B. Quem sabe começamos nossa própria empresa de babysittin
Priscila Barcella DIAS DEPOIS Voltar a trabalhar foi surpreendentemente fácil; o verdadeiro desafio estava em ficar longe dos meus filhos. Ainda assim, sempre que podia, pegava minha bebê para ficar comigo. Mesmo assim, o desejo constante era sempre o mesmo: chegar em casa e encontrá-los ainda acordados. A cada dia mais pessoas me diziam que eu estava mudada. Eu sorria, mas por dentro me questionava. Será que era verdade? Eu ainda era Priscila Barcella, só que, talvez, uma versão mais feliz de mim mesma. O advogado do Max trouxe alguma tranquilidade. Ele explicou que seria difícil me tirarem a guarda das crianças. Afinal, estavam bem cuidadas, felizes, e reconheciam nosso lar como o deles. Para minha surpresa, o Max foi além. Ele deu uma procuração para que o advogado resolvesse a situação da Nina com mais agilidade. Max prometeu que falaria com o padrinho dele, um juiz respeitado, para buscar soluções mais rápidas. Eu fiquei acordada naquela noite esperando uma ligação, mas a R
Priscila Barcella Era mais um dia normal. Como sempre, acordo às 6:23 da manhã, levo aproximadamente 20 minutos para me arrumar e escolho roupas que transmitam o quanto sou poderosa.Saio do meu quarto preparada para enfrentar o mundo machista das torres de metal.Assim que chego no andar inferior, vejo a minha governanta terminando de organizar o meu café da manhã na mesa da sala de jantar, junto com duas funcionárias. Gosto das coisas sempre perfeitamente alinhadas, e ela me conhece muito bem.Antes de chegar à mesa, olho pela grande janela de vidro da minha cobertura, de onde posso ver a enorme cidade cinza. Assim como lá fora, dentro do meu apartamento a decoração é toda em tons frios, pois tenho um amor pelo tom cinza e não queria nada convidativo.Quem gosta e tem peso morto é a minha irmã. Eu nunca a entendi, a Barcella sempre se contentou com pouco. Diferente de mim, ela não foi para a faculdade e muito menos quis sair daquele lugar no meio do nada. Na primeira oportunidade q
Priscila Barcella Depois de um voo de três horas e meia, aluguei um carro e dirigi por mais cinco horas, finalmente chegando em um pequeno povoado do município de Santo Antônio dos Milagres. A estrada era de terra e parecia que o tempo naquele lugar passava em câmera lenta e pouquíssimas coisas tinham mudado em 16 anos. As casas eram simples e a única diferença era nos fios de energia e novas construções, mas mesmo assim parecia existir apenas uma rua e uma praça como novidade.Fui devagar pela estrada de terra batida até chegar na casinha onde crescemos. Pouquíssimas coisas tinham mudado, mas a única diferença era que, além do reboco, a pequena casa estava pintada de branco, que já estava amarelada, com dois quartos. Apesar de ser bem diferente da minha cobertura, estar naquele lugar me causava arrepios, como se as paredes pudessem falar ou apenas de ver sentir os arrepios pelo meu corpo me pedindo para fugir daquele lugar.A casa estava cheia, e respirei fundo antes de sair do carr