- Se eu fosse um animal, seria um vagalume. – Ela disse – E você?
- Eu seria um gato.
Ela riu:
- Um gato? Por que um gato?
- Porque eles são preguiçosos, não precisam fazer nada além de comer e dormir e são alisados o dia inteiro.
- Faz sentido, sua espertinha.
- Podemos ter um gato? Eu gosto de gatos! Posso pedir um gato de aniversário de dez anos?
Ela suspirou:
- Seu pai é alérgico a pêlos de animais.
- Então é melhor eu ter vagalumes mesmo.
Celli riu e me apertou com força contra seu corpo:
- Você quer saber por que eu seria um vagalume, já que ele não é preguiçoso e não come e dorme o dia inteiro?
- Por que você queria ser um vagalume? – Realmente fiquei curiosa.
- Para poder iluminar seu caminho para o resto da vida.
Eu ri, achand
Abri os olhos e senti uma dor intensa na minha perna, que estava trancada entre o banco da frente e o de trás. Fiquei confusa sobre como os bancos ficaram tão próximos. Estava tudo escuro... Mas luzes piscavam à frente, iluminando o nada que a escuridão trazia e imaginei que fossem os faróis.- Mãe? – Chamei, sem êxito.Tentei me mover, mas a perna continuava trancada e conforme eu tentava movê-la, doía muito.- Mãe... Onde você está? – Gritei.Ouvi um gemido e percebi que ela estava no carro, embora eu não conseguisse vê-la por conta da escuridão. Puxei a perna com força, sentindo uma dor quase insuportável e urrei.- Danna? – A voz dela estava fraca, a ponto de quase não dar para escutar.Tentei empurrar a porta do meu lado, mas não abriu. Fui para o outro lado e bati o pé com for&
Celli Dave levantou a mão, vagarosamente, mostrando Lúcia. Um breve sorriso se apareceu no canto dos seus lábios. Peguei a boneca de pano, sequer conseguindo olhá-la de fato, nervosa por conta do estado de minha mãe.Tentei pedir que ela ficasse bem, que me prometesse que tudo ia permanecer igual nas nossas vidas, que ela iria ao hospital, se recuperaria e quando eu fizesse onze anos voltaríamos a comemorar no parque. Mas a minha voz definitivamente parecia não existir mais. Quanto mais eu tentava, mais a garganta doía, como se tivessem pregos dentro dela.- Quero que saiba... Que amo você, Danna Dave... – cheguei a ver um sorriso em seus lábios novamente – E que sempre estarei com você... Como vagalumes... A iluminar o seu caminho.Ouvi o som da sirene ao longe e fiquei segurando a mão da minha mãe. Imaginei que ela pudesse estar bem cansada, porque seus olhos s
Papai me largou no chão e naquele momento que fiquei longe dele me senti extremamente sozinha, como se precisasse estar em seu colo para me ficar acolhida e menos triste.Ele abaixou-se, ficando praticamente da minha altura. Sempre disseram que eu era baixa para minha idade. E papai, por sua vez, era bem alto. Mamãe sempre dizia que eu estava enorme, mas acho que eram os olhos dela, porque na escola eu era a segunda da fila, que era por tamanho, do menor para o maior.- Esta santa se chama Virgem Maria – ele explicou – Ela é a mãe de Jesus...Seria ela a mãe daquele cara pendurado na cruz? Imaginei o quanto ela devia ter sofrido se viu alguém fazendo aquilo com Ele.- O médico disse que precisamos de um milagre – uma lágrima rolou pela sua bochecha, que limpei imediatamente – E dizem que estes dois aqui costumam fazer milagres – Apontou para a imagem da santa e depois pa
DANNA DAVE, TEMPOS ATUAIS- O professor Jax não me assediou nem importunou sexualmente. – Confirmei mais uma vez.Depois da minha confissão o advogado perguntou se eu estava me sentindo forçada a dizer aquilo e confirmei que não, que realmente estava dizendo a verdade.Percebi a cara de decepção de meu pai ao se certificar de que menti. Quando ele abaixou a cabeça e não disse nada, imediatamente remeti-me àquela madrugada em que recebemos a notícia de que minha mãe havia morrido.Ele poderia ter feito qualquer coisa. Mas tudo que fez foi exatamente aquilo: abaixar a cabeça e ficar em silêncio, com os lábios levemente trêmulos. Lembro que receber aquela notícia foi como ser atingida por um soco no estômago, que conseguia ser mais dolorido que a minha perna ferida ou qualquer outra coisa que já havia sentido em toda a minha vida.A forma como reagi quando soube que ela estava morta foi começar a bater nele, com força, com as mãos fechadas. Atingia suas coxas, sua barriga e ele sequer se
- Eu só quero uma coisa – falei de forma firme – Que esta porra não caia na mídia.- Você não está em condições de exigir nada. – Ele disse entredentes.- Isso vai destruir a “sua” reputação. – Deixei claro.- Não pretendo concorrer a porra nenhuma nunca mais.- Ainda continua sendo o senhor Dave, homem perfeito, bonito, educado – fiz caras e bocas – Ah, mas ele tem um defeito... A filha – Ri, de forma divertida.Eu achava tanta petulância quando lia algo sobre eu não parecer pertencer à família de Júlio Dave, um político honesto, amado pelo povo e totalmente ético. Sim, eu era filha dele. E de Celli Dave, que ninguém mais comentava, como se o fato de ela ter morrido fizesse dela inexistente no mundo e na nossa família.- Irei falar com o professor pessoalmente. Pedirei minhas desculpas e tentarei um acordo para não colocar o nome da nossa família na lama. Eu batalhei muito, por anos da minha vida, para manter a integridade do sobrenome Dave. E você tentou desde sempre destruir tudo..
Por dois dias tentei convencer meu pai a voltar atrás em sua decisão e não me forçar a assumir a culpa por algo que não fiz de propósito... Ou fiz? Enfim, minha intenção não foi prejudicar o professor Jax... Ao menos não muito.Mas o certo é que não passou pela minha cabeça em momento algum que aquela porra toda poderia parar na mídia. Aquilo que literalmente me ferrou. Era só para Jax perder o emprego. Então ficaria sem ter como sustentar a família, me procuraria, se desculparia por ter me rejeitado, dormiria comigo, se apaixonaria, voltaria a dar aulas na faculdade, se divorciaria, não veria mais os filhos porque seria somente eu na sua vida, já que eu podia proporcionar a ele qualquer coisa... E enfim, seríamos felizes para sempre. Ou enquanto durasse minha vontade de ficar com ele.Não pensei que a situação
- Você também pode e merece ser feliz, Danna. Por que não tenta? Por que não dá uma chance a si mesma? – A voz de Nadine foi baixa, tranquila, quase doce.Aquela mulher poderia até conseguir enganar meu pai, mas não a mim. Era sim interesseira.- Irei marcar duas horas de terapeuta para você amanhã, Danna. Faz onze anos que você age como uma criança e se recusa a falar com ela. Se não botar para fora todos os seus anseios e medos, irá embora desta casa.- Legalmente você não pode fazer isto.- Eu posso... Esta casa é minha e eu posso fazer o que quiser. Posso mandá-la embora, posso deixar de pagar sua mesada e obrigá-la a trabalhar e posso inclusive mandar interná-la, pois sei que usa drogas e alegarei que é uma viciada e por isto age desta forma.- Seria mentira... E mentir não é correto.<
- Lúcia não foi uma boa menina! – Expliquei, não conseguindo impedir um sorriso maldoso.- E você tem sido uma boa menina, Danna?- Até os nove anos eu fui uma boa menina... No entanto o ser que vocês chamam de Deus tirou a minha mãe de mim. De que adiantou ser boa, não é mesmo?- Acha que a culpa é de Deus?- Parte sim... E a outra parte é da Lúcia. Já me vinguei dela. De Deus... Bem, ainda não sei como fazer isto... Mas talvez um dia eu descubra.- Como vê a si mesma, Danna?Eu gargalhei:- Acha mesmo que vamos ter esta conversa? Eu não falei com você por doze anos e pensa do nada eu abriria meu coração endurecido e quebrado para que me julgue e analise?- Seu coração endurecido e quebrado... – ela balançou a cabeça – Foi por isto que... – levantou